Ao vivo e em cores

O futuro da TV aberta é a participação - presencial ou remota - do espectador

Caro Paulo,

Você está num projeto da RBS, conduzido pela querida Flavia Moraes, com o objetivo de conhecer o que está acontecendo com e no mundo – sem fronteiras – da comunicação. A lista de mais de 60 entrevistados,
além de nós dois, vai de Jorge Furtado, Marcelo Tas e Luiz Felipe Pondé a Vint Cerf, do Google, Rob Nail, da Singularity University, Robert Darnton, da Harvard University, e Roy Sekof, do Huffington Post, passando pelo nosso amigo comum Luciano Huck.

Eu tive o privilégio de ver todo o material e agora vou te dizer o que eu aprendi sobre TV aberta nesse projeto. Meu mestre foi o Luciano: simples, direto e genial – aquele jeito de quem sabe o que está fazendo e falando. Ele disse que a TV aberta do futuro será ao vivo com a participação do público. Claro! “Ao vivo” quer dizer que a realidade no tempo real defi ne a natureza de um meio que transmite o fato na hora que ele acontece.

Para os mais jovens que nasceram depois da TV preciso explicar que houve um dia em que as imagens que retratavam a realidade de outro lugar chegavam de avião, impressas em celuloide e dentro de uma caixa redonda de lata. Do aeroporto iam de carro para o laboratório fazer cópias que eram distribuídas para as salas de cinema, para onde as pessoas se deslocavam de carro, de bonde, de ônibus ou a pé, para assistir juntas às imagens das últimas notícias sobre o mundo que tinham chegado cinco dias antes. Isto é, o tempo entre o fato e o conhecimento do fato fazia a diferença entre a nobre arte do cinema e a vulgar indústria da televisão. Por conta disso, o filósofo Merleau-Ponty disse que o fim do tempo diferido e do suporte era também o fim da arte.

A TV trouxe a era do tempo real, do “ao vivo e em cores”, da realidade como ela é, imperfeita, transparente, sem o controle e a interferência que o suporte e o bastidor do tempo diferido permitem. Eu me lembro que, em 1997, quando levantamos os cenários para as reflexões sobre a essência da marca Globo, este era o de maior impacto para o “padrão Globo de qualidade” porque, com um programa ao vivo, não é possível corrigir as imperfeições antes de colocar no ar. Não foi por outra razão que Faustão, Ana Maria Braga, Serginho Groisman e o próprio Luciano Huck começaram a preencher a grade da Vênus platinada e a definir o perfil do profissional confiável para atuar ao vivo em nome da Globo. 

ELEMENTO SURPRESA

A outra característica do futuro da TV aberta na opinião do Luciano, com a qual eu concordo muito, é a participação presencial ou remota do telespectador. Esse é o ingrediente que Merleau-Ponty não tinha na época e que poderia ter mudado sua avaliação do fim da arte. Porque quando a participação do telespectador é levada a sério e tratada com honestidade e talento se introduz um elemento fora do script que pode surpreender e transformar o processo industrial da TV num processo artístico, em que existe uma intenção, uma artesania, mas não o controle total.

Se isso acontecer, a TV terá finalmente revelado sua verdadeira face – cúmplice da realidade imperfeita, surpreendente e emocionante – que foi mascarada pela cultura – alienante e desumanizante – idealizadora
da perfeição. Nesse momento vai fi car claro quem sabe usar a TV para fazer arte e, com isso, ganhar dinheiro e quem só sabe fazer dinheiro e vai achar que a TV aberta não é mais um bom negócio.

Quando assisto ao Luciano, vejo nas entrelinhas de seu programa o futuro de que ele fala. Eu aposto que ele chega lá. É nós.

Abraço do amigo,

Ricardo

*Ricardo Guimarães, 66, é presidente da Thymus Branding. Seu e-mail é ricardoguimaraes@thymus.com.br e seu Twitter é @ricardo_thymus

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