Quantas idades nós temos? Mas, realmente, temos uma idade? A idade cronológica grafada no registro de nascimento me parece a que menos se deve levar em consideração. Se não soubesse a minha idade de nascimento, que idade desejaria ter? Creio que todos nós escolheríamos ser jovens, mas, com a cabeça amadurecida. Como tal pessoa não existe e se existir é exceção e não se raciocina por exceções, isso, evidentemente, não existe. Então voltemos ao solo não tão firme da realidade. Há pensadores que afirmam que a juventude é injusta. Simplesmente porque chegamos a ela sem ter consciência de sua importância e valor. Seguindo esse raciocínio, então a idade madura é cruel. Porque é quando temos consciência e damos pleno valor à já impossível juventude. Talvez o ideal fosse ter todas as idades. Ou ainda acabar com isso de idade e não termos mais idade nenhuma. Porque, de fato, dá para reviver ou até recriar todas as idades que tivemos; elas fazem parte de nós e somos nós. Somos a somatória de tudo o que vivemos desde que nascemos.
É possível me ver e me sentir menino, calção de brim com elástico na cintura, sem camisa e o estilingue pendurado no pescoço, como um colar. As ruas de minha infância; o alcoolismo de meu pai, a passividade e o amor de minha pequena mãe (1,42m de altura); meus amigos e inimigos, as brincadeiras, as guerras de mamona, o futebol no campinho... Depois o adolescente pilhado e acelerado por sua químicas interiores; todas as drogas e alcoóis possíveis; as armas; os carros em velocidade e as loucuras todas que me permiti. A consequente prisão, a tortura, o sofrimento, o terror, as mortes, sangue, sangue, sangue...
Depois as dores do amadurecimento forçado, na marra, enfiado guela adentro pela necessidade de sobreviver. Os livros e as pessoas de fora da prisão que me trouxeram os livros. As cartas que traziam e levavam o carinho e a amizade que não conheci fora da prisão. A dor que se ultrapassou e virou compaixão pelas dores alheias. As grandes mulheres que me ensinaram o amor por elas e pela vida toda. Os filhos que trouxeram para minha vida o sentido de existir que sempre me fez falta. E, por fim, a volta à liberdade e ao mundo para começar tudo novamente... Foi uma grande viagem. Foram cerca de 40 anos: da fuga da casa de meus pais com 11, 12 anos, até os 51 anos de idade quando sai da prisão. Foram muitas idades, algumas até sobrepostas. Às vezes penso ter 100 anos e a maioria das pessoas 5 anos de idade, em termos de percepção da maldade, da malícia e coisas erradas. Detecto a quilômetros uma mentira e sinto na pele quando uma pessoa me será nociva. Estou sempre a umas jogadas na frente, qual jogasse xadrez. Sou um menino em se tratando de amores; jamais pude namorar ou conviver essas amenidades. Vivi perdido sem saber se o que sentia pelas mulheres era amor ou apenas necessidade delas, paixão e desejo. Creio que por vezes consegui sair de mim e sentir as pessoas além de mim. Consegui gostar de gente o suficiente para conviver com elas com prazer. Mas não sei se consegui ou consigo amá-las de fato, embora tudo sempre foi tão intenso que chega até a causar dores físicas. Na verdade, sobraram bem poucas certezas. E, ainda assim, são tão relativas quanto relativo é tudo neste mundo. Creio que é certo pensar que, em amando pessoas, sendo solidários e amigos delas teremos chances de alcançar alguma felicidade com elas. Mas é amando sem esperar retorno, troca ou méritos. É o que queremos para nós e, mesmo por isso, estendemos para os outros. Provavelmente é o que esperamos do que fazemos que nos causa ansiedade e por consequência angústia e dor. Amar porque há sempre esperança da impossível recíproca, mesmo que seja improvável que isso ocorra. Amar porque as decepções se sucederão, tanto de nossa parte como da parte do outro, mas elas nos formarão e nos farão mais capazes de amar. Elas nos ensinarão a tirar pequenas alegrias, delicados prazeres e imprevisíveis detalhes da existência que, ao final hão de nos compensar e satisfazer. Ao fim e ao cabo, em resposta à pergunta inicial, afirmo que desejaria ter a idade que tenho e penso que tenho todas as idades que já tive. A vida não é justa e, exatamente por isso, sabe como nos ensinar a sermos mais justos.
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Luiz Mendes
03/08/2014.