por Luiz Alberto Mendes

Curioso

 

Aqui com meu roupão sem botões, às vezes fico a pensar na vida. Na vida que tive e na vida que meus amigos tiveram junto comigo. Porque não tive um fim trágico como o deles, porque ainda permaneço enquanto eles se foram? Líamos os mesmos livros:  aqueles que nos caiam em mãos. Quando algum de nós conseguia um livro interessante, era importante que os outros lessem também. Como não tínhamos professores, precisávamos conversar entre nós sobre o que líamos; era nosso único método de aprendizado. Também necessitávamos ir além daquelas coisas pequenas e mesquinhas que a prisão propunha. Lembro-me de cada um deles: alguns eram muito mais inteligentes que eu. Enquanto eu demorava uma ou duas semanas para ler um livro de profundidade e assimilava somente parte; alguns deles, em dois três dias, já haviam lido e dissertavam sobre o tema do livro com propriedade. Aprendi mais com o que eles diziam, do que com os livros em si. Eles diziam que eu era como uma esponja a absorver seus conhecimentos. Eram tão inteligentes, tão perspicazes; eu os admirava tão profundamente... Nem sempre entendo porque sucumbiram e eu, tão menos inteligente que eles, sobrevivi.

Não sei bem os motivos de cada um e não estou para julgar. Mas todos, sem exceção, foram mortos pelas forças policiais (a maioria); se mataram entre si ou ainda estão saindo e entrando nas prisões, mesmo depois de bem velhos. Não sei de um só de meus amigos que iniciaram o caminho das pedras comigo, e esteja fora da prisão, bem, ativo e produtivo. E quanto eu queria poder conversar com eles; saber suas impressões, conhecer, comparar conclusões e experiências...

Às vezes lembro alguns deles nitidamente, lendo, estudando comigo, debatendo, concordando ou divergindo. Percebo somente uma diferença: eles eram objetivos. Aprendiam para resolver seus problemas jurídicos, psicológicos, filosóficos ou para utilizarem seus conhecimentos em liberdade, quando saíssem da prisão. Alguns se tornaram mestres no que estudavam. Para exemplificar, advogados vinham à prisão para consultá-los sobre como resolver questões jurídicas de seus clientes.

Eu jamais gostei de Direito. Para ser mais preciso e sincero, detestava tudo o que fosse relativo à lei. As leis só me faziam lembrar que estava preso para o resto de minha vida. Meu passado era lamentável, nem merecia ser lembrado, mas as leis haviam roubado meu futuro. Só me restava o presente, então eu, diferentemente dos outros amigos, lia e estudava para saber, pela minha própria sede insaciável de conhecimentos. Não havia objetivos práticos; tudo era subjetivo e pessoal. Tinha necessidade de saber, minha curiosidade jamais teve dimensão ou tamanho. Era isso que alimentava minha vida, dava significado e desafiava meu presente. E quanto mais aprendia, mais aumentava minha vontade de saber; às vezes minha burrice dava até desespero, agonia. Não tinha paciência com minha estupidez e dificuldades para aprender. E sou assim até hoje, leio tudo: embalagens, receita de remédios e passo o dia com a cara enfiado no computador ou nos livros. Esqueço de me alimentar, de dormir, de tudo se o que estou lendo é interessante. Quero saber tudo sobre tudo e isso ainda significa os momentos de minha vida.

Será por isso que sobrevivi e eles sucumbiram? Não creio. Mas acho que a minha curiosidade me levou a querer mais da vida do que eles, e isso sim pode ter feito a diferença.

                                               **

Luiz Mendes

12/10/2015.

      

fechar