Daqui, da minha cela

Quando chove no presídio, sou aquele que chora e sobrevive a si mesmo

A elegância da chuva me comove profundamente. Nem quero pensar em suas razões científicas (nimbos; extratos cúmulos e esses esoterismos todos). Há dias especiais, como hoje, em que a cortina de gotas transpassada pela luz dos holofotes da muralha me enche a alma de melancolia. Meus pensamentos se desmancham no cristal das águas que caem qual gelo fino. O que sou hoje além da imensa vontade de chorar? Apenas aquele que sobrevive a si mesmo.

Às vezes sou apenas um pequeno serzinho que sente vontade de ficar encolhido dentro e fora de todas as horas. Ali no meu cantinho longe e tão perto de todos. As pessoas se julgam semideuses. Ninguém erra. Só eu. Parece, só eu sou humano, os outros meus superiores. Sempre tenho uma ponta de culpa em tudo. Na boca, fica esse gosto de folha amassada e mordida. Sentimentos de coisas acontecidas e amargo arrependimento.

Identifico-me com o erro. Com as pessoas erradas. Elas me parecem mais humanas, iguais a mim. Por exemplo, na música gosto dos loucos. Jimmy Hendrix me fala direto ao coração quando se estende pela sua guitarra afora. Tanga, fala de tudo que é revolta e caos e que parece não ter sentido. A vida parecia feri-lo mais que a morte. Janis Joplin me faz chorar quando solta sua vida toda num grito enrouquecido a rasgar-se de paixão. Quase uma cobra estrangulada.

Jim Morrison me comove com sua poesia a bater nas portas aos socos, invadindo de claridades impassíveis florescentes. Era uma rebeldia externa na busca da libertação interior. Kurt Cobain me é tão latente que chega a doer só em pensá-lo; parece uma ferida pulsando. Um apito d'alma tangenciando o abismo até o golpe final. Suas mortes não resolveram coisa alguma. Nem para eles. Gosto deles porque foram tão humanos quanto eu. Errei, e muito, mais que eles. Deles ficou a mensagem de que, para melhorar, há que piorar. A mim resta esse tempo, dizer que mesmo que piore há que melhorar.

Memória obsessiva

Sei que meu nada é um pouco mais do que todos esperavam. Com minhas asas cegas e molhadas, não podia fazer menos, senão debater-me. Apenas me sobrava a febre, a amargura e eram grandes as distâncias. Mas sempre procurei pontes. E, quando não as encontrei, as construi com as mãos sangrando. Às vezes com palavras ou até gritos que nunca foram discretos, embora eu estivesse tão obscuro.

Sempre soube me perder de mim, da vida, em estilhaços brancos de neve. Mas meu sonho sempre foi estar em cada uma das pessoas. Sempre quis amá-las e que me amarrassem. Apenas que nunca soube como. Houve tempo em que tentei comprá-las. Parecia que até as pedras, sem mistério, me vigiavam. E segui calado meu caminho no úmido meio da noite.

O ruim é que não posso me dar ao luxo de escolher o que recordar. Recordo-me de absolutamente tudo. Principalmente do que não quero me recordar. São meus 51 anos com tudo de bom e ruim que me aconteceu. De qualquer modo, não há do que me queixar. A alma é vasta e avança. E hoje, eu sei. Sei que estou louco para viver e que me queimo nessa fogueira de lutar com o coração resoluto.

Obrigado, você me leu. Tudo não passou de uma ondinha que se quebrava numa praia deserta. O barulho estava amortecido pela distância. Era uma solidão morta, e eu estou vivo.

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