Apocalipse praiano

por Carlos Nader

Como se reage á possibilidade real de um futuro sem praias?

Num futuro próximo, todas as praias desaparecerão? Como é que se reage a uma pergunta assim, quando, diante desta página ex-branca de Word, eu penso num mar azul e límpido, mas é ela, a pergunta, que me aparece boiando, feito uma mensagem na garrafa do meu crânio, emergida inevitávelmente do fundo de alguma fossa das Marianas pessoal? Como é que se reage a uma pergunta assim, quando a vontade é só lembrar do vulcãozinho de areia que uma vez eu fiz com os meus pais no Guarujá, de umas ondas verdesmusgo que eu surfei adolescente numa tarde quase cor de abóbora, com os meus irmãos, em Juqueí, de uma taitiana quase extraterrestre que eu desejei tanto, já adulto e quase adúltero numa praia negra de Moorea, dos litros e litros da água, benta, de coco, que eu bebi com amigos queridos nas barraquinhas do Leblon.

Como é que se reage a uma pergunta assim, quando a gente sabe que ela corresponde não mais a um pesadelo, nem a um delírio de ficção científica, nem mesmo só a uma possibilidade real, mas, bem mais terrível que isso, a uma probabilidade científica, grande demais? Como é que se reage a uma pergunta assim, quando, semana depois de semana, vários estudos respeitáveis se alternam para aumentar o número de metros de água degelada e encurtar o número de décadas, tornando mais próximo ainda, mesmo que eu não venha a fisicamente vivê-lo, o futuro sombrio que apareceu na minha pergunta, no meu mar?

BOIA MURCHA
Como é que se reage a uma pergunta assim? Agarra-se à boia meio murcha dos poucos estudos que não prenunciam a catástrofe? Junta-se às pessoas que primeiro negaram o aquecimento global e agora, como se isso fizesse grande diferença prática, insistem que ele não é causado pelo homem? Imagina-se que uma nova máquina do mundo, mais artificial que a de Drummond, biopsicotecnológica, auto-operacional, tenha entrado em funcionamento no fim de 2008 e instaurado a atual crise econômica para dar uma última chance à sustentabilidade? Relaxa-se e goza-se com a artificialidade das praias do futuro, imaginando-as montadas em shopping centers cafonas e confortáveis, feito aquela pista de esqui na neve em Dubai, ou instaladas direto dentro do cérebro dos banhistas, nos videogames do futuro? Planta-se uma árvore? Entra-se para o Greenpeace? Desespera-se? Ignora-se? Chora-se? Nega-se, como a morte? Aceita-se como parte da vida? Age-se? Veste-se de cidadão consciente, verde, correto, sustentável, fazendo a sua parte, mesmo que a ciência agora pareça estar tendendo a dizer que nem mais “fazer a sua parte” vai adiantar? Bem que eu gostaria, mas sinceramente não consigo entender como é que se reage a uma pergunta assim. E muito menos não consigo entender por que se reage tão pouco.

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