Lemos: ”Está na hora de aplicar uma ducha fria na ideia do país como superpotência”
Está na hora de aplicar uma ducha fria na ideia do país como superpotência, aproveitar o momento para refletir sobre uma transformação do nosso modo de vida e fugir do tipo de desenvolvimento que leva à obesidade
Autoestima é essencial. Por tempo demais vivemos com um penoso complexo de viralata e a ideia de que “o Brasil não é um país sério”. Com o salto dos últimos anos, muita gente voltou a acreditar no país. E, como qualquer economista sabe, essa crença em si é capaz de gerar prosperidade. Traz empreendedorismo, confiança e estabilidade.
Mas excesso de autoestima também faz mal. Vira uma força paralisante. Começam a surgir momentos de delírio coletivo em que o Brasil figura como superpotência, líder global. Em outras palavras, parece que já está tudo certo e não precisamos fazer mais nada, já que estamos predestinados ao sucesso.
Essa ilusão é perigosa e vem sendo alimentada das mais diversas formas. Quando o país tornou-se a sexta economia do mundo, ultrapassando a Inglaterra (a fonte é um estudo do CEBR, Center for Economics and Business Research), a maioria das notícias simplesmente omitiu a segunda parte da pesquisa. O estudo diz que em 2020 o Brasil continuará na mesmíssima posição. E mais: vai ser ultrapassado pela Índia e pela Rússia, ficando na lanterna no Brics.
A projeção faz sentido. É só olhar as principais exportações do país: matériasprimas como ferro, soja, açúcar, petróleo e café. Se por um lado faz sentido aproveitar vantagens comparativas, por outro a lista aponta na direção do século 19. É um modelo que gera dependência enorme da China. E pior: não há sinais de que o bom momento econômico esteja sendo aproveitado para repensar o modelo de desenvolvimento do país, ampliando a competitividade de outras áreas e fomentando atividades de maior valor agregado e inovação (inclusive tecnológica). Por ora, estamos apenas curtindo a onda. E isso costuma terminar mal. Basta perguntar aos nossos vizinhos argentinos, que estiveram em situação parecida no começo do século 20.
Petróleo é maldição
Para ser superpotência é preciso um conjunto institucional complexo. O poder dos Estados Unidos e da Europa emana de instituições muito mais amplas do que se supõe lendo o noticiário sobre a crise atual: universidades, infraestrutura, capacidade de inovação, desburocratização. São áreas que carecem de investimentos e de uma visão mais estratégica por aqui. Apostar que o pré-sal em si serve de garantia de desenvolvimento é um erro. Petróleo é também maldição: pode trazer dependência, perda de competitividade, desindustrialização e corrupção.
Está na hora de aplicar uma ducha fria na ideia do “Brasil potência”. Este é o momento em que o país mais precisa de um salto no seu modelo de desenvolvimento, não se acomodar e incluir na sua pauta transformações econômicas e de modos de vida, igualmente essenciais. Fugir da ideia do desenvolvimento que leva à obesidade. Aí sim abriremos caminho para liderar.
*Ronaldo Lemos, 34, é diretor do Centro de Tecnologia da FGV-RJ e fundador do site www.overmundo.com.br. Seu e-mail é rlemos@trip.com.br