por Heitor Dhalia
Trip #189

Entre fama e vida comum, a apresentadora se despe e se revela por inteiro para a câmera

Você tem uma infância feliz de filha única, descendente de italiano e alemã, num bairro de classe média de São Paulo. Adolescente, já loira e altíssima, você é abordada por olheiros de agências que a convidam para ser modelo. Suas amigas, e até sua mãe, não entendem por que você responde repetidamente não. Você tem outros planos. Você não tem pressa. O primeiro beijo é aos 17. A primeira transa, com o primeiro namorado, aos 21. O primeiro emprego, de estagiária de produção, é aqui nesta Trip. Em pouco tempo, você está na MTV, na cobiçada vitrine de VJ. Você entrevista seus ídolos, vai aos shows como VIP. Seus chefes a elegem musa do verão e a colocam nua na capa da revista da emissora, com apenas uma fita plástica cobrindo o corpo – uma homenagem à The Face com Gisele Bündchen. Seus milhares de fãs acham que você colocou a ubermodel no chinelo. Você só quer mudar de ares. Vai a Paris viver uma paixão, frila para uma gravadora bacana, faz uma pós em business de música em Londres, trabalha no recém-lançado iTunes. Do Brasil, vem um convite irrecusável para ser apresentadora do Fashion TV. Você vira sócia de duas amigas numa loja batizada, sem ironia, de Super Cool Market. E logo engata um namoro com um carioca, diretor da Globo que vive no Rio. Você volta às páginas desta revista, agora como Trip Girl, fotografada por J. R. Duran e entrevistada pelo cineasta Heitor Dhalia. Você encarna a mulher ideal: sofisticada, esperta, discretamente sexy, supercool. É como diz a letra da canção do Radiohead: you’re so fucking special. Você é perfeita. As pessoas acreditam. Você não.

Você perde o pai para um câncer quando tem 11 anos. Você se revolta, pede pra sair do colégio conservador. Os garotos não dão muita bola para a loira magrela, preferem a morena mignon ali do lado, um tipo mais brasileiro. Desde cedo, você precisa se virar para juntar grana e vai trabalhar em uma fábrica de jeans no interior do Rio Grande do Sul. De lá, cai direto na MTV e conhece as delícias, mas também as dores, da fama. Alguns de seus fãs partem para o assédio grosseiro. Enquanto seus amigos em volta batem uma macarronada, você bica uma salada para não se achar gorda no vídeo. E, de repente, vem o aviso de que seu contrato não será renovado. Você não sonhou com aquele emprego, mas sente que tiraram o chão debaixo de seus pés. Você escapa para a França e depois para a Inglaterra, trabalha em funções muito distantes do glamour de VJ, conta o dinheiro para ver alguns shows. Aí recebe um convite da TV e volta ao Brasil. Seus planos para a loja não saem como o sonhado. Você é ansiosa, não sabe esperar. Faz terapia, quer entender. I wish I was special. Você é geminiana, está sempre dividida em duas. Gosta de que a achem bonita, mas não que a vejam como um símbolo sexual. Não entende por que as pessoas são tão obcecadas pelo sexo – que você vê como algo simples, aconchegante, um complemento natural do amor. Aceita fazer um ensaio sensual para a Trip. Você é pragmática, batalhadora, acha que vai ser bom para este momento de sua carreira.Você olha para a lente, e a foto a registra completa: menina, madura, poderosa, vulnerável, deslumbrante, imperfeita. Por um instante, você é real. (Ricardo Calil)

PASSAPORTE HÚNGARO

(UMA FALSA ENTREVISTA COM CARLA ANGYALOSSY LAMARCA)

Em Nova York, estou sentado frente a frente com Carla Lamarca para esta falsa entrevista. Claro que ela não está aqui de verdade, mas isso é um detalhe. Vamos às perguntas.

Quando você nasceu?
Às 7h10 de 9 de junho de 1982, em São Paulo. Sempre tive pressa, como você pode ver.

Você tem irmãos?
Não, sou filha única. Fui muito mimada. Bonecas, apartamento na praia, meu pai fez tudo o que podia para me estragar. [Risos.]

E conseguiu?
Não. Eu tinha muitos primos, isso me manteve com os pés no chão. Não poderia virar patricinha com o sobrenome Angyalossy.

Qual é a origem dele?
Húngaro. E essa origem começou a aparecer cedo na minha vida, junto com meus cabelos loiros. Visitei a Alemanha na infância e voltei com o cabelo laranja.

O que mais tinha mudado?
Pouco tempo depois, meu pai morreu. Foi um divisor de águas. Amadureci muito. Tive que encarar a vida.

E depois?
Sou geminiana. Não sabia o que fazer. Entrei em publicidade. Dizem que é a melhor maneira de ganhar dinheiro, fora a máfia.

E como você chegou à MTV?
Eu trabalhava com moda e me chamaram para um teste. Foi maravilhoso entrevistar minhas bandas preferidas e receber por isso.

Aí, o seu lado geminiano mandou você fazer as malas de novo…
É verdade. Pus meu passaporte húngaro em ação. Morei em Paris, depois mudei para Londres, fiz pós em bussiness and management e consegui um emprego no iTunes.

E nos fins de semana o passaporte húngaro entrava em ação…
Viajei pela Europa inteira. E, às vezes, as pessoas falavam comigo em húngaro ou alemão. [Risos.] Com esse cabelo e esse passaporte, como eu poderia ser brasileira?

Por que você voltou ao Brasil?
A vida estava boa na Inglaterra, mas eu senti a tal “saudade de casa”. Aí, recebi o convite para ser apresentadora do Fashion TV. Não pensei muito, eu sabia que já era hora de voltar.

Quais são os seus planos para o futuro?
Aprender uma língua nova, assistir a um festival de música por ano e talvez experimentar novas praias na TV.

Como virar atriz, por exemplo?
É uma possibilidade.

Você está solteira?
Desculpa, não falo da minha vida pessoal em falsas entrevistas.

(Heitor Dhalia)

Coordenação Geral Adriana Verani Produção Flavia Fraccaroli Estilo Sator Endo Make & Hair Eliézer Lopes (CAPA/, mgt) Créditos de Moda UN.I, Jogê, Trifil, Verve, Ágatha, MCL por Ruth Dabah, Juisi by Licquor

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