Para cada páreo ganho pelo jóquei brasileiro Jorge Ricardo no caminho para o recorde mundial de vitórias, o alpinista neozelandês Edmund Hillary caminhou 88,5 cm rumo ao topo do Everest
POR J.R. DURAN*
Li um dia desses, em uma tarde de verão e na mesma página do jornal, duas notícias. Uma delas contava da morte do primeiro homem a atingir o topo do Everest: Edmund Hillary, neozelandês de nascença, que, por causa da façanha, passou a ter, por decisão da rainha da Inglaterra, acrescentado ao seu nome o título de Sir. Foi o primeiro a poder contar como foi a fria de ter subido e descido um por um, passo a passo, os 8.850 m da montanha que é considerada a mais alta do mundo.
Na mesma página do jornal, em um espaço até maior, ao lado da notícia da morte de Sir Edmund, li também que o jóquei brasileiro Jorge Ricardo tinha alcançado a histórica marca de 10 mil vitórias ao ganhar, em uma noite, cinco provas seguidas no hipódromo de San Siro, em Buenos Aires. Jorge Ricardo tem 46 anos e, no momento em que fez o pescoço da montaria que ele cavalgava cruzar pela quinta vez o fotochart do hipódromo portenho, bateu o recorde mundial de vitórias de um jóquei. É um fato. O segundo colocado nesse ranking (para quem gosta de números e estatísticas) é o canadense Russel Baze, que corre nos Estados Unidos. Jorge Ricardo ganhou, relativamente falando, mais de um páreo para cada metro andado que levou Edmund Hillary ao topo do Everest. Para ser mais exato, 88,5 cm por páreo (se considerarmos que o senhor Hillary teve de descer da montanha para se tornar Sir, a conta vai a 1,77 cm por páreo).
Eu me pergunto: se Jorge Ricardo fosse um súdito da coroa (e, quando digo coroa, me refiro ao império britânico e não à rainha inglesa, porque eu nunca faltaria com o respeito a uma instituição e a uma senhora como essa), ele também receberia o título de Sir Jorge Ricardo.
GUINADA DECISIVA
Para conseguir as duas façanhas se fazem necessárias pelo menos duas qualidades: a obsessão e o preparo físico. Qual das duas exigiu mais desses heróis? No caso do cavaleiro, os páreos são percorridos sentados em um cavalo, o que exige menos esforço físico de um jóquei do que de um alpinista que tem de andar, em um ar rarefeito, em condições brutais, dirão uns. Mas os páreos são mais longos e têm o perigo de uma queda do cavalo, que pode ter, às vezes, conseqüências nefastas, dirão outros. Além do mais, não fica claro quantos páreos o jóquei teve que correr, no total, para bater o recorde.
O escritor americano Raymond Chandler dizia que as pessoas, na vida, passam sempre por um “turning point”, um momento em que tudo dá uma guinada decisiva, em que tudo pode mudar para melhor ou para pior. No caso dos personagens de Chandler, a mudança era sempre para pior, o que permitia a entrada em cena de Philip Marlowe, um dos melhores heróis de ficção, mas isso é uma outra história. O que eu queria dizer é que, por uma obsessão, um homem se torna Sir e vive o resto de sua vida em função desse momento, dessa proeza. Um outro, o jóquei, persegue um ideal e o repete, espantosamente, 10 mil vezes. O caminho para a glória nem sempre é o mais curto, mas, com certeza, nunca é o mais fácil.
*J. R. Duran é fotógrafo e escritor, mas não nega fogo na matemática. Seu e-mail é: studio@jrduran.com.br