por Luiz Filipe Tavares

O quadrinista por trás da acidez corrosiva do blog Dinâmica de Bruto: ’Meu maior inimigo é o clichê’

"Bruno Maron é o terror", escreveu o cartunista Allan Sieber em seu blog, sobre o carioca de 34 anos, autor do ácido Dinâmica de Bruto. Já na visão do próprio, a análise é naturalmente mais cruel: "Dinâmica de Bruto é uma tentativa pretensiosa de denunciar a 'apatia dos homens', mas sinceramente, o desenhista do blog é uma pessoa apática, mimada e totalmente enredada pelo contexto classe-média-amedrontada. Só me mobilizo mesmo quando cai o sinal da NET".

Seus quadrinhos são ataques direto no queixo do status quo e da classe média. As tiradas são extremamente cáusticas, na escola do humor da HQ brasileira dos anos 80. "Sou fascinado por essa fase dos anos 80; na mesma época em que eu lia quadrinhos de criança, como os do Maurício de Souza, acabei tendo contato com os quadrinhos do Angeli, do Laerte e do Glauco. E isso foi muito estranho, um tipo de choque mesmo, por eu ter acessado aquilo ainda muito jovem", contou Bruno na entrevista que você lê abaixo.

Trip - Quanto tempo já tem o Dinâmica de Bruto? 
Bruno Maron - Tudo começou por volta de 2009. Foi quando eu comecei a tomar coragem para mostrar meu trabalho. Esse momento em que você decide mostrar o que você faz é um momento muito difícil. Pelo menos foi pra mim. Em 2010 eu já estava totalmente decidido a fazer quadrinhos e mostrá-los para as pessoas. O legal foi que de cara eu mandei uma tirinha para o Allan Sieber e achei que ele nem ia ver. Aí na semana seguinte ele foi lá e me linkou no blog dele, o que eu considerei uma bela chancela. Quando ele fez isso eu vi que muita gente comentou e fiquei maluco. Foi aí que eu vi que poderia construir um público. Afinal, tem público pra tudo hoje em dia [gargalhadas].

Quando você começou a desenhar e se interessar por quadrinhos?
Eu comecei a desenhar mesmo desde que eu nasci. Desde que eu consigo me lembrar, pelo menos. Sempre gostei de desenhar. E também foi muito cedo que comecei a me interessar por quadrinhos. Foi engraçado porque na mesma época em que eu lia quadrinhos de criança, como os do Maurício de Souza, acabei tendo contato com os quadrinhos do Angeli, do Laerte e do Glauco. E isso foi muito estranho, um tipo de choque mesmo, por eu ter acessado aquilo ainda muito jovem. Eu não conseguia entender tudo. Mas ao mesmo tempo aquilo me cativou a ponto de eu realmente começar a gostar.

A essa altura a semente já estava plantada...
Exatamente. Depois fui gostando cada vez mais desses caras. Eu gostava muito do Fernando Gonsales e até do Adão Iturrusgarai, que chegou um pouco depois mas que ainda se confunde com essa época. Então sou fascinado por essa fase dos anos 80, especialmente porque lidava muito com a questão da sexualidade. Como garoto, ter contato com isso foi muito empolgante. Gosto muito desse trio Laerte, Angeli e Glauco, como gosto do trio atual que é o André Dahmer, o Arnaldo Branco e o Allan Sieber.

O que mais te inspira a desenhar hoje? Acompanha o noticiário? 
Procuro a maior abrangência de assuntos possível. Mas eu confesso ser um cara muito mais da realidade do que da fantasia. Estou sempre acompanhando a grande mídia e a mídia alternativa. E é engraçado. Por si só essas informações conflitantes na mídia já são uma forma de humor. Essa contradição traz um material farto [risos].

Ainda mais agora em que existem os "especialistas em todos os assuntos"...
Justamente. Acho incrível como agora todo mundo se sente solicitado a dar opinião sobre tudo. As pessoas falam sobre qualquer coisa. Todo mundo perdendo as melhores chances de ficar calado. E é difícil, porque se você não dá opinião sobre tudo parece que o idiota é você [risos]. Tempos de ditadura da opinião...

"Acho incrível como agora todo mundo se sente solicitado a dar opinião sobre tudo. As pessoas falam sobre qualquer coisa. Todo mundo perdendo as melhores chances de ficar calado"

Você trabalha na base da porrada. As tiras tendem a ser densas e pesadas, sempre com muita acidez envolvida. Você se sente refém de todos os problemas que você aponta? Você sofre com as coisas que você denuncia?
Eu não sou uma pessoa deprimida. Mas o fato é que ao observar os problemas de um lugar, mesmo que eles não tenham um impacto direto em você, te afeta de um jeito ou de outro. Eu gosto de lidar com questões como a ansiedade, que é algo universal e que todo mundo sente, por exemplo. Esse é um caso de uma coisa que eu sinto na pele e que realmente me afeta. Quase me mata [risos]. Mas eu também falo de miséria, de pobreza. Eu sempre fui de classe média. Nunca passei fome. Mas o fato de ser da classe média também gera neuroses específicas. O cara da classe média não pega no pesado e não sente a carne doendo. Ali rola um distanciamento e um preconceito em relação ao trabalho braçal e é isso que mais distancia a as classes médias e altas das classes ditas baixas. Isso passa uma sensação de fragilidade muito grande. Não existe um problema que não te atinja em nenhuma camada.

Como é ser de uma cidade como o Rio de Janeiro, onde as pessoas têm esse ar otimista e que há um panorama bem particular do encontro de pobreza e riqueza que acontece como em nenhum outro lugar? Como isso influencia no seu trabalho?
Essa coisa do Rio me chateia bastante. Me mudei para São Paulo há um ano porque eu já estava muito de saco cheio da mentalidade predominante do carioca. Já começa com essa coisa de que "o Rio é a Zona Sul". A Zona Sul comporta 5% do território do Rio de Janeiro e no entanto as pessoas ignoram todo o universo que existe fora dalí. Existe esse "zona-sul-centrismo" [risos]. Isso é horrível, é a coisa mais elitista que existe.

E essa mentalidade zona sul é forçada no resto da cidade...
Eu vejo assim: é um absurdo quem mora no Leblon, os xiitas do Leblon, terem preconceito com quem é de Laranjeiras. Do mesmo jeito que é absurdo o cara das Laranjeiras ter preconceito com quem é da Tijuca e assim por diante. E toda essa festividade de Copa e Olimpíadas no Rio é uma grande balela. Isso vai enriquecer pouca gente e vai deixar a cidade na mão. Por isso eu concordo com o que Marcelo Freixo fala sobre isso. Não sei qual o plano dele para melhorar essa questão, mas a observação que ele faz é altamente pertinente. Estão transformando o Rio de Janeiro em um playground pra milionário e o pessoal está achando legal, porque quem tem dinheiro pra entrar no show tá gostando.

"Não sou uma pessoa deprimida. Mas ao observar os problemas de um lugar, mesmo que eles não tenham um impacto direto em você, te afeta de um jeito ou de outro. Eu gosto de lidar com questões como a ansiedade, que é algo universal e que todo mundo sente. Esse é um caso de uma coisa que eu sinto na pele e que realmente me afeta. Quase me mata [risos].

O que te motivou a começar a publicar na Internet?
Eu não vejo uma forma melhor de divulgar o seu trabalho do que a internet. É fácil demais. Eu desenho, escaneio e publico a qualquer hora, sabendo que tem um bilhão de pessoas que podem ver o desenho na mesma hora. Fora que tem um milhão de ferramentas de divulgação. Penso que é muito estranho uma pessoa investir em um formato de disseminação do trabalho que não seja a internet, especialmente para quem está começando. Hoje, o livro e qualquer outro suporte físico são consequências de um trabalho inicial na internet.

E como foi a adaptação à nova mídia quando passou a desenhar para o "Folhateen", em março deste ano?
No começo foi bem difícil, mais por causa do tamanho específico de cada tira do que qualquer outra coisa. Quando o quadrinho é pro blog eu não gosto de me preocupar com o número de quadros ou a quantidade de texto. Meu trabalho ali é o caos absoluto [risos]. Desenhando para a Folha eu tenho que me policiar com o espaço e pensar o trabalho para esse formato.

Ali rola uma preocupação extra com os temas, especialmente por ser uma publicação para adolescentes? Existe uma cartilha ou alguma espécie de censura?
A censura que existe ali é interna, é minha. Já entendi como são os quadrinhos da Folha. Eu sei que esse espaço específico do "Folhateen" é um lugar onde não dá para perder a linha. Se é direcionado para adolescentes eu acho que é legal tomar um certo cuidado para não ser extremamente cáustico ou muito erudito. Me preocupo em transmitir uma mensagem que tenha um valor, que não seja muito branda ou chapa branca, mas ao mesmo tempo não sinto a necessidade de ser extremamente contundente o tempo todo. Até porque no meu blog tenho liberdade total. Não quero ser corrosivo em tudo que eu faço, gosto de passear.

"Meu maior inimigo é o clichê. (...) O que eu quero é apresentar o meu ponto de vista, que aliás é completamente discutível [risos]. Duvido seriamente de todas as minhas convicções."

Do que você tenta se distanciar quando desenha?
Meu maior inimigo é o clichê. O que eu mais quero é destruir clichês. Não quero fazer nada esquemático, apelativo ou com mecanismos humorísticos que todo mundo usa, que estão desgastados e completamente erodidos. Certos tipos de ironia, de exagero e de trocadilhos infames de pastelão. Também tento me distanciar dessa coisa panfletária, militante... Acho tudo isso detestável. O que eu quero é apresentar o meu ponto de vista, que aliás é completamente discutível [risos]. Duvido seriamente de todas as minhas convicções.

Lembro que uma vez vi alguém fazendo uma piada na internet dizendo que o Ed Motta tinha cara de quem diz: "Gibi não! É Graphic Novel!". Como você vê essa pressão pelo reconhecimento da HQ como forma de arte bem estabelecida?
Essa glamourização da graphic novel é uma enorme besteira. Acho um saco esse complexo de vira-lata que existe no mundo dos quadrinhos. É triste toda essa humildade, de gente boa implorando pro mundo e pro mainstream abarcarem o quadrinho como arte. Isso não existe! Se você é quadrinista e ama o quadrinho, seu trabalho é sua arte e ponto final. Não vou ficar esperando uma autorização, não tem essa. E dane-se o que estão falando.

Se não fosse cartunista, o que faria da vida?
Cara, eu me pergunto isso todo dia. Quero fugir dessa parada [risos]. Eu me vejo um pouco como músico frustrado. Mas se não fosse cartunista eu acho que seria astrônomo, ou geógrafo, de repente algo assim e que não tem muito a ver com o que eu faço.

Pô, então ganhar dinheiro não é com você né? 
[rindo] É verdade, esse negócio de dinheiro nunca foi pra mim. O dinheiro me odeia [risos]. Tanto é que eu adoro criticar isso. Acho que é uma espécie de ressentimento material.


Vai lá: http://dinamicadebruto.interbarney.com

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