Fotógrafo francês Olivier Voisin viaja o mundo clicando situações arriscadas
Mesmo tendo um apartamento em uma das cidades mais bonitas do mundo, o fotógrafo francês Olivier Voisin costuma dizer que sua casa é onde a notícia está. Com 37 anos, o morador de Paris passa a maior parte de seu tempo em lugares inóspitos, países em guerras ou áreas degradadas.
Após uma temporada na Líbia, Voisin está no Brasil para documentar o trabalho de prostitutas e travestis nas ruas e casas do ramo em São Paulo. Impressionado com a capacidade etílica dos brasileiros, o francês intercala trabalho com diversão na vida noturna da capital paulista.
Desde o começo na fotografia, quase sem querer, o fotógrafo já trabalhou para importantes veículos como os jornais franceses Le Figaro, Libération, L’Humanite, L’Express e a versão francesa da revista Elle. Sua próxima aventura será na fronteira entre a China e a Birmânia, onde documentará a venda de mulheres birmanesas para que se casem com homens chineses.
Em conversa com a Trip, Voisin fala sobre o envolvimento com pessoas em situações tão difíceis, da relação entre a fotografia jornalística e a arte e de alguns lugares por onde já passou.
Quando e como foi seu primeiro contato com a fotografia? Quando você descobriu que esta seria sua profissão?
Eu comecei a fazer algumas fotos quando tinha dezoito anos. Minha primeira câmera foi uma Nikon FA com uma linda lente 35mm F1.4. Eu tenho alguns fotógrafos como inspiração: Larry Burrows, Tim Page, Michel Laurent, Don Mc Cullin. Quando estava na universidade comecei a tirar fotos nas ruas. Depois de uma semana, testemunhei um acidente de trânsito, tirei algumas fotos e publiquei no jornal LE PROGRES de Lyon. Minhas fotos não eram boas, eu tive sorte porque eles queriam mais fotos para a edição do jornal de domingo. Eu era o único que tinha fotos do acidente. Quando o jornal foi feito, foi a primeira vez na vida em que publiquei fotos de maneira profissional. Uma semana depois, consegui minha primeira capa com fotos de protestos contra a mudança na lei da aposentadoria. Depois, o diretor da universidade me apresentou para um antigo fotógrafo de guerra – Claude Sauvageot – que me incentivou a continuar fotografando. Estava claro para mim desde o começo que se eu quisesse ser um fotógrafo, deveria ser um fotógrafo de guerra.
Saí da universidade e fui para o Oriente Médio. Estive em Israel, no sul do Líbano, Egito e Palestina. Acabei presenciando momentos históricos, como os bloqueios entre Israel e Palestina quando começou a segunda Intifada. Também estive no Líbano durante a batalha entre os soldados druzos e o exército de Israel contra o Hamas. Também documentei o tráfico de armas do Egito para a Palestina no deserto do Sinai. Entre outras histórias...
Você se considera um foto jornalista ou um artista? Pra você a foto tem que estar necessariamente ligada a uma notícia?
Não sou um artista. Minha câmera é a minha caneta. Como fazer exposições sobre armas, soldados, crianças em hospitais, mães que choram pela morte de seus filhos únicos, pessoas mortas nas ruas, moradores de rua, gente que vive sem água, crianças que se prostituem com apenas 16 anos, bebês morrendo de cólera? A violência está em todo lugar, mas nem sempre no mesmo lugar.
Tenho muito respeito pelas pessoas, porque em muitas situações elas confiam em mim e abrem suas portas. Elas fazem isso porque acreditam que minhas fotos podem mostrar a realidade em que vivem. É um privilégio e eu não posso me aproveitar dele. Faço fotos para documentar a realidade das pessoas, não acho justo me aproveitar dessa realidade para fazer uma exposição. Não sou um herói que diz: veja minhas fotos, talvez você veja o cara mais sortudo no mundo. Uma foto sem texto não é nada, sem ele você pode dizer qualquer coisa sobre uma foto. Me considero um jornalista.
Que tipo de tema você prefere fotografar?
Gosto de estar em contato com as pessoas e procuro ser capaz de explicar em cada foto a história que tento retratar. O assunto principal é a ruptura humana, tentar entender as diferentes formas de violência. Em todas as situações, tento entender nossa humanidade. Também tento encontrar pessoas que sejam corajosas e tenham coragem, porque estes são os que tentam ser bons, continuam acreditando no futuro e ainda pensam em como construir este futuro. Sempre me surpreendo em ver tantas lições de humanidade.
Qual foi o lugar mais bonito e o mais perigoso em que você esteve trabalhando?
O lugar mais perigoso foi o sul do Líbano. Não tenho palavras para explicar a situação. Foi a única vez que eu tive que sair do front de batalha porque era muito perigoso permanecer. Foi difícil porque a população não tinha escolha. Eles tinham que ficar. Por muito tempo tive a sensação de não ser corajoso o suficiente para continuar o meu trabalho. O lugar mais bonito foi na Líbia. Eu estava no deserto com meu motorista, a cerca de 80 km de Bengahazi. De repente, quando estava amanhecendo, surgiram três tornados de areia do deserto. Nunca tinha visto algo tão lindo na minha vida até então.
O que está achando do Brasil até agora?
Brasil é um novo mundo para mim. São Paulo é muito grande, por todo lugar existem skylines. A cerveja e a comida são boas. A atmosfera das ruas é incrível. As cores e a luz são muito boas para fazer fotos. As pessoas que encontrei são legais e prestativas. Gosto de estar num país em que as pessoas gostam de sair à noite.
Qual o seu envolvimento com as pessoas que você retrata? Você mantém um distanciamento ou prefere estabelecer um contato mais íntimo? É difícil se relacionar com as pessoas em zonas de conflito?
Existe a vida deles e a minha vida. No começo do meu trabalho, dezessete anos atrás, estive em Israel pela primeira vez e isso mudou minha vida para sempre. Você pode dizer a si mesmo: eu não me importo, não é meu problema. Para mim as coisas não funcionam desse jeito. Em todas as situações existe gente legal e corajosa. Dirigi de Tel Aviv para Bethlehem porque sabia que nessa cidade as pessoas iriam protestar por não terem o direito de ir para Israel para trabalhar. Após um tempo no local, não havia mais comida nem água. Algumas pessoas que conheci em Tel Aviv me deram água e comida para levar para as pessoas de Bethlehem. Este caso é emblemático de como é impossível não se envolver com quem está em uma situação de crise.
Em outro momento, quando estava na Líbia tive uma experiência diferente. Eu estava num bloqueio militar dos rebeldes, quando surgiu um carro em alta velocidade vindo em nossa direção. Quando o carro parou, os soldados rebeldes com quem eu estava correram para o carro e começaram a bater nas pessoas que estavam nele. Eles sabiam que existiam soldados de Kadafi disfarços naquele carro, e começaram a espancá-los. Não pude tirar fotos dessa cena, era perigoso demais para mim. Estava sozinho e do lado rebelde. Mas quando o carro saiu fui até o local e tirei fotos do chão ensaguentado.
Em alguma ocasião sua vida esteve em grande risco?
Da última vez que estive na Líbia, em Ajdabiya, quando voltava do front de batalha de Brega, quis fazer algumas fotos de uma mulher africana que trabalhava num mercado. Antes de tirar a primeira foto, um líbio veio até mim e disse: "Não faça fotos dessa prostituta africana!" Estava nervoso e cansado depois de ficar quatro dias no front. Então, respondi algo como “puta merda”. Foi aí que doze soldados rebeldes vieram até mim gritando e tentaram me assustar com suas armas. Gritei também “fuck you” várias vezes. Meu motorista que era líbio estava entre mim e os soldados tentando explicar a eles meu trabalho. De repente um dos soldados entendeu que eu era francês e disse: "Oh França, Nicolas Sarkozi, nos desculpe." Às vezes é bom ser francês...
O que um aspirante a fotógrafo de guerra precisa ter em mente?
Diria para um aspirante que deseja fazer fotos em zonas de conflitos para ter em mente de que você tem que se manter calmo. Você é uma testemunha, se não manter a calma, não teremos mais testemunhas. Você precisa manter a calma e preservar a sua vida.