As lições e os perigos da montanha

por Gustavo Ziller

Gustavo Ziller, atleta que completa 10 anos de montanhismo em 2024, relata os momentos de um resgate emocionante a mais de 6 mil metros no temível Monte Aconcágua

Lá estava eu na selvagem e impiedosa altitude de 6650 metros no Monte Aconcágua, na Argentina (a montanha mais alta fora da Ásia), onde o ar é tão fino que cada respiração é uma conquista. Era dia 22 de janeiro de 2024, o décimo quarto dia da expedição. “La Cueva”, esse monólito de pedra, erguia-se diante de nós, um colosso insensível às nossas pequenas vidas. 

É nesse ponto crucial que as equipes em ataque ao cume encontram um generoso espaço capaz de acomodar com segurança cerca de 30 pessoas. Ali fazemos a última pausa para nos hidratar, reorganizar e concentrar as energias para as próximas três horas de escalada que nos separam do ponto mais alto do monte — apesar de estarmos a meros 311 metros de lá.

Nessas condições, muitos podem sentir o peso da chamada "doença da altitude". Os sintomas incluem dor de cabeça, cansaço, náusea, irritabilidade e, em casos mais sérios, falta de ar, confusão e até mesmo coma.

Rubens, um guerreiro cujos olhos haviam testemunhado mais do que a maioria dos mortais, agora sentava-se exausto. Pelo canto do olho, percebi conversas sobre a saúde de outro companheiro de nossa expedição e o som de batalhas contra as próprias limitações humanas. E, num murmúrio quase inaudível, a notícia de um montanhista caído, rendido à brutalidade da Canaleta, a última etapa da escalada.

 "Ziller, aqui é o meu limite", me disse Rubens, desistindo. Uma declaração que parecia suspender o tempo. Em 10 segundos frenéticos, o destino de nossa expedição foi reescrito. Gerardo, o guia, o maestro da montanha, aproximou-se de mim e informou que o americano Chris Baker, nosso colega de expedição, também desceria e que a escolha de continuar ou não para o cume do Aconcágua era minha.

Então, respondi prontamente: "Gerardo, vocês seguem, eu desço com Rubens e Chris”. Em seguida, peguei a bandeira que fiz para minha neta Amora, recém-nascida, e entreguei a ele. “Peço apenas uma coisa: tire uma foto de vocês com Amorinha no cume". Nós nos abraçamos e, ali a 6650 metros, nossas lágrimas tocaram as pedras da Cueva.

Jorge, também nosso guia, trouxe outro integrante do grupo que vinha em minha direção e apontou que Jamie, guia UIAGM (certificado pela União Internacional das Associações de Guias de Montanha), nos acompanharia na descida até o Campo 03, chamado Colera. Em seguida, disse: "Gustavo, muito obrigado, amigo, estamos com o rádio ligado, tenham um bom retorno, estamos atentos.” 

Rubens, apesar de ser nosso super-herói desta história, é natural de Belo Horizonte e não tinha experiência prévia em trilhas ou na natureza. Optou em estar ali conosco após participar de um programa interno da empresa onde trabalha, a Pottencial Seguradora — é incrível que uma empresa de seguros tenha reconhecido o montanhismo como um esporte de baixo risco, mas com um alto potencial de transformação, especialmente em termos de caráter. Ele, então, foi eleito pelos seus colegas como o Embaixador de 2023 da empresa e, como prêmio, teve a opção de nos acompanhar nesta Expedição Aconcágua 2024.

A 6650 metros. Lá estávamos nós. Os guias, então, partiram em direção ao cume com o restante da expedição, e eu comecei a descida, cumprindo a promessa que havia feito à mãe e às irmãs de Rubens: "Se ele parar por alguma razão, serei eu a trazê-lo de volta para casa”. 

E assim começou 2024, ao som dos sussurros do vento e sob as lições que apenas a montanha pode ensinar.

*Gustavo Ziller é atleta e apresentador do Canal Off e da Globo Minas. Em 2024, celebra 10 anos de montanhismo, completa 50 anos e comemora 35 anos de relacionamento com sua amada companheira Pati Brandão. Seu lema é "viver intensamente é o que nos cabe!"

Créditos

Imagem principal: Gustavo Ziller

Fotos: Gustavo Ziller (@gziller) / Tratamento de imagens: Marreco Retoucher (@marreco_retoucher)

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