Aos 25 anos, a jornalista e modelo mineira é a primeira Trip Girl transex da nossa história
Este é o primeiro ensaio nu da modelo mineira Ana Carolina Marra, 25 anos. É uma estreia pra gente também: em 26 anos, Carol é a nossa primeira Trip Girl transexual.
Meus pais percebiam que eu era diferente desde pequena: na rua, perguntavam se eu era menino ou menina. Eu ficava de castigo e nem sabia por quê. Não tinha amigos, tive uma infância e adolescência solitárias. Meus pais imaginavam que eu fosse gay, mas não esperavam que eu fosse transexual. Eu nunca tive namorada, nunca dei um beijo ou encostei em uma mulher. Na adolescência eu me interessava pelos namorados das minhas amigas, e acabei tendo minha primeira relação sexual só com 22 anos. Eu não me aceitava. Só mais tarde, com ajuda médica, fui entender. E foi um choque pra família. É doloroso, todo pai tem medo que o filho sofra, apanhe na rua...
Hoje eles aceitam mais. Coloquei próteses nos seios e minha mãe até ajudou no processo... precisei trocar o guarda-roupa, fui jogando minhas roupas fora e ela ali junto, chorando... foi difícil para eles, para mim também, mas eu precisava matar parte de mim para outra nascer: virei Ana Carolina – em homenagem à minha irmã, Ana Paula.
Me formei em jornalismo e depois trabalhei como produtora na TV Globo, no RJTV. Fiquei um ano e meio correndo atrás de buraco de rua, eu detestava aquilo... Queria falar sobre moda, então decidi fazer outros cursos.
Na época eu não me vestia totalmente como mulher. Era uma coisa exótica, roupas unissex, deixava aquela dúvida se era menino ou menina... Saí do jornalismo, fui trabalhar como produtora de moda no Rio, fazia editoriais e capas de revistas. Aí os fotógrafos começaram a comentar: “Nossa, você é andrógina, fotografa bem”, e fizeram umas fotos. Depois uma amiga me pediu para eu fazer um catálogo de roupas femininas e fui começando a trabalhar informalmente como modelo. Com o tempo, fui ficando mais e mais feminina. Até que passei no casting do Minas Trend Preview [principal semana de moda mineira] e fiz vários desfiles, inclusive o de abertura, para o Ronaldo Fraga. Na verdade, minha carreira começou há pouco mais de um ano, está tudo acontecendo muito rápido, mas passa rápido também. Aos 25 anos, não sou mais novinha, não vou competir com garotas de 17 anos.
Os héteros me adoram, mas sofro bastante preconceito mesmo no mundo da moda, onde quase todos são gays. Às vezes o próprio gay tem preconceito do outro, gritam “Vai, passiva!”, como se fosse demérito. Já imaginou se todas fossem ativas?
Ser mulher
Não sou travesti, sou transex. É bem diferente. A travesti aceita seu membro, e o usa na relação. Já a transexual não se conforma com sua genitália, daí a necessidade da cirurgia. Eu não me sinto à vontade, me vejo presa a um corpo que não é meu. Preciso me libertar para ser feliz. Por isso não tenho medo da cirurgia. Faço acompanhamento psicológico há dois anos e consulto com um dos principais médicos brasileiros da área. Prefiro ser operada aqui a ser na Tailândia, aqui é mais sério. Queria “para ontem”, mas vou esperar. Estou ganhando dinheiro com meu trabalho, não posso parar nesse momento. Sei que ser mulher não se resume a uma vagina.
Tem tanto homem que tem pênis e não é homem... e sou mais feminina do que várias por aí. Essa é minha luta diária, ser aceita. Por outro lado, não é uma vagina que vai me fazer mulher, mas... é. Os homens só vão me aceitar quando eu tiver uma. Eu também...
Para casar
Minha grande paixão foi um homem com quem morei três semanas, na casa dele... e não transamos, acredita? Ele falava que sua próxima namorada tinha que ser pra casar, que eu era a mulher da vida dele... E eu não sabia como contar, então pensei: “Vou deixar ele se apaixonar, aí eu conto”. Conheci amigos, a família... e nada de contar ou ele perceber. Aí um dia ele descobriu por uma revista, e disse que não podia mais ficar comigo. Falou que tinha outra, mas era mentira. Perguntei: “É por que eu sou transex?”. E ele: “Não, mas você devia ter me contado!”. Não contei porque não sabia como, dei várias pistas, mas ele não pescava... então desabafei: “Você não disse que eu era a mulher da sua vida, que queria casar comigo? O fato de eu ser transex deixa meu beijo menos gostoso, eu deixo de te fazer feliz? Você me ama ou ama o que eu tenho entre as pernas?”. E ele só chorava, chorava... Ficou com minhas roupas na casa dele, me deletou no Facebook, não falou mais comigo. Não me assumiu pelo medo do deboche dos amigos. Sei que ele ainda gosta de mim, gosto dele também... se ele me chamasse de volta eu largava tudo e ia!
É complicado. A partir do momento em que os homens sabem que sou transex tudo muda. Mesmo que seja só ali, entre eu e eles, já me tratam como um pedaço de carne, querem ir escondidos pro motel... e isso eu não aceito. Antigamente eu até topava, mas agora não mais. Pra sair comigo tem que me levar pra um bar, um restaurante, sentar na mesa comigo com orgulho. Não sou marginal ou um ET. Se não for assim não saio, prefiro ficar sozinha.
Já saí com jogador de futebol da seleção. Esse acompanhou minha transformação... tivemos um caso, hoje somos amigos. Também saí com um cantor sertanejo que eu nem sabia que era famoso. E tem também um político aí que não para de me ligar. Esse mesmo me encontrou outro dia na balada e falou: “Vamos sair, mas ninguém pode ver”. Ã-hã, vai esperando. Sair escondida por quê?
Teve outro que conheci em uma festa e depois ficamos conversando pelo telefone por um mês antes de nos reencontrarmos. Quando nos vimos de novo e eu ia contar, ele resolveu me levar num almoço de família. No caminho passamos eu uma rua perto do Jockey e tinha umas travestis trabalhando, praticamente nuas. Levei um susto, nunca tinha visto assim, de dia. Aí ele falou: “Não olha pra isso não, a matança desses lixos tinha que ser parte da limpeza urbana de São Paulo”. Foi tão preconceituoso e duro que nem tive coragem de falar nada sobre mim pra ele.
Chegamos na casa da família dele e não consegui ficar, comecei a chorar. Eu não tinha direito de estar ali enganando aquela família que me recebeu tão bem. Sou uma mentira pra eles, e sou uma mentira pra mim também. Chorava pensando até quando eu viveria naquela situação por medo da reação do meu pai e da minha mãe... fui embora e nunca mais o vi. Mas ele teve um papel importante, me fez acordar pra vida. Foi mais um motivo pra eu querer fazer a operação e virar a mulher que sempre fui.
Respeito
Olha, espero que o homem mude um dia... o preconceito vem da falta de informação. No dia em que o ser humano começar a ouvir mais o outro, conhecer antes de julgar, vai respeitar. Hoje acham que travesti e transexual é tudo putaria. E não é assim, conheço médica e funcionária pública transexual. Mas quem vai dar um emprego de faxineira pra uma travesti que não teve oportunidades? Não dão, claro que não. Aí elas acabam indo pra rua se vender, afinal precisam comer, beber... E não devemos julgar nem condenar.
O que eu diria pros leitores que se sentirem ofendidos de alguma forma por uma Trip Girl transexual? Ninguém precisa gostar de mim, mas respeito é fundamental. Sou um ser humano como outro qualquer, tenho pai e mãe, não sou filha de chocadeira. E não escolhi ser transexual. Eu nasci assim. Posso fazer um homem realizado não somente na cama, mas principalmente fora dela. Meu sonho é simples. É ter um marido, uma família feliz, uma vida comum.
Créditos
Coordenação Geral: Adriana Verani / Produção: Flavia Fraccaroli / Styling: Lara Gerin/ Make&Hair: Daniel Lacerda (CAPA mgt) / Assistente de styling: Lidia Yang / Assistente de Make&Hair: Juliane Oliveira / Assistentes de foto: Carlos Ximenes / Leandro Bugni / Créditos de Moda: Guerreiro / Casa Juisi / Fruit de La Passion