por Luiz Alberto Mendes

 

Estar doente é uma das piores condições de existência. Durante quase todo tempo em que estive preso (cumpri a pena máxima e mais um pouco), lutei com todas minhas forças para me manter em forma e saudável. Aprendi todas lições possíveis de sobrevivência e, como ainda estou por aqui, achava que havia escapado de doença. Jamais tive que operar nada em meu corpo. Corri milhares de quilômetros em círculo nos pátios das prisões por onde passei. Aprendi boxe, lutas marciais, capoeira, ginásticas e estudei a anatomia humana. Devorei avidamente (2 ou 3 vezes) todo livro que veio parar em minhas mãos e estudei tudo o que pude. Sabia que a pena seria longa, mas não perpétua. Um dia sairia e queria estar pronto para reintegrar-me à sociedade em alto nível, tanto mental quanto fisicamente.

Haviam outros obstáculos de maior gravidade a serem transpostos. Primeiro nossos poderosos inimigos: os guardas. Eles nos quebravam com seus canos ferro. E tudo era motivo para que em meia dúzia deles, invadissem a cela e espancassem o preso até ele ficar meio morto no chão. Depois os "valentes" policiais militares que invadiam a cadeia atirando e nos caçando qual fôssemos ratos. Às vezes o choque da PM passava a noite batendo em um por um dos nós, sadicamente. Não éramos humanos, judiavam de nós o quanto podiam, quando não nos matavam.

 Fora a parte da convivência sacrificada por pessoas em desequilíbrio total; psicopatas; valentões; estupradores (mulher de preso era preso mesmo, não havia visita íntima) e os espertalhões. As facas improvisadas, confeccionadas a partir de qualquer metal, eram longas e afiadíssimas, feitas por especialistas, só para matar. Era preciso estar preparado para qualquer tipo de enfrentamento. A maioria dos presos faziam o sinal da cruz ao adentrar no pátio para a recreação, a arena, pedindo proteção.

Minha mãe, essa heroína, visitou-me por 20 anos, então teve um derrame e não pode mais vir, até sua morte. Mas sempre fui abençoado em ter companheiras que me visitavam, jamais fiquei só de todo. Elas, depois de minha mãe, passaram a cuidar de mim. Então me traziam suplemento alimentar para complementar a fraca alimentação prisional. Mas eu fumava, como quase todos àquele tempo. Doze anos antes de sair da prisão, livrei-me de todos os vícios, inclusive o cigarro. Atualmente faz 22 anos que não fumo.

O início foi uma tosse seca que queimava a garganta. Depois o coração acelerava a qualquer emoção ou nervosismo, ficava todo trêmulo e meus pés encharcavam de suor. De repente o negócio ficou louco; comecei a passar mal e fui levado ao Pronto Socorro sofrendo de múltiplas dores e falta de ar. O médico falou em princípio de pneumonia. Após ser medicado, ele viu a chapa dos pulmões e disse que o foco havia sido debelado e não era o que ele pensara no início. Deu receita, comprei os remédios (caríssimos!) e comecei a tomar. Não melhorou, passei pior ainda. A solução foi uma clínica particular, mesmo gastando o que não tenho.

Depois da neurose toda e a canseira que é esperar uma hora o médico atender (e pago), ansioso, nervoso, passando mal, tossindo igual cachorro, fui atendido. Começamos discutindo porque cobrei a pontualidade, mas quando ele falou que eu devia fazer de meu médico um cúmplice, engoli em seco e parei de reclamar. Então o homem ficou gentil e procedeu como um médico de verdade. E mexe daqui e dali, respira e solta várias e cansativas vezes, tiramos a chapa dos pulmões e então ele me mostrou o estrago. Meus pulmões estão pretos, quase nem dá para ver as costelas, de tão pretos. Ele falou que era do cigarro de 22 anos atrás e lesou, lesado ficará porque jamais terei um pulmão bom novamente. Detectou a pneumonia, e depois começou a lidar com o coração e constatou anormalidades, percebi que se preocupou. Estou com arritmia e ele quer saber porque e como.

Estou sob tratamento da pneumonia, tomando comprimidos a dar com pau, fazendo inalações, tossindo e gospindo uma coisa amarela, nojenta, feito louco. Tomando remédio para dormir (não conseguia a 4 dias) e em absoluto repouso (não aguento e tô aqui). Vou ter que fazer sete exames, tomografia, eletrocardiograma, o tal de Holder (colar relógio no peito por 24 horas para medir a frequência cardíaca) e outros. E tem que ser urgente, o médico precisa para saber que medidas tomar rápido.

Quem viveu o que vivi, seria ilógico pensar que, quando a máquina envelhecesse não houvessem problemas. Mas o idiota aqui imaginou ter escapado e até arrogava que havia se cuidado para estar em boa forma. Eu estava fazendo musculação há um ano, meu braço estava fortíssimo, o peito estufado e parecendo ser de ferro. Corria 50 minutos na esteira e fazia musculação por cerca de uma hora e meia, pelo menos 3 vezes por semana. De repente esse choque. Já perdi boa parte do meu preparo físico e uns 5 quilos junto. E agora o médico quer que eu faça somente exercícios aeróbicos; nadar, correr, andar...

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Luiz Mendes

29/10/2014.   

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