Quem são os bushinianos e os anti-Bush?
Antes de pôr o pé nessa terra, ao menos antes de pôr o pé com o corpo inteiro e a determinação em forma de uma mala carregada pra alguns anos, minha impressão sobre Democratas e Republicanos era a mesma que tinha sobre as cervejas nacionais: o que vale é a temperatura e as condições externas. O conteúdo é muito semelhante.
Ainda continuo a achar que Kaisers, Antarcticas e Brahmas são primas de primeiro grau, quando não irmãs siamesas, pra horror dos torcedores de bar, que devem achar a afirmação um sacrilégio de um analfabeto do copo. Cervejas à parte, minhas impressões originais sobre Democratas e Republicanos mudaram.
No Brasil tendemos a torcer para que os Republicanos ganhem as eleições. Há razões para isso. Tradicionalmente, os Republicanos são menos protecionistas sob o ponto de vista econômico, o que em tese é bom pra qualquer um que negocie com os EUA, inclusive nós, os brasileiros. Acaba aí, porém, a razão da nossa torcida. E então começa o imbróglio.
Pois muitas vezes não é fácil entender o que, afinal, determina a diferença entre esses dois partidos. Acostumados ao conceito de "direita" e "esquerda" e às idéias de capitalismo e anticapitalismo que os acompanham, nós perdemos a referência num time em que todos são apenas capitalistas convictos. E aí reside a questão: este país, os EUA, tem, há algum tempo, uma agenda que se chama CAPITALISMO. Não há, portanto, perda de tempo e conversa fiada em discussões se isso ou aquilo deve ou não ser feito. A questão do como ser feito é que coloca congressistas de um lado ou outro do pêndulo e os definem entre Democratas e Republicanos.
Os EUA não pararam, como paramos, no mata-burro da história, pensando se seriam uma democracia, uma ditadura, um país socialista, extrativista ou qualquer outra forma embrionária de sistema. Nós acabamos escolhendo o semicapitalismo. Eles abraçaram o capitalismo por inteiro.
Seria errado, porém, acreditarmos que uma agenda comum que traz só distinções tópicas condenem seus partidários à vala comum e à mesmice dos tecnocratas. Republicanos e Democratas revelam diferenças que não estão nos artigos de jornal, nem nos discursos da Câmara. Mas são importantes diferenças. Talvez só o dia-a-dia, na repetida cena de miudezas cotidianas, isso se revele. É preciso ouvir na linguagem solta de bar, nas rápidas trocas de comentários nos escritórios e no franco tête-à-tête dos bêbados nos casamentos para se ver, enfim, que há um grande universo que separa Democratas e Republicanos. É quase um estado de espírito.
Democratas tendem a ser mais tolerantes, mais open-minded e mais indagativos. O preço disso é o tal do "politicamente correto", essa onda maremótica que, em nome de nobres e reais valores, acabou por surrar por muito tempo a inteligência do mundo dos sensatos. No campo econômico, são mais conservadores e gostam de ver o Estado metendo o bedelho por todo canto. Usam calça cáqui sem prega e jeans com cintura baixa.
Republicanos não. Republicanos são seres taxativos. São liberais no campo da economia, mas querem o Estado autocrático dentro de suas casas. Não gostam de música eletrônica e têm regramentos morais inatacáveis, muito embora às vezes os violem quando as janelas se fecham e as luzes se apagam. São puritanistas por vocação e aceitam a violência na TV, mas não toleram o erotismo (como disse com felicidade Norman Maihler, "cortar peitinho pode, beijar peitinho não"). Têm o mundo esquadrinhado numa prancheta de madeira de verniz e traçam paralelos e meridianos com precisão matemática. Não usam muitas vírgulas nas frases previamente pensadas e preferem o afirmar ao indagar, quase sempre em tom exclamativo. O preço é alto: têm pouca paciência para o diálogo e a tolerância é curta quando se deparam com diferenças.
Em uma frase, Republicanos costumam ver o mundo em black & white, enquanto Democratas vêem as coisas em tom mais acinzentado. O curioso, porém, é que eles acabam se igualando em situações extremas. Quando a coisa está morna, seguem, em sinfonia, o rito da agenda comum. Quando bate o sol do meio-dia e os radicalismos falam alto, se encontram na intolerância. Não sei o que é mais perigoso: tentar argumentar com um Republicano que esta guerra é um equívoco ou avisar as feministas Democratas que o aborto também pode ser interpretado como um ato criminoso. A chance de um tapa na cara ou uma briga de braço é grande.
A verdade é que onde a razão se recolhe e a intolerância sai às ruas, é sempre a lei do grito que conta. E berro é algo que decididamente não falta por aqui.
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