por Luiz Alberto Mendes

 

Você precisa sair de casa; olha para o céu (em São Paulo é preciso estar esperto) e esta tudo escuro. Sintomas evidentes de uma tempestade das grossas, daquelas de inundar, cair granizo e alagar  tudo. Perigo. Então você decide acelerar o passo para tentar evitá-la. Mas ao pisar mais forte a dor no seu pé te avisa que o sapato esta machucando. Caso ande mais rápido, vai machucar mais ainda. Vai doer e ferir seu pé, impossibilitando que amanhã você use sapatos porque esta com o pé machucado. E amanhã é dia de trabalho, você não pode deixar de comparecer sob pena de perder o emprego ou o cliente. Então você terá que decidir por andar devagar para não machucar o pé e se arriscar a pegar um temporal que pode ser muito perigoso. Contrair uma gripe que te inviabilize para os dias seguintes. Ou acelerar o passo e ferir o pé, interditando-se para o dia seguinte ou para mais dias, até cicatrizar o ferimento.

O que fazer? É preciso decidir; não há outra alternativa. Não existe vida sem circunstâncias em volta de si. Existir infere estar no mundo sempre rodeado de circunstâncias, decisões e consequências. As opções podem ser únicas e permitem domínio da razão sobre elas, mas as consequências são imprevisíveis. Atingem pessoas e coisas que não sabemos como podem reagir e no que pode dar.

Caso seja como querem os filósofos, nada mais podemos fazer ao sermos obrigados a qualquer decisão, senão toma-la. Podemos, é claro, criar, inventar nossas próprias saídas dos impasses. No caso acima, um tipo de proteção no local da machucadura no pé; sair de carro em vez de a pé. Podemos sempre, desse modo, exercer nossa liberdade e nos responsabilizarmos pelas consequência de nossas criações. A proteção pode não ser suficiente (quase sempre não é) para o pé; o carro pode ser pego pela enchente e o prejuízo ser maior ainda. Mas nada vai nos tirar dessa liberdade de escolher e arcar. Nada ofusca nossa liberdade porque ela é obrigatória em nossa vida. Não somos fantoches (embora nem sempre fique claro), temos o elemento fundamental da liberdade: a capacidade de criar e decidir. Certo ou errado, decidiremos.

Estamos no mundo para existir. Eu me decidi por vencer a cultura criminal à qual minhas decisões estúpidas de adolescente me tornaram um presidiário para quase o resto de minha vida. E tenho sido (ainda bem!) firme em minha decisão, abrindo caminhos para outros que, como eu, se enganaram ou foram enganados pelas circunstâncias em suas decisões. Enganei-me, quis liberdade além das regras, sem os impedimentos da convivência social. Quis consumir além de minha possibilidades, vestir melhor, gastar sem limites, desconsiderar o outro ser humano como um igual, nominá-lo e diminuí-lo como "trouxa", "otário" contra o qual valia tudo. Ele era o alvo. Só muito depois percebi que o sentido da vida é algo que criamos para nós e para os outros também com suas consequências. Descobri que aprender era ficar mais perto desse sentido de existir e que não há direitos sem obrigações. Construí uma capacidade de usufruir do presente sem hipotecar meu futuro e consegui me equilibrar para ser capaz de conviver. Não sei o que decidiria no caso acima do sapato e da tempestade, mas na hora resolveria e aceitaria as consequências tentando controlá-las.

                                           **

Luiz Mendes

30/01/2015.

fechar