Direto no queixo

por Olivia Nachle
Trip #209

Ex-surfista ou novo boxeador? Bobby Martinez tem poucas respostas e muita marra

Rebelde sem causa ou paladino da pureza? Ex-surfista ou novo boxeador? Talento desperdiçado ou idealista? expulso da associação dos surfistas profissionais, Bobby Martinez tem poucas respostas e muita marra, mas continua provocando: “Agora quem ri sou eu”

Era uma quarta-feira de poucas ondas e ainda assim tornou- se o dia mais marcante da carreira de Bobby Martinez. Em 7 de setembro de 2011, ele desembarcou em Long Beach, Nova York, para competir no Quiksilver Pro, munido de um plano simples: vencer ao menos uma das baterias e usar dos microfones que o cercariam depois da vitória para dizer o que queria sobre o campeonato. “Eu não quero ser parte dessa merda que quer ser um torneio de tênis”, vociferou. “ASP? Eles que se fodam! O surf está indo pelo ralo por culpa dessas pessoas.” Martinez estava ao vivo e sua revolta não foi editada – nem na TV e muito menos nas milhares de visualizações no YouTube.

O californiano se referia às mudanças nas regras do campeonato divulgadas havia pouco pela ASP, a Associação dos Surfistas Profissionais. Entre as novidades, a ASP criava um ranking unificado de surfistas; destes, os 32 melhores subiriam à elite mundial, que disputaria o WT, sem que todos os atletas tivessem competido entre si. Era o que Martinez chamava, revoltado, de “campeonato de tênis”. O detalhe é que, na época, ele ocupava a 49ª posição – o que leva alguns mais céticos a acreditar que seu discurso seria bem diferente se ele fizesse parte da tal elite. “Bobagem, eu falaria tudo, independentemente da posição em que estivesse”, diz ele à Trip, sete meses e muita confusão depois. “Se eu quisesse, teria ido a J. Bay e Taiti [os dois eventos anteriores] e facilmente estaria entre os 32”, acredita. O fato é que a verborragia de Martinez rendeu a ele a expulsão da ASP, sob a alegação de haver “atentado contra a imagem do esporte”.

Filho de mexicanos, Bobby Martinez nasceu em Santa Bárbara em 1982 e, seis anos depois, já surfava. Ele garante que o sonho de tornar-se um profissional nunca passou por sua cabeça: “As coisas foram acontecendo... Eu surfava porque amava, sem pretensões ou sonhos pro futuro”. Sua primeira aparição no cenário internacional ocorreu no Brasil, quando, em 2005, venceu o WQS cinco estrelas, em Fernando de Noronha. No ano seguinte, já participando do WCT, se consagrou ao ganhar Teahupoo e Mundaka e terminar entre os top cinco. Sua melhor colocação veio no início de 2010, quando chegou a ser 3o no ranking. Quando deixou o tour, já havia amealhado mais de US$ 607 mil em premiações.

A fama crescia junto com a pecha de difícil, justamente entre seus patrocinadores. Hoje, de volta ao amadorismo, ele assume os problemas e justifica: “As marcas querem que você diga sim para tudo o que propõem!”, diz. “Tudo mesmo! Eu nunca me encaixei nesse mundo, sempre fiquei de acordo com o que eu acreditava e não deixei nenhuma corporação pegar o melhor de mim.” Apesar de todo o discurso antimarca, Martinez reconhece que, “a menos que você seja bem rico”, nenhum surfista consegue se manter sem o apoio de um patrocinador. Ele próprio só teve a oportunidade de viajar para competir depois de ser patrocinado. “Nesse sentido, eles são importantes, claro. Mas, ainda assim, sempre fui verdadeiro comigo mesmo e com o que eu acredito.”

Aquela do Quiksilver Pro de Long Beach foi a mais barulhenta, mas estava longe de ser a primeira manifestação pública de Martinez contra os rumos do surf profissional. “Quanto mais tempo eu participava, mais eu via a palhaçada toda que rolava”, ele diz. “Fazia cinco anos que eu estava no tour, e aquilo era como uma estrada em declive. Em Nova York eu me sentia na parte mais baixa dessa estrada.”

Sua (abandonada) conta no Twitter, repleta de bombas contra a ASP, é a prova dessa longa e tumultuada relação.“A associação não está nem aí pros surfistas e para o que eles querem. É business! Querem ter as coisas do jeito que querem, e o pior é que eles sabem que podem! Então, por que dar atenção às necessidades dos surfistas? Eles podem fazer o que quiserem. Não passa de negócio, nada mais.” Martinez acredita que a melhor forma de revitalizar o surf seria extinguir a entidade e começar do zero, mesmo sabendo que são poucos os que se manifestariam em prol dessa ideia – na verdade, depois da confusão de Long Beach, somente Dane Reynolds deixou a ASP, ainda assim sem se relacionar publicamente com Martinez. “Eu não entendo por que outros surfistas não falam nada. Pelas costas, todo mundo critica a ASP, mas ninguém nunca abre a boca em público pra dizer o que está sentindo.”

“A Associação não está nem aí para os surfistas. É só business”


Algumas semanas depois do escândalo de Nova York, pipocou na internet um vídeo do californiano jogando tênis. Era mais uma (a mais sarcástica) crítica às mudanças nas regras da ASP. O novo esporte de Bobby Martinez é o boxe. “É a coisa que mais gosto de fazer”, garante. O surf continua presente o tempo todo, agora da mesma forma simples e descompromissada que o atraiu na infância. “Quando estou na água, é o momento em que minha mente se livra dos problemas e eu posso curtir a sensação de estar longe de tudo e todos.” Ele define seu atual momento de vida como “ótimo” e reforça cada palavra de seu discurso de setembro. “Falaria tudo de novo, da mesma forma.”

No dia 27 de dezembro, a ASP voltou atrás e abandonou as mudanças nas regras que geraram toda a controvérsia. O formato voltou a ser muito parecido com o de antes, e a tal rotação do meio do ano foi extinta. “Agora quem se classificar tem o ano todo pra competir e não só metade dele”, comemora Martinez. “Além disso, eu ouvi dizer que depois deste ano eles vão voltar a fazer a separação em dois rankings”, confidencia. Curiosamente, a resolução da ASP veio poucos dias depois do anúncio de que o Quiksilver Pro Nova York não ocorrerá em 2012. 

Na ASP, perguntado sobre o que mais haveria de errado, martinez desconversa: “seria perda de tempo falar”

As mudanças esvaziaram muito o discurso de Martinez. “Ainda tem muita merda lá dentro e eu não quero ter que lidar com isso nunca mais”, diz. Quando nossa reportagem pergunta quais seriam estas “muitas merdas”, entretanto, ele desconversa. “Seria perda de tempo falar. Até porque nunca me convidariam pra voltar, ninguém mais quer me ver lá dentro.” O surfista-boxeador rebelde gosta de pensar que o tempo lhe deu razão. “Certamente, quem riu primeiro não está rindo agora. Foi por minha causa que o tour voltou a ser do jeito que deveria. Então quem está rindo agora? Eu!!”

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