por Sergio Crusco
Trip #226

Quem são as celebridades mais queridas (e bem pagas) da publicidade hoje? E por que ainda caímos nessa fórmula?

Talvez tenha acontecido com você. Ao escolher a chuleta para o churrasco de domingo, olhou sorrateiramente para os lados desconfiando de que Tony Ramos apareceria a qualquer momento no supermercado para lançar a pergunta: “É Friboi?”. Mais do que os internautas que compartilharam dezenas de memes – do fofo ao macabro – inspirados no bordão, quem sorri são os acionistas do grupo JBS, detentor da marca Friboi. As vendas subiram 20% desde que os filmes com o ator começaram a ir ao ar em junho deste ano, gerando lucro de R$ 300 milhões para a empresa.

A busca era por um porta-voz que conferisse credibilidade ao produto e fizesse o consumidor incorporar um novo hábito: pedir um corte de carne pela marca. Na pesquisa pelo nome ideal feita pela agência Lew’Lara\TBWA, criadora da campanha, surgiram personalidades como Regina Duarte e Ana Maria Braga. Tony venceu disparado. “Ele não faz muita propaganda, inspira confiança, nunca cedeu ao glamour da indústria de celebridades, tem uma vida estável, é casado há anos com a mesma mulher e quem o conhece sabe que não vai dar seu nome a um produto duvidoso”, diz Márcio Oliveira, presidente da agência.

Não é novidade ver gente famosa ajudando a vender papel higiênico, sabonete, cereal ou iogurte. Mas parecemos viver uma inflação de rostos conhecidos nas mais diversas frentes – um fenômeno mundial. As razões ficam evidentes em pesquisas como a Persona, elaborada desde 2011 pelo escritório de consultoria em marketing Ilumeo. Ela aponta que o consumidor se dispõe a pagar até 19% a mais por produtos e serviços anunciados por celebridades e que as campanhas que pegam carona em sua fama costumam resultar em um acréscimo de 15% no recall – a lembrança da marca após a veiculação dos anúncios.

Uma pergunta que não cala é: por quê? Faz sentido que, em um mundo cada vez mais bem informado – e, em certa medida, mais crítico –, as celebridades ainda tenham tamanho poder de influenciar o nosso consumo? O que nos faz preferir a pasta de dentes anunciada por um pop star? Uma das pistas trazidas pelo historiador britânico Fred Inglis, professor de estudos culturais da Universidade de Sheffield, em Breve história da celebridade (Versal Editores, 2012), aponta sentimentos tão prosaicos quanto a inveja. “O glamour é o objeto da inveja em carne e osso”, diz o autor. “A psicose da publicidade é circular e sem trégua: move-se do desejo para a inveja, e desta para a compra, para a decepção, para a raiva ou resignação e de volta para o desejo”, explica.

Em sua obra, Inglis esmiúça a cultura da fama nos últimos 250 anos, traçando o perfil de personalidades como o escritor inglês Lord Byron e a atriz francesa Sarah Bernhardt (que construíram sua imagem mesclando arte, mítica pessoal e mexericos, modelo de celebridade que temos até hoje) e também de esportistas, milionários, astros de cinema, políticos, âncoras de telejornal e ditadores. O autor situa a época de ouro de Hollywood – as décadas de 1930 a 1970 – como o momento em que a notoriedade passa a valer como moeda de troca no mundo da propaganda. “Onde está a celebridade, sempre está o dinheiro.”

 

As vendas da Friboi subiram 20% desde que os filmes com Tony Ramos apareceram na TV

 

Filósofo e doutor em comunicação, José Luiz Aidar Prado, coordenador do Grupo de Pesquisas em Mídia Impressa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, não diria que a celebridade define hábitos de consumo. “Mas é figura central de um grande dispositivo de comunicação voltado à convocação dos consumidores para escolher certos modelos de vida e de busca de sucesso, ligados à carreira, ao êxito pessoal, à saúde e à beleza”, diz ele em entrevista à Trip. Prado ressalta ainda que o capitalismo é mais que um sistema econômico: é um sistema cultural que vende a cada grupo estilos de viver. Daí vem a força da celebridade como exemplo de vida e consumo. “A crítica a esse grande dispositivo é que ele torna visível uma forma de vida concentrada no dinheiro, em modos reduzidos e individualistas de sucesso.”

Está gravado no cérebro de nossas avós: “Nove entre dez estrelas de cinema usam Lux”, marca de sabonetes que estampou Marlene Dietrich, Elizabeth Taylor, Sophia Loren e a mais fulgurante de todas, Marilyn Monroe, em sua série histórica de anúncios. Assim como uma das frases mais famosas de Marilyn – “Uso apenas duas gotas de Chanel nº 5 para dormir” – ecoa até hoje na mente da consumidora que se imagina nua, loura e pecaminosa entre lençóis. Com essa declaração, a atriz pode ser considerada precursora da “tuitada patrocinada” bem-sucedida.

O especialista em marketing Terence A. Shimp, professor da americana Darla Moore School of Business, desenvolveu um modelo teórico para analisar a eficácia de uma celebridade nas decisões de compra do consumidor, largamente utilizado por empresas. São cinco pontos básicos ponderados: credibilidade (confio no que ele faz), conhecimento (ele só fala do que realmente entende), poder de atração (ele chama a atenção para o que vende), respeito (tenho consideração por suas opiniões) e similaridade (me identifico com ele).

Na pesquisa Celebridades, Marcas e Consumo, publicada pela editora Abril em 2012, o padrão de Shimp foi usado como base para a análise de 50 famosos brasileiros. O público consultado, exclusivamente feminino, apontou o poder de atração e o respeito como atributos mais recorrentes, numa lista encabeçada por Luciano Huck, Ivete Sangalo, Tony Ramos, Reynaldo Gianecchini, Glória Pires, Xuxa e Silvio Santos. Trinta e cinco por cento das entrevistadas se declararam “seguidoras” das celebridades, disseram que “amam e confiam nelas” e pretendem “não ter sua confiança traída”.

O que os garotos propagandas têm?
Bons moços Reynaldo Gianecchini personifica o sujeito confiável e batalhador. A campanha do Banco do Brasil feita na época do tratamento contra o câncer reforçou a imagem de coragem e luta.
Descoladas Sabrina Sato, Cleo Pires, Grazi Massafera e Juliana Paes lançam moda e tendências. Mesclam sensualidade e beleza com uma imagem positiva para ambos os sexos.
Populares Funkeiros como Naldo e Anitta têm apelo jovem e popular. Ele dança no festival de ofertas do supermercado e ela aparece sensual em propaganda de camisinhas.
Humoristas Fábio Porchat, Lúcio Mauro Filho, Gregório Duvivier e Bruno Mazzeo estrelam um sem-número de campanhas: biscoitos, etanol, refrigerantes, telefonia celular. Há quem critique os humoristas por falta de critério, mas são nomes que vendem.
Reabilitado Fábio Assunção é exemplo de celebridade que levantou, sacudiu a poeira e teve a credibilidade recuperada. No auge do envolvimento com drogas, a Nextel manteve seu passe e direcionou a campanha com base na sua história de superação.
Fênomeno Ronaldo não perde a majestade mesmo depois de escândalos sexuais e piadas sobre sua forma física. “Está no nível dos ídolos como Pelé”, diz Fábio Wajngarten, da Controle da Concorrência.
Musa Gisele Bündchen é garantia de audiência em qualquer campanha. Camila Pitanga, segundo Edson Giusti, é a mais perfeita tradução da classe C: “É a nova brasileira, bonita, elegante e com credibilidade”.

 

A clareza e a qualidade da mensagem, aliadas à imagem que o famoso transmite (e, para usar o jargão publicitário, aos atributos alinhados aos da marca) é que farão a palha de aço vender como pipoca na porta do circo. É o que o publicitário e cientista social Diego Senise, sócio da Ilumeo, chama de “congruência”. Seu escritório faz um acompanhamento semestral de mais de cem nomes da TV, da música e do esporte, monitorados a partir de entrevistas com 10 mil pessoas em dez estados para identificar atributos vendedores em nosso star system. Num resultado divulgado em 2011 (a empresa não revela dados mais recentes), Tony Ramos e Bernardinho figuravam entre os mais confiáveis. Camila Pitanga também aparecia nessa lista e em outra, a das “modernas”, com Sabrina Sato e Cleo Pires. Deborah Secco e Juliana Paes entravam no rol das “sedutoras”.

 

Raí conseguiu driblar o campo minado da superexposição. Optou por poucos e bons contratos

 

Se um anunciante acerta na escolha do porta-voz para o seu produto, a resposta chega em cifrões. “Contra números não há argumentos”, diz o consultor Edson Giusti, diretor da empresa de gestão de imagem Giusti Comunicação. Mas adverte que é comum notar, tanto por parte de marcas como de celebridades, o comportamento que classifica como “histérico”: anunciantes aproveitam-se de famosos emergentes sem o lastro de uma carreira sólida para tentar vender mais, e famosos de ocasião surfam nos minutos de fama para estrelar uma baciada de campanhas. O recomendável, afirma, é ser cuidadoso e construir uma imagem a longo prazo. “Wagner Moura é um exemplo. Escolhe as campanhas que faz com o mesmo cuidado que elege bons papéis. Os artistas precisam pensar da mesma maneira que uma marca respeitada, pois marcas e pessoas buscam, mais do que nunca, um significado”, diz.

Raí, um dos nomes que mais apareceram na publicidade brasileira ao longo de 2013, segundo estatística da empresa Controle da Concorrência (veja quadro), preocupou-se em driblar o campo minado da superexposição. Quando encerrou a carreira no esporte, em 2000, surgiram propostas para que associasse sua imagem a uma miríade de produtos e eventos. Seguiu o caminho da sensatez, montando um escritório para cuidar de seus projetos e unindo-se a Paulo Velasco, formado em administração de empresas. Abrindo mão da tentação do contrato fácil, optou por escolher poucos e bons. A filosofia da empresa Raí+Velasco (que também administra as imagens do ex-goleiro Zetti e da jogadora de basquete Magic Paula) mostrou-se eficaz: hoje um contrato publicitário do ex-jogador é negociado por valores dez vezes maiores do que quando sua estrela brilhava no São Paulo ou no Paris Saint-Germain.

“Aconselhamos nossos artistas a selecionar com cuidado os convites, mas a palavra final é sempre deles”, diz Mariana Lobo, diretora da agência de talentos carioca Twogether, que tem Bruno Gagliasso, Cleo Pires e Luana Piovani entre seus clientes. Ela conta que, por causa do sucesso da série De pernas pro ar, a atriz Ingrid Guimarães recebeu propostas de anunciar toda sorte de implementos sexuais, incluindo calcinhas comestíveis. “Concordamos que não valia a pena vincular sua imagem a esse tipo de produto, apesar de ter tudo a ver com sua personagem no cinema.”

Certas marcas, entretanto, estão na lista que toda celebridade gostaria de chamar de sua. A Havaianas é um dos exemplos mais notáveis. “Por meio dos agentes, recebemos inúmeras sugestões de artistas para participar dos nossos filmes”, diz Rui Porto, consultor de comunicação e mídia da Alpargatas. A escolha de quem terá esse privilégio (os agentes reconhecem que um filme de Havaianas é capaz de dar um up na carreira de qualquer famoso) nunca parte de um nome, mas de um roteiro. “A estrela da campanha é sempre a marca. Depois é feita a pesquisa e definimos quem combina com cada situação. Raramente ouvimos um não”, explica Porto.

Desde os anos 90, quando as sandálias de borracha passaram por repaginação de cor, estilo e conceito, deixando de ser “chinelo de pobre” para se transformar em acessório fashion, até o mês passado, foram produzidos 201 filmes, todos com famosos (sem contar as campanhas estreladas por Chico Anysio e sua turma nos anos 70). As historinhas, que colocam o famoso em alguma roubada, são vividas por gente que, segundo Porto, personaliza irreverência e descontração. “Desmistificamos a celebridade.”

Em tempos de redes sociais, anunciantes e agências podem monitorar o tempo todo o comportamento das celebridades, e aferem seu poder de fazer amigos e influenciar pessoas. Mandar bem no Twitter, no Facebook ou no Instagram também norteia a escolha de um famoso para uma campanha hoje. A agente Fernanda Ribas, da FR Produções, que cuida da carreira de artistas como Vladimir Brichta, Alexandre Borges e Clarice Falcão, reconhece que um bom desempenho nas redes pode ajudar a gerar mais lucros. “Alguns clientes solicitam esses dados porque é mídia imediata. Em muitos casos, os contratos estabelecem que a marca seja citada pelos próprios artistas em seus posts.”

 

Anunciantes e agências monitoram as celebridades nas redes sociais para ver seu poder de fogo

 

Pesquisas qualitativas também verificam a influência de celebridades sobre o pensamento do consumidor e do cidadão. Um estudo da Ilumeo perguntou aos entrevistados de que personalidades gostariam de ouvir opiniões sobre a recente onda de manifestações no país. Atrás de Lula e Dilma, Silvio Santos aparece em terceiro lugar. Jô Soares, Xuxa, William Bonner, Neymar, Pedro Bial, FHC, Marília Gabriela, Luciano Huck e Ratinho foram outros muito citados. Uma das principais justificativas apontadas pelo público na pesquisa foi: “Eles trariam pontos de vista diferentes para ajudar a formar minha opinião”.

Não se sabe o que Silvio Santos poderia dizer que trouxesse alguma luz às questões complexas que a sociedade como um todo está discutindo. Mas a pesquisa é um sinal de que, mesmo em um mundo em ebulição, que vai às ruas para reivindicar seus direitos, a opinião de uma figura famosa será sempre considerada. E, em muitos casos – como parece ser o de Tony Ramos ou do próprio Silvio –, tal celebridade será vista como acima do bem e do mal. E isso vende.

CAMPEÕES DE AUDIÊNCIA*
As celebridades que mais apareceram em publicidade na TV aberta de 1o de janeiro a 15 de setembro de 2013
RankingFamosoInserções
Reynaldo Gianecchini 7.294
Gisele Bündchen 4.774
Neymar 4.513
4º Ronaldo Fenômeno 4.257
5º Regina Casé 3.837
6º Patricia Abravanel 3.508
7º Bruno de Luca 3.051
Claudia Leitte 2.540
9º Raí 2.217
Beyoncé 2.217
10º Adriane Galisteu 2.153

 *Fonte: Controle da Concorrência

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