Autodidata e Preconceito

por Luiz Alberto Mendes


Autodidata e Preconceitos

 

Sou autodidata. Houve épocas que fiquei muito puto da vida por ser obrigado a estudar e aprender sozinho. Mas hoje, após assistir aula/palestra do educador Sócrates Magno Torres, agradeço sinceramente a oportunidade. À minha época, na Penitenciária do Estado de São Paulo, a parte que me interessava aprender da escola, só tinha aulas no período noturno. E, como eu era considerado um preso "perigoso" (estava condenado a mais de 100 anos de prisão), não me permitiam estudar à noite. Temiam uma tentativa de fuga, já que à noite a vigilância era menor. Não frequentei aulas, apenas ao fim do ano eu fazia os exames supletivos. Não fui formado dentro de uma eficiência escolar. Aprendi sozinho, com os livros e de uma maneira um tanto quanto diferente da maioria das pessoas. Desenvolvi meu próprio modo de aprendizado. Não assimilei ou absorvi. Dei-me liberdade de questionar tudo. Quis saber mais do que os livros me ensinavam. Mesmo sem ainda conhecer filosofia, alguém; não lembro quem, me passou um pensamento que me faz refletir até hoje, cerca de 40 anos depois. É de Marcuse: "Não aceite nada que lhe for dado. Questione sempre." Anos depois, já mais familiarizado com a matéria, fui aprofundar isso com Poppe. Ao invés de procurar verdades, ele procurava fragilidades e mentiras nas "verdades" aceitas.

Por conta disso, nunca engoli bem preconceitos, discriminação, racismos, diferenciações e, com o tempo, fui me livrando desses vícios culturais. A prisão me ajudou muito nesse sentido. Porque o fato de estar preso, colocou o mundo contra mim, pude enxergar os demais preconceitos e discriminações: contra a mulher, contra o homem de cor, contra o homossexual, contra a pobreza, contra a falta de cultura e demais lixos produzidos pela cultura humana.

Dentro da prisão não há preconceitos raciais, misturamos nossos suores e odores em celas superlotadas, mas, ainda assim, há outros preconceitos arraigados no meio carcerário. Um deles é que valemos o que temos. Caso tenhamos familiares que nos visitem e nos abasteçam de nossas necessidades, somos alguém. Vistos e destacados. Mas se só deixamos as vítimas para trás e não temos ninguém por nós, estamos perdidos. Caso o preso for homossexual então, é um deus nos acuda! Um desespero. O preconceito é altamente humilhante, fere à dignidade das pessoas. Pratos, colheres, copos e utensílios de alimentação são separados dos demais companheiros de xadrez. Ou as pessoas com orientação sexual diferenciada são apartadas da comunidade prisional e só podem morar entre eles em xadrez separado.

Foi fácil sentir compaixão por aqueles que não tinham ninguém que os procurasse do lado de fora e viviam de favores humilhantes dos outros. Tentei ajudar o quanto pude e dividir o pouco que possuía. Sempre trabalhei no tempo preso e tive muitos amigos do lado de fora da prisão. Eu me correspondia por cartas com pessoas no país inteiro e até no estrangeiro. Minha mãe, enquanto pode, sempre me apoiou e jamais deixou em falta. Confesso que quando cheguei ainda estava impregnado pelo preconceito contra os homossexuais. Era norma discriminá-los à época de minha juventude. A homofobia era normalíssima, até recomendada de pai para filho. Mas aos poucos o convívio, a curiosidade, foi me dando condições de diálogo e não me demorei a entendê-los e valorizá-los. O preconceito era tamanho que eu sofri discriminação por não ter preconceito, por conversar e ser amigo deles. Os livros me ensinaram a enxergar de outra maneira, questionar costumes e práticas sociais. Eu os respeitava inteiramente.

Hoje, quando entro nas prisões, já agora para tentar levar alguma coisa boa aos amigos presos, mostro a eles cruamente, o imenso preconceito que serão vítimas ao saírem aqui fora. Busco prepará-los para que tenham músculos emocionais e racionais para enfrentar tais discriminações e não serem destruídos por elas. Mas cobro: peço que revejam os preconceitos com os quais vitimizam os companheiros que são diferentes ou menos favorecidos que eles na prisão.

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Luiz Mendes

21/09/2015.      

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