Risco de Morte
Aquele sujeito me escolhera. Até hoje não sei bem por que. Bem, mas somente os fatos importavam. E o fato ali em questão é que aquele sujeito estava querendo me maltratar, humilhar.
Éramos jovens, eu tinha cerca de 24 anos. Estava enjaulado há mais de cinco anos, cumprindo pena de centenas de anos de reclusão. Tanto ele quando eu já havia participado de assassinados na prisão. O relacionamento na cadeia era brutal ao extremo. O preso era o algoz do próprio preso. Cumpríramos anos de castigo juntos. Havia um relacionamento que eu considerava até amistoso.
Em certa ocasião, eu indignado com a covardia, o alertara que havia uma conspiração para matá-lo ali no castigo mesmo. Escapou porque ficou esperto e não saiu para a ducha naquele dia. Quando perceberam que ele não sairia, assassinaram um grande amigo dele na minha frente, de ódio.
Mas agora eu já era outro. Como outro século. Havia assimilado o bendito vício de ler e tornei-me um nóia da leitura. Abandonara completamente guerras, políticas e idiotices carcerárias. Conquanto tivesse livros bons para ler e o correio funcionasse, pouco me importava quem era quem na prisão. Vivia com livros em baixo do braço, circunspecto e só. Conversava com amigos que gostavam de cultura, estudo e aprendizados. Afrouxara os laços com parceiros envolvidos em outras culturas prisionais, sem perceber. Estava a descoberto. Daí porque o covarde me atacava. Imaginava-me indefeso, cobra sem veneno.
Reagi à altura. Ofendi o mais profundo fui capaz a todo ataque com palavras. Devia impactá-lo para que percebesse que não me intimidaria. Percebi que não esperava, a reação o fez perder o fôlego e parar, chocado. Como estava certo em minha reação, não podia deixá-lo crescer para cima de mim, despreocupei-me. Só que naquele tempo não bastava estar certo. Prevalecia o mais violento e inconsequente.
Soube depois. Eu havia contado a meus amigos Henrique Moreno e o Franco desse desentendimento. Era de praxe ter aliados e base. Deram-me razão. O que eu não sabia é que o sujeito era mais traiçoeiro que meus cálculos. Planejava me esfaquear pelas costas no pátio de recreação. Eu morreria de chapéu atolado até o pescoço, sem saber.
Ocorre que, se imperava esse tipo de covardia, havia a contrapartida. Amigo era compromisso de vida e morte; aquele que olhava nossas costas. E foi o que aconteceu. Quando o covarde (semanas depois) percebeu que eu estava totalmente desprevenido, armou-se e veio para o pátio. Estava preparado para me estraçalhar quando eu menos esperasse.
Na descida do pátio foi barrado. Meus amigos Henrique e Franco o enquadraram e tomaram a faca. Sem que percebêssemos, levaram o sujeito para um quartinho na faxina. A conversa que tiveram por lá não sei, mas posso deduzir o teor. Devem tê-lo ameaçado pesadamente porque no mesmo dia eu o vi com a mudança nas costas. Havia pedido mudança para outro pavilhão. Senti alívio. Era menos uma pessoa que não gostava de mim no pátio em que vivia.
Mal sabia da atuação de meus amigos naquele processo, e o quanto isso rira me custar caro. Só fui saber anos depois. Pouco antes da morte violenta de todos os participantes desse pequeno drama.
**
Amanhã a continuação e finalização.
Luiz Mendes
14/06/2010.