Prata da casa
Novembro é um mês intenso para a literatura contemporânea. Longe das listas dos mais vendidos, sem dar muita importância para o mercado literário e com muito pouco apego a convenções, vários autores surgidos nos anos 90 chegam às livrarias. Entre eles, Ronaldo Bressane, assíduo colaborador da TRIP, que acaba de escrever Céu de Lúcifer. O livro, seu quarto e último da trilogia A Outra Comédia, traz dezenove contos. Bressane conversou com a gente sobre esses autores, mercado literário, seus livros e referências, que vão de Radiohead a Dostoiévski, com o mesmo tipo de ironia que recheia seus contos. Dá uma conferida:
Por que tantos lançamentos de literatura contemporânea em um mesmo mês?
Não sei, mas tenho 3 hipóteses:
1 - Coincidência de prazos estourados;
2 - Hiperatividade;
3 - Crime organizado.
O que você acha que há de comum entre esses escritores?
Sempre que podem, esses caras se reúnem em bares, botecos e mosca-fritas variados de São Paulo para trocar idéias, falar dos lançamentos, contar piadas e falar mal dos outros escritores que não estão à mesa. Acho que, fora escrever furiosamente, explorando áreas de risco, sem convenções, não ligando a mínima para o mercado, são os únicos traços comuns.
Quais autores ou obras que mais lhe influenciaram?
Putz. Difícil. Até porque não acredito muito nessa coisa de influência - acho que cada autor cria sua própria linhagem. Dos caras que me foram importantes, colocaria, de cara, na mesma chave, dos mortos, Kafka, Dostoiévski, Campos de Carvalho, Buñuel, Chico Science. Dos vivos, Crumb, Radiohead, Sérgio Sant´Anna, Lynch, Hilda Hilst. Mas esse top ten pode mudar amanhã.
Quais as dificuldades para se lançar um livro hoje? É possível viver da literatura?
Viver da literatura é possível para uma meia dúzia, no Brasil - Verissimo, Ubaldo, Sabino e mais uns poucos (Paulo Coelho é auto-ajuda, não conta). Já viver de escrever é outra coisa, e é até possível - é o que paga meu aluguel, por exemplo. Quanto a lançar um livro: hoje não é tão difícil. Em uma pequena tiragem (mil exemplares), você pode produzir um belo livro com uns R$ 3 mil. Agora, como distribuir e divulgar isso é que é o problema. E para quem? Temos hoje 75% de analfabetos funcionais. Gente que mal lê o nome. Talvez 1% se interesse por literatura, no Brasil, e dentro desse 1%, uns 10% se interessem por literatura contemporânea. Se os mandatários da mídia não se ligarem nesse problema gravíssimo que é a educação, seus netos morrerão de fome.
Qual o papel da literatura hoje? E do escritor?
Provocar mal-estar, desconforto, incômodo e inquietação através da beleza.
Você acredita que o mercado literário, assim como a indústria fonográfica, privilegia autores mais pops, que possibilitarão maiores vendagens?
Claro que sim. Mas o mercado está mudando, ficando mais esfacelado, repartido em nichos, em que os autores certos falam para seus públicos certos. Agora, nada disso me vem à cabeça quando estou escrevendo - nunca penso em quem vai ler aquilo que estou escrevendo. Penso que o escritor deve escrever para a literatura, procurando o maior nível de comprometimento e sinceridade. Assim,mercado é algo totalmente dissociado da minha literatura. Até porque a maior parte do que escrevo é contra o mercado. Escrever é queimar dinheiro.
Dos lançamentos deste mês, já li o Bangalô, do [Marcelo] Mirisola, que tem momentos brilhantes, altíssimos mesmo, quase ao final, em que o narrador conta os delírios de sua adivinhação do mundo. Do [Mário] Bortolotto (Bagana na Chuva), os diálogos afiados e o humor sarcástico em cima de quem se mete a besta. O livro do Reinaldo [Moraes] (Tanto Faz) é um clássico dos anos 80, conta sua estada em Paris e é movido por uma psicodélica vontade de viver (a cidade me excita todos os dias, como uma nova namorada). Os insólitos contos da Índigo (Festa da Mexerica), primeira escritora a ter um site literário no Brasil, que tenho o prazer de conhecer há uns 7 anos. E os contos do Joca Reiners Terron (Curva de Rio Sujo) ? alguns também já li - demonstram, de novo, sua irrefutável condição de nosso miglior fabbro: poeta, editor, tradutor e romancista de imaginação febril, escrita a frio.
Conte um pouco sobre Céu de Lúcifer.
Esse livro fecha a minha trilogia A Outra Comédia, livremente inspirada no movimento ascendente da dantesca Divina. É uma queda para o alto - o conceito que paira sobre cada conto é: como seria o céu, antes da queda de Lúcifer? São 19 contos. O primeiro segmento do livro, Ilhas, abre com Jornal do Caos em que se conta a história de um jornalista que, esgotado por overdose de informação, corta todos as conexões com o mundo exterior, se fecha durante uma semana em seu apartamento e produz um diário à base de drogas variadas. O segundo segmento, This Monkey Goes to Heaven, são sete historietas entre poesia e ficção narrando a epopéia do subherói Butthole Kongo, um macaco albino que queria ser Deus e tem problemas em controlar seus impulsos - em um dos contos, BK entra numa clínica de bronzeamento artificial disposto a ficar moreno, leva uma garota junto com ele para dentro da câmera e o resultado é um desastre.