por Redação

Nosso colunista continua não gostando do que agrada a maioria

O que procuro nunca se mostrou e tenho corrido atrás, talvez tola e inexplicavelmente. Toda certeza que tenho é que não posso ter certeza de nada. Estou preso à relatividade do instante. A única coisa que parece clara é que tenho sido diferente. Não me orgulho disso, até muito pelo contrário. Quando era criança, o que a todos meus amigos de escola e brinquedo satisfazia a mim entediava. E isso resultou em quase meio século de muita dor e sofrimento. Não cabia na vida que tinha e enveredei por outras que também nunca conseguiram me conter.

Embora o tempo vá fazendo de mim o que faz com todos e eu esteja fatalmente submetido à condição humana, sinto a diferença. E para pior. É só pensar que estive 31 anos preso para ter essa clareza.

Outro dia uma pessoa que recém me conhecia admirou-se quando afirmei que não gosto de futebol. Não vejo graça naqueles homens correndo e acho absurdo e inqualificável o que ganham alguns jogadores. Meu olhar se perde no instante e penso na merda que ganham os professores. Isso exclui qualquer prazer que possa haver (e que me foge) em todo aquele desespero para se chegar ao gol.

Tento coagular idéias em estado de palavras para explicar que não gosto de televisão, quando a maioria a tem como objeto familiar. Sim, gosto de filmes. Sou apaixonado por bons atores, admiro a fotografia (é indubitável que a fotografia da Globo é de qualidade, fazem arte na telinha), mas antes da metade dos filmes já sei o que vai acontecer. É automático. Quando me surpreende, fico emocionado e já querendo saber quem escreveu, quem dirigiu, admirado.

Não suporto novelas, por mais que argumentem a favor. Sempre me irrita a irrealidade com a qual são conduzidas. Tudo sempre acompanha o que a audiência pede, nada surpreende. Não há nada de novo, a arte é assassinada. O insólido, aquilo que deveria estar mas não está, a fragilidade humana e o traço inédito, sem explicação, parece que foge. Tudo obedece lógica padrão e parte do princípio que se deve deixar viver para não deixar de se viver. O medo é não ter Ibope. Audiência se forma a golpes de invenção, educação. Isso custa dinheiro. Tudo o que é melhor sempre foi mais caro porque mais trabalhado, elaborado.

Por exemplo, estou com um livro na Companhia das Letras a mais de três anos. Quando o entreguei pela primeira vez, minha editora, Maria Emília, disse-me que não seria fácil. Suaria muito em cima dele, até publicá-lo. Fui obrigado a reescrevê-lo da primeira à ultima palavra por três vezes. Cada vez que o entreguei, certo de que aquele seria o melhor que conseguiria, ela me devolveu. E lá vinham sugestões, anotações, correções, explicações sobre o que podia dar certo e o que não colava. Autênticas aulas de literatura, mercado e clientes.

Foram brigas enormes a cada devolução. Eu não possuía maturidade literária para suportar a crítica, ficava entre o pulo e a queda, doía. A realidade é sempre obscura e ameaçadora quando se faz arte. Tudo é breve e seco, entre a confusão e insanidade, a lâmina da guilhotina parada no ar. Quase desisti ou aceitei propostas de outras editoras que assediavam. Mas persisti, até que, nessa última vez, ela afirmou que meu livro estava muito bom e que gostaria muito de publicá-lo. Não havia mais insegurança. Sabia que aquele havia sido um bom trabalho, mesmo porque fora sofrido, suado de verdade, graças a ela. Sairá em outubro próximo e se chamará Às Cegas.

Minhas dúvidas sempre me acordaram mais sábio. Enxergando a vida sem maquiagem e do tamanho que ela realmente é. Mas continuo não gostando do que a maioria gosta. Talvez seja muito crítico. Não gosto de ficar tomando cerveja em barzinhos, jogando conversa fora. Acho que vivemos uma péssima imitação de vida, rasteando alegrias antigas para repaginá-las na tentativa de renascimentos. E eu persigo, insistente e resignadamente,o inusitado.

Acredito que o tempo é para ser melhor aproveitado. A vida que temos é resultado de como fazemos nossos momentos, embora vivamos presos ao instante. Buscamos o coração leve para conquistarmos uma existência mais legítima. Só que, em contraste, tudo é muito grave, embora não passe de espuma salva das ondas que se quebram na praia. E eu não quero viver cansado da rotina da vida como um rio velho. Daí estar diferente, para mim, talvez signifique uma vontade de viver com os passos mais suspensos.

Como dimensionar o que realmente gosto? Somos infinitos, território livre, terra de ninguém. Onde nossa insanidade tem sentido e nunca somos achados, nem por nós mesmos. Em nós cabem todas as pessoas que somos, todas que conhecemos, lemos, enxergamos, além, é claro, daquelas que imaginamos. Somente sinto que não gosto do comum, de ficar estupidificado na frente da televisão, como fui obrigado na prisão. Se soubesse jogar bola, com certeza preferiria jogar. A mim parece sem sentido assistir aos outros jogarem.

Gosto também de televisão, mas não da programação que existe. Gosto de música, mas não da que predomina. Gosto de filmes, sexo (mais ainda), escrever, liberdade, livros e, principalmente, conversar sobre essas coisas. Talvez conversar seja um dos meus maiores prazeres. Tudo que me cerca e que aprecio dá conteúdo ao meu diálogo.

Talvez eu não seja tão diferente assim. Apenas a sombra que corre atrás de mim, às vezes, me assusta.

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