China em Moto Contínuo

por Luiz Filipe Tavares

O cantor e VJ da MTV fala de seu novo disco e conta como é estar dos dois lados da notícia

Na última sexta feira saiu oficialmente (e de graça) Moto Contínuo, terceiro álbum solo do cantor e compositor China, nome forte dessa nova geração da música independente nacional. Apresentador do Na Brasa, programa de música brasileira da nossa MTV, ele divide as funções de entrevistador/entrevistado e aproveita o sucesso de crítica de seu segundo disco, o Simulacro, que fez muito barulho no cenário brasileiro e pavimentou a estrada por onde hoje ele acelera. Além disso, China também integra o projeto Del Rey, banda que faz muito sucesso no circuito de casas noturnas fazendo covers de Roberto Carlos e outros ícones da Jovem Guarda.

Compondo, arranjando e produzindo o disco todo com as próprias mãos, China recrutou Pitty, Tiê e Ylana Queiroga para participar nos vocais e todos os amigos disponíveis para ajudar com os instrumentais para produzir um belíssimo disco [Você pode ouvir e baixar gratuitamente o disco no site da TramaVirtual]

No terceiro álbum desde que deixou o Sheik Tosado, ainda no início dos anos 2000, o cantor apresenta seu amadurecimento como compositor e mostra ética de trabalho ao se recusar a concorrer a qualquer lei de incentivo depois de usar dinheiro de programas de fomento na gravação de seu segundo disco. 

Conversamos com China sobre esse salto na carreira de compositor, o trabalho de entrevistador no Na Brasa e o colapso do sistema de incentivo à cultura através de editais na entrevista que você lê logo abaixo.

Queria começar perguntando sobre uma coisa que você disse no Twitter, brincando com as perguntas das entrevistas:  "Dei tanta entrevista hoje, que quando a mina do caixa perguntou se eu queria nota paulista, ja fui falando das minhas influencias musicais." Como você lida com a rotina de entrevistas depois que começou a apresentar o Na Brasa? Como é estar dos dois lados das entrevistas?
China - Cara, é engraçado [risos]. Agora eu entendo melhor o quanto o jornalista precisa da resposta do entrevistado. Mas no dia que você comentou, foi foda. Eu saí da gravação do Na Brasa, onde eu entrevistei uma banda, e já tinha gente ligando pra me entrevistar. Mas eu acho que estou aprendendo a me comportar dos dois lados das entrevistas. Agora, quando eu vou dar entrevista, fico pensando no que eu gostaria que me perguntassem. Então vou falando e dando dicas de outros assuntos. Vou levando a entrevista da mesma forma que eu gostaria de fazê-la no Na Brasa. Eu acho massa quando a banda que eu estou  entrevistando mostra argumentos pra mim, assim a entrevista flui bem melhor.

Isso é bem verdade. Mas sempre tem um entrevistado difícil, né? Já pegou alguém que tenha sido muito difícil de entrevistar?
Claro que eu não vou dizer quem, né? Mas já tive entrevistas bem ruins [risos]. Já peguei alguns chatos. É aquele cara que só fala que sim, sabe? Esse é o pior entrevistado. Você faz uma pergunta enorme e o cara responde: "É, tá tudo muito legal.", e só [mais risos].  Aí você tem que ir desenrolando ali mesmo. Tem que se virar pra tirar do cara o que ele não consegue falar. Mas no final sempre acaba rolando bem.

"Quando eu vou dar entrevista, fico pensando no que eu gostaria que me perguntassem"

E o que você gosta mais? Prefere ficar do lado do entrevistado ou do lado do entrevistador? 
Gosto das duas coisas. Sou bem curioso e um cara que gosta de falar muito. Então eu sempre fico querendo saber qual é a da galera. Como músico, isso me interessa muito. Então, no Na Brasa, eu não estou simplesmente apresentando um programa. Eu estou realmente trocando idéias de música, uma das coisas que eu sei fazer melhor, com músicos. Então sempre quero saber o que os caras estão ouvindo, como está rolando a cena no sul, do nordeste, dessa galera toda. Então eu gosto muito dos dois lados.

O que era mais fácil? Era dar entrevista enquanto você ainda era mais novo, na época do Sheik Tosado, ou é mais fácil agora que você está mais calejado e tira mais de letra?
Agora eu perdi aquela vergonha que dava no começo. No começo do Sheik, as primeiras entrevistas foram todas terríveis [risos]. A gente não tinha aquela consciência clara do que queria dizer. Mesmo quando sabia, não conseguia dizer porque ficava nervoso. Agora já ficou mais fácil. É o tipo de coisa que você só aprende ao longo das entrevistas e durante sua carreira. 

Tem alguma pergunta que realmente te incomoda?
A pergunta que eu acho mais chata de fazer, mas que eu entendo que é útil pra quem está lendo ou assistindo em casa, é a tal da "quais são suas influências" mesmo. Essa eu acho muito ruim de fazer. O pior é que sempre tem uma galera que quer saber...

E é aquela pergunta que você tem que ficar inventando mil jeitos de fazer para não ficar sempre a mesma coisa...
É foda! Eu mesmo vivo inventando mil voltas pra chegar na mesma pergunta. Eu tento fazer isso também, mas ainda não encontrei um método ideal. Mas eu adoro responder essa pergunta. 

Ah, é? Então quais são suas principais influências?
Oba! [gargalhando] Bom, atualmente pelo menos eu tenho ouvido muito Dengue Fever, que é uma banda californiana que faz um som inspirado em coisas do Camboja. Roberto Carlos, esse eternamente, sempre chapo no som dele. Pro Moto Contínuo até fiz uma pesquisa sobre a "jovem guarda" no mundo inteiro. Comecei a viajar porque em Londres tinhas os Beatles, aqui tinha o "iê iê iê", que já era bem parecido. E aí comecei a encontrar coisas parecidas no Japão, na Turquia... Aí no final das você percebe que a ideia era a mesma, sempre aquela coisa, mas em cada lugar os caras faziam diferente. 

Falando em Moto Contínuo, vamos falar um pouco da gravação do álbum... O disco levou quase um ano pra ficar pronto; como foi esse processo? Você gravou muita coisas sozinho ou foi tudo com a banda?
Nesse disco, eu resolvi montar uma banda diferente para cada música. Afinal, as músicas são muito diferentes entre si. E como foi um disco que eu produzi, o primeiro entre os meus próprios que eu produzo, você fica 10 mil vezes mais criterioso. Então eu regravei muita coisa. Levava coisa pra casa todo dia, trabalhei muito nele na minha casa também. Mas tem outra coisa, meu disco é meio puta, sabe? Todo mundo vem e dá uma passada de mão [risos]. Meu disco é uma verdadeira rapariga. E isso foi muito legal. Até na hora de mixar eu escolhi cinco caras diferentes. 

Nada melhor pra um disco com tantas músicas diferentes do que vários engenheiros de som e músicos diferentes...
Exato! O disco foi todo dividido já pensando nisso. Antes eu ficava me podando, ficava pensando: "essa música não tem nada a ver com meu som", essas coisas. Aí nesse disco eu entrei em uma de que eu sou compositor, tá ligado? Eu componho de tudo quanto é jeito e gosto de ouvir todos os tipos de música. Então eu resolvi fazer o disco assim. Então daí que veio a ideia de juntar toda essa galera, assim cada música fica com sua própria cara. 

Por ser compositor e produtor, você gostou de ter controle total sobre o disco? Ou acha que é trabalho demais e para um próximo prefere que mais alguém produza para dar uma aliviada no processo?
Pela questão do volume de trabalho, a gravação foi tranquila. O que é pior é a questão psicológica na qual você se coloca fazendo isso. Você fica se perguntando se a bateria está certa, se uma guitarra entra ou não entra, etc... Ter um produtor do lado, um cara que você confia, é muito bom. Eu resolvi produzir sozinho porque não tinha nem grana pra pagar um produtor. Fui pagando o disco todo do meu bolso mesmo. E tem outra: no Moto Contínuo eu assumi a produção mas todo mundo deu pitaco. Ouvi muitas sugestões dos meus amigos do Mombojó e de todo mundo que participou das gravações. 

O Moto Contínuo foi mais tranquilo de fazer do que o Simulacro?
No Simulacro eu tinha um produtor. O Moto Contínuo foi mais complicado porque eu escrevi o disco antes, assim já tinha uma ideia fechada da música na minha cabeça,  mas sem o produtor do lado fica difícil de levar a música pra outros caminhos. Dessa vez eu demorei mais, porque queria ver a música evoluindo pra outro lado. Foi mais difícl de fazer, mas ao mesmo tempo, depois que o disco saiu e as pessoas começaram a elogiar, isso me deixou muito feliz e satisfeito. Gostei muito de ter feito ele assim e fiquei feliz com o resultado.

O nome do disco remete a um mecanismo de movimento de auto-alimentação eterna. Como é para um artista independente conseguir alimentar sua carreira de forma que ela avance sempre sem precisar de um "combustível" externo, por assim dizer...
Cara, no dia que eu acabei de gravar o Simulacro eu já fui pra casa louco pra gravar mais coisas, músicas novas... Ai eu me surpreendia comigo mesmo, afinal, tinha acabado de terminar um disco e já queria mais. E esse é o "modus operandi" de todo o artista independente. Um método que até os artistas mainstream estão copiando. Então você vê que agora, o site é sua gravadora, o messenger é seu gerente de marketing e seu email é o produtor de show [gargalhadas]. Então hoje você faz a parada toda. Entender e cuidar da sua carreira é a melhor coisa do mundo.

É o fim da era das babás na música...
Exatamente! E isso acabou. Essa galera do pop de hoje é a última galera que vai ter babá. É um ou outro que vai ter uma estrutura bacana por trás. É só você ver aí quantos artistas consagrados estão metendo a mão em edital público para gravar disco. O Simulacro foi incentivado por um edital de cultura. Então pra esse disco eu me recusei a fazer inscrição do projeto porque o próprio nome já diz, são "leis de incentivo". É assim, você tem o incentivo e depois tem que se virar, andar com seus próprios pés.  E eu usei essa lógica. Na minha opinião, é uma grana que podia ir pra outro lugar. Podia ser investido mesmo em cultura popular, mas não, né? Nego vai metendo a mão e não quer nem saber.

"Pra esse disco eu me recusei a fazer inscrição do projeto porque o próprio nome já diz, são 'leis de incentivo'. É assim, você tem o incentivo e depois tem que se virar, andar com seus próprios pés"

Pois é. E isso é um problema latente desse sistema de fomento à cultura com o dinheiro público. Lógico que nenhum artista é contra esse incentivo, mas é um formato que tem muitas áreas cinzentas...
Com certeza. Claro que eu concordo que o governo precisa incentivar a cultura, mas a gente precisa de um mecanismo mais legal que esse para podermos discutir o que está rolando. E é dinheiro jogado a esmo. No projeto que eu fui beneficiado, que era o Funcultura, de Pernambuco, os caras não me cobraram nada. Não me cobraram um clipping,  não perguntaram qual o resultado, não sabem quantos discos vendeu, nada. Eles não tem controle nenhum. Eles nem sabem se valeu a pena investir aquela grana em mim. Isso é um absurdo, não tem nenhuma prestação de contas. É um processo que poderia ser muito melhor aproveitado. E acho que os próprios artistas deviam ser menos caras-de-pau de todo o ano ir aprovar um disco com o Ministério da Cultura. 

Nesse ano mesmo a gente viu toda aquela briga por causa do projeto do site da Maria Bethânia, mas até agora não tivemos nenhum sinal de que haverá mudança no sistema de editais.
E isso é uma loucura, cara. Não faz sentido. Eu que sou eu banquei meu disco inteiro, só de show do Del Rey e de uma graninha que pintava aqui e ali de shows solo meus. Foi que nem comprar casa no banco, parcelei com todos os parceiros [risos]. No mais, foi o Roberto Carlos que bancou meu disco [risos].  

* * *

Ouça Moto Contínuo na íntegra pelo player abaixo.

Vai Lá: Show de lançamento de Moto Contínuo
Quando:
08 de setembro de 2011
Onde: SESC Pompéia - Rua Clélia, 93 - São Paulo (SP)
Quanto:  R$16 (R$8 meia-entrada)
Informações: (11) 3871-7700

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