O criador do megasucesso Porta dos Fundos e a arte de ganhar fama, prestígio (e dinheiro) fazendo graça na internet
Antonio Pedro Tabet, publicitário por formação, blogueiro famoso quase por acaso e agora mais conhecido como “um dos caras do Porta dos Fundos”, o programa de humor que sacramentou a noção de que, sim, a televisão do futuro (ao menos até onde podemos vislumbrá-lo) é a internet, talvez nem tenha se dado conta: ele é prova de que John Cleese estava certo.
Cleese, o britânico com meio século de serviços prestados ao humor de alto nível – é um dos fundadores do Monty Python, grupo surgido em 1969 na TV inglesa e reverenciado por gerações de comediantes –, foi quem disse a frase que abre este texto, proferida em uma das inúmeras vezes em que foi consultado sobre “como ser criativo”. Tabet, um carioca de 38 anos que em 1994 entrou no curso de comunicação da UFRJ disposto a se tornar um publicitário de sucesso, desses que vivem em “escritórios branquinhos cheios de pufes” (a definição é dele), entre idas a Cannes e doses de champanhe, descobriu brincando, matando hora no expediente, que o caminho do sucesso estava longe dos leões de metal distribuídos na Riviera Francesa. Estava na internet.
No ano de 2002, funcionário frustrado do departamento de marketing do banco Icatu, Tabet passava as tardes enviando piadas e fotomontagens por e-mail aos colegas da empresa. Advertido por “um babaca do departamento de TI” (a definição também é dele) de que as brincadeiras seriam monitoradas pela empresa, achou por bem parar de usar o correio eletrônico da firma e passou a despejar as gracinhas em um blog, que ganhou o mesmo nome da coluna que produzia no jornal da faculdade: Kibe Loco – Kibe por causa de sua ascendência árabe; Loco por ser o portunhol o idioma oficial da extinta coluna.
Nascia uma das páginas mais acessadas da internet brasileira. Em 2005, a audiência era tal que o blog virou ocupação principal, remunerada pelo portal Globo.com, que o hospedava. Passados 11 anos, o Kibe segue como fonte de renda, trazida não só pelo hospedeiro, agora o R7, da Record, mas também pelas marcas que o elegem como vitrine para aparecer.
Sociedade alternativa
Mesmo quem não costuma digitar www.kibeloco.com.br para ver as blagues postadas diariamente por Tabet (e dois ajudantes de texto e arte) certamente já foi atingido por algum dos conteúdos que, para usar o internetês do Brasil, “bombaram” por causa dele. Dois exemplos: o vídeo de 2004 em que William Bonner imita o estilista Clodovil em um intervalo do Jornal Nacional (visto 4 milhões de vezes) e o clipe de “Dança do quadrado”, produção de baixíssimo orçamento lançada em 2008 que se tornou um dos vídeos virais de maior sucesso do país e rendeu a Tabet um prêmio da MTV.
De olho na verve que deu origem a tais sucessos (e a sátiras como a que colocou a senadora Heloísa Helena numa capa da revista Playboy), Luciano Huck o convidou em 2007 para fazer parte da equipe do Caldeirão do Huck. A parceria terminou em janeiro de 2012, quando Tabet, que vinha de um certo desgaste na Globo (onde tentou emplacar, sem sucesso, projetos paralelos ao Caldeirão), decidiu que era hora de zarpar. A mudança o levou ao retumbante sucesso Porta dos Fundos, que desde agosto de 2012 já lançou quase 90 vídeos em um canal do YouTube e contabilizava no fechamento desta edição 2.622.000 espectadores inscritos e mais de 226 milhões de exibições.
O projeto começou com um encontro entre Tabet e Ian SBF, então diretor do Casseta & planeta, no início do ano passado. Como ele, Ian também produzia conteúdo de humor na internet, os vídeos do canal Anões em chamas. Entre chopes e petiscos do bar Diagonal, no Leblon, a dupla combinou de produzir episódios de CSI Nova Iguaçu, versão esculhambada de séries sobre investigação policial.
A ideia de fazer vídeos de humor para exibir na web atraiu um amigo de Ian, Fabio Porchat, talento da comédia stand-up que também tinha um pé na Globo. Pouco depois, embarcavam no negócio o ator e roteirista Gregório Duvivier e o publicitário João Vicente de Castro, outro egresso da equipe do Caldeirão. Estava formada a sociedade que nasceu alternativa – mas que hoje está por cima da carne-seca. Toda segunda e quinta-feira, quando são colocados novos episódios no ar, os cliques, likes e compartilhamentos on-line só aumentam.
Alegria de classe média
Assistidos por milhões de pessoas, prestigiados pelos colegas de profissão, assediados por emissoras de TV, os integrantes do Porta dos Fundos somam hoje quase 30 pessoas – os cinco sócios mais atores, editores e técnicos contratados. O grupo também caiu nas graças de diretores de marketing – ao menos os que entenderam que, em tempos de redes sociais, não adianta tentar abafar críticas ou dar respostas evasivas ao público: as marcas devem entrar no jogo com transparência; melhor ainda se for com bom humor.
Foi o que fez a rede de restaurantes Spoleto, alvo de um dos primeiros episódios da trupe. O vídeo que mostra uma consumidora sendo maltratada por um atendente da rede levou a marca a contratar o grupo para criar outro vídeo, este em seu favor. O case fez com que outras marcas aderissem à estratégia de rir de si mesmas: o Porta dos Fundos já produziu trabalhos sob encomenda para Bis Lacta, Fiat e Caixa Econômica.
Tabet não fala em valores, nem mesmo o custo dessa estrutura. “Primeiro porque correria o risco de dar um número errado”, diz ele. “Segundo porque nos comprometemos a não falar de grana.”
Ele recebeu a Trip no escritório do Kibe Loco, no Jardim Botânico, no Rio. Os quadros na parede revelam um pouco da vida do dono – de uma camisa do Flamengo emoldurada a imagens de reportagens que saíram com ele na imprensa. Tabet teme que a decoração dê sobre ele a falsa impressão de “empresário bem-sucedido se vangloriando de seus feitos”. E trata de explicar que a aparente egolatria é só “alegria de classe média”.
"Eu era o cara que se apaixonava. Chorei muito por mulher na escola"
Fã de Millôr Fernandes, Luis Fernando Verissimo, Tutty Vasques – e, claro, Monty Python, ao qual o Porta dos Fundos é corriqueiramente comparado –, Antonio Tabet não se importa com “a onda politicamente correta” que pareceu ameaçar comediantes ultimamente. Para ele, é bom que humoristas se policiem para que, em vez de cair em piadas agressivas, encontrem algo que faça mais gente rir junto. Uma ideia, aliás, também defendida por John Cleese, para quem o grande poder do riso é justamente o de igualar as pessoas, “destruindo qualquer sistema de divisão social”.
Vamos do começo: como é a história da sua família?
Meu avô paterno era libanês, mas não conheço muitos detalhes. E a família por parte de mãe é portuguesa. Meus pais nasceram no Rio e viraram médicos, os dois. Tenho dois irmãos mais novos, um é médico e o outro é advogado, Marco Antonio e Fernando Antonio, que era o nome do meu pai também.
Seu pai já morreu?
Meu pai morreu quando eu tinha 15 anos e foi a pior coisa que aconteceu na minha vida.
Do que ele morreu?
Câncer. Meu pai era um médico respeitado, foi diretor do [Hospital] Pedro Ernesto, diretor da Uerj, já tinha sido convidado pra trabalhar em Secretaria de Saúde. E era um cara forte, corpulento, corria na praia todo dia. Ele teve câncer no cérebro, muito difícil de lidar porque tinha dia que ele estava ótimo e tinha dia que ele estava um vegetal. Então, de uma estrutura familiar toda montadinha – pai, mãe, eu, um irmão dois anos mais novo e outro que tinha acabado de nascer –, entramos num caos. Quando meu irmão fez 1 ano meu pai descobriu a doença. Dois anos depois ele morreu. Durante o tratamento, fiquei muito próximo dele, cheguei a dar banho, um processo doloroso. E quando ele morreu foi uma porrada porque eu tinha certeza de que ele ia ficar vivo.
Como foi o dia em que ele morreu?
Ligaram no colégio falando pra eu ir pro hospital. Chegando lá um tio me abraçou tão apertado que até me machucou. Quando vi que ele estava chorando, não precisei perguntar nada. E aí eu chorei, chorei, chorei. Quando fui ver meu pai, abracei, mas tive aquela sensação que descrevem, de que a pessoa não está mais ali. Por muito tempo fiquei mal, virei uma pessoa angustiada. Isso só acabou com um sonho em que meu pai aparecia e dizia: “Cara, não sofre. Você aí sofrendo tá me fazendo sofrer aqui”. Eu estava com uns 20 anos e só então aceitei que tinha que seguir com a vida.
E como é a relação com a sua mãe?
Foi muito boa até a morte do meu pai. Depois, ficou um pouco estremecida. Acho que minha mãe tinha muito medo de viver como a minha avó, que morreu viúva, morando num apartamento com a irmã em Copacabana. Então quando meu pai morreu ela deu uma surtada. Trabalhava muito e manteve nosso padrão de vida, mas nossa relação pessoal se desgastou. Ela casou de novo, depois separou. Hoje é tranquilo, relação normal, de mãe e filho.
Onde era a casa de vocês?
Botafogo. Morávamos num prédio do caralho, cheio de criança, play gigante, guerra com o prédio da frente, amigos, futebol, campeonatos de botão. Minhas memórias de infância são as melhores do mundo. Com 11 anos andava de ônibus pra onde quisesse, ia à praia.
E onde você estudava?
No Santo Inácio, até a doença do meu pai. Aí repeti a oitava série e mudei pro Santa Rosa de Lima. Saí de um colégio de padre pra um colégio de freira. Foi a melhor coisa, conheci outros tipos de pessoas, amigos que tenho até hoje.
Você namorou muito? Era pegador?
Nada, eu era o cara que me apaixonava, levava cartãozinho, caixa de bombons. Minha primeira vez foi no meu quarto, na minha casa, com a minha primeira namorada, que era virgem também. E foi espetacular. Enfim, chorei muito por mulher na escola. Depois de velho isso passou.
Você é mais assediado agora que é famoso?
Não, acho que não. Primeiro que eu não sou um galã, né? Não sou o bonitinho de 26 anos, tenho 38! E até pareço mais velho. A figura da “maria comédia” eu já vi por aí. Tem umas até conhecidas, você chega num lugar e o pessoal já fala: “Olha lá a fulana, querendo descobrir qual o pau mais engraçado do Brasil”. Mas eu não entro nessa. E, como falei, tem muitos outros caras na minha frente. Muito Danilo Gentilli pra elas se interessarem [risos].
Você é casado? Tem filhos?
Dessa parte da vida pessoal, família, não falo e nunca vou falar. Prefiro ser Antonio Fagundes nessas horas.
Você é publicitário, certo? Como foi sua trajetória profissional?
Fiz publicidade na UFRJ, uma merda de curso, mas fui até o final. Ainda na faculdade fiz estágio na Rádio Globo, indo pra rua ver cadáver no jornalismo, cobrindo vestiário de Bangu e América em Moça Bonita... De lá fui para uma agência de publicidade pequena, depois consegui estágio na programação do Multishow, maravilhoso, porque me obrigou a assistir a todos os episódios de Trapalhões, I love Lucy, Kids in the hall... esse, aliás, mudou minha vida, virou referência. Depois fui para a programação do GNT. Mas aí recebi o convite para ir trabalhar no marketing de um banco de investimentos, o Icatu, com um salário bem melhor.
Como era o trabalho no banco? Foi lá que você começou o Kibe Loco, né?
A ideia deles era criar uma equipe de marketing jovem pra renovar a linguagem dos produtos do banco – capitalização, seguro etc. Só que não funcionou. A galera era legal, mas é aquela coisa: você faz um trabalho pra renovar a linguagem, vem alguém que manda mais e não quer mudança nenhuma.
O negócio começou a ficar maçante. Eu todo dia de terno e gravata, logo cedo, no centro da cidade... eu tava morrendo. Então inventei o Kibe Loco. Fazia as fotomontagens zoando o time de um, o time de outro. Comecei por e-mail, depois fiz o blog e mandei pra sete caras, que replicaram entre conhecidos. Um dia, um deles me falou que a tia dele adorava o site. Estranhei: “Mas você mandou pra tua tia?”. Ele: “Não, ela viu sozinha”. Só que ela era professora no Espírito Santo. Pensei: fodeu. Achei uma ferramenta de monitoramento de audiência e descobri que o Kibe Loco tinha 12 mil acessos por dia. Passei a me dedicar mais, fingi até que existia uma equipe. Os textos diziam sempre “nós do Kibe Loco”.
E você continuou no banco?
Não, acabei saindo do banco e fui pra outra agência, que me permitia continuar tocando o site. Foi ótimo, aprendi coisa, fiz amigos, mas era mercadão de publicidade. E eu não tenho paciência com publicidade.
Por quê?
É frustração, é gente com ego do tamanho do mundo. Eu estudei pra ser publicitário, pra estar numa agência branquinha, bonitinha, com pufes coloridos e Macintoshs e prêmios em Cannes. Eu queria isso! Mas depois que passei por rádio, agência e caí num departamento de marketing... puta que pariu, que merda.
Se você tivesse virado um super-redator de agência, indo pra Cannes e tal, acha que estaria feliz?
Eu ia odiar! O-di-ar. Na faculdade meu sonho era esse, mas eu não conhecia, eu tava vendo de longe. Tem uma piada ótima: sabe por que publicitário não tem campainha em casa? Pro cara chegar e bater palma! É exatamente isso. O tempo todo, um querendo mais que o outro, um lambendo a caceta do outro, ou a própria caceta... não dá, puta saco.
Você tem amigos publicitários?
Vários, e falo o tempo todo disso com eles. Eles mesmos se sacaneiam também. Enfim, a minha carreira estava sendo um fracasso. Mas o legal é que desse fracasso eu consegui quase sem querer inventar o que me tirou de lá. Acabei largando tudo pra viver só do Kibe Loco.
Mas já dava dinheiro? E dá dinheiro hoje?
Eu tinha recebido umas propostas de ir pra portal, tipo UOL, iG, BRTurbo. Em 2005 as propostas para hospedar o site eram na faixa de R$ 3.500 por mês. Dava pra eu viver. Depois passei a ganhar mais, é minha fonte de renda até hoje. Ganho para estar hospedado e com publicidade. Nada que vá me deixar milionário, mas permite manter um padrão de vida.
O Kibe ainda vive muito do que as pessoas mandam? Tem uma parte autoral, mas o forte ainda vem dos leitores. Se abrir meu Google você não vai acreditar, tenho tipo 70 mil e-mails não lidos. Um dia o Gregório [Duvivier] viu minha caixa postal e falou: “Brother, achei que a minha vida era um inferno! A sua é muito pior”.
“No banco, era todo dia de gravata, logo cedo, no centro. Eu tava morrendo. Então inventei o Kibe Loco”
O Kibe Loco já foi acusado de se apropriar de conteúdos alheios. “Kibar” virou sinônimo de copiar.
Isso é coisa de hater da internet. O cara fala mal porque ele queria ser você. A internet projetou muita gente que é editor de si mesmo. Você faz um Twitter, um blog e aí rola uma egotrip louca. O Twitter foi letal. A pessoa ganha 5 mil seguidores e acha que realmente está com um microfone falando para 5 mil pessoas. E não é nada disso. Sobre autoria, é assim: o cara põe um vídeo no YouTube; outro vê e joga num blog. E aí? Ninguém mais pode publicar? Você acha que porque publicou o vídeo de alguém ele é seu? Ah, vai tomar no cu, né?
Mas você responde, entra na briga?
Não, porque é tudo o que esses caras querem. Se cem caras estão falando mal de mim na internet, quantos estão falando bem? Sério, eu não dou atenção. O Twitter é a caixa de gordura da humanidade, o chorume. Ainda bem que está perdendo força. Você vê na audiência, está caindo vertiginosamente.
Você também faz consultoria de internet pra empresas. Como é isso?
Há uns seis, sete anos começaram a aparecer muitas agências de marketing digital, viral, essas coisas. Só que é um mercado muito mais oportunista do que especialista. O que acontecia: uma empresa contratava uma agência de publicidade padrão, essa agência contratava uma agência de mídia digital e essa mídia me ligava. Pra pôr conteúdo no Kibe Loco, ou querendo dica pra fazer uma nova “Dança do quadrado”, ou saber se tal coisa tinha cara de viral...
E é possível saber que determinada coisa vai pegar?
Não dá pra prever 100%, mas tem artimanhas que podem alavancar um conteúdo. Negociar com uma fanpage gigantesca pra que publiquem teu vídeo, negociar com um tuiteiro ou outro, um blog ou outro, isso dá um gás. Mas se ele vai virar um “Para nossa alegria” você não consegue prever. O que dá pra falar é “com isso aqui você bate a tua meta” – tipo chegar em 100 mil acessos, que o cliente já vai amar. Isso não é tão complicado.
E dá pra prever o que não vai dar certo de jeito nenhum?
Dá, e normalmente você vê culpa do profissional de marketing na parada: o cara que, não satisfeito em ter a caneca com a marca dele aparecendo no vídeo, quer que o cara fale [pega uma caneca na mesa]: “Nossa, mas que vontade de tomar essa Duff”. Não é natural! As pessoas veem isso na TV, na internet elas não querem. Querem autenticidade.
O que era trash, pauta de sites como o seu, hoje é notícia normal de grandes veículos. Como você vê isso?
É uma coisa curiosa. Se você pegar os veículos tradicionais da internet brasileira hoje, UOL, iG, R7, Globo.com, você vai ver que metade do que está lá na home é lixo. “Mulher Melancia canta no chuveiro. Veja o vídeo.” Isso é conteúdo pro Kibe Loco! Mas tá lá no portal. Acho que o Kibe Loco, por ter conseguido audiência com coisas trash, foi muito responsável por isso. Não sei se me orgulho ou me envergonho disso [risos].
Ter notícias bizarras virou estratégia para ganhar audiência.
Sim, eles estão atrás de números, como todo mundo. Mas no meu caso não foi estratégia. Não comecei pensando “agora vou fazer um negócio que vai pautar todo mundo”. Foi válvula de escape, eu tava num trabalho chato pra caralho e precisava desopilar. Se existisse YouTube naquela época talvez eu não tivesse feito nada: quando estivesse entediado, botaria o fone de ouvido e ficaria vendo bobagem. Fiz o Kibe Loco porque não tinha muito o que fazer. Eu amava as colunas do Tutty Vasquez, do Verissimo, do Millôr. Eu podia brincar de ser esses caras.
Como você foi parar na Globo?
Um amigo meu conhecia o Luciano Huck. Eu tinha a ideia de lançar um candidato fictício nas eleições do Rio, então pedi pra ele perguntar se o Luciano não apoiaria. Ele nos colocou em contato e o Luciano me falou: “Esquece essa história de candidato e vem trabalhar comigo”. Fiquei em dúvida. A imagem que eu tinha dele era a de um mauricinho paulista, influente, que conhece umas gostosas. Mas conversei com ele e foi surpreendente. Encontrei um cara inteligente, esperto, generoso. Ele não é meu brother, de tomar chope, mas é um cara que se eu ligo tá disponível, dá ótimos conselhos. Vai ser sempre um parceiro.
No Caldeirão do Huck você era redator?
Sim, mas redator no Caldeirão não era só entregar o texto. Você escreve, viaja pra acompanhar a gravação, volta pra ilha de edição, é muita coisa. Depois de uns três anos e pouco tive vontade de mudar de ares. O Bruno Mazzeo me chamou pra fazer o Junto e misturado, mas não fui liberado; depois me chamaram pra fazer um quadro do Fantástico e não me liberaram de novo. Um dia falei: quero fazer outras coisas. Fiz uma oficina de humor, na Globo mesmo, criando uma série que nunca foi ao ar. Depois apareceu a hipótese de uma série do Kibe Loco, também não rolou. Acabei saindo em janeiro de 2012, depois de seis anos. E em fevereiro já conversei com o Ian [SBF, hoje sócio e diretor dos vídeos do Porta dos Fundos] pra fazermos coisas juntos.
Vocês dois se conheciam da Globo? Como essa turma se juntou?
Eu e o Ian, a gente trocava umas ideias pela internet, um conhecia o trabalho do outro e sempre falava “vamos conversar”. Um dia a gente se reencontrou e combinou de fazer o CSI Nova Iguaçu. O [Fabio] Porchat já era sócio do Ian numa produtora, contamos pra ele que a ideia era fazer um projeto assim ou assado e ele falou: “Tô dentro”. Foi a mesma coisa com o Gregório [Duvivier]. O último foi o João [Vicente de Castro], que eu conhecia de passagem. Quando eu tava saindo do Caldeirão ele tava entrando. Ele veio pra ser o cara dos contatos. É afilhado do Caetano, estava casado com a Cleo Pires, poderia conseguir participações especiais. E assim a gente se juntou.
“mostramos primeiro pra Fox, pra Sony. Então botamos na internet. E agora não queremos outra coisa”
Vocês tinham uma ideia de negócio, de como isso ia se bancar?
Não. A gente só sabia que ia ser bom. Só de falar das ideias soltas a gente ria de se esborrachar. Então, mesmo que ninguém gostasse, a gente ia se divertir pra caralho. Na pior das hipóteses, a gente tinha o Kibe Loco. A gente calculava: se a gente coloca um vídeo por semana no Kibe Loco e ele dá um tanto de views, a gente ganha tanto de Adsense no YouTube [o serviço de publicidade do Google gera lucro baseado na quantidade de cliques ou visualizações]. Como a equipe era mínima, nas nossas contas ainda sobraria grana. Claro, todo mundo tinha seu ganha-pão em outras coisas. Mas logo as expectativas foram superadas. No nosso primeiro vídeo, um programa de 15 minutos, a gente achava que se tivesse 70 mil acessos seria um sucesso. Teve muito mais que isso [hoje, só esse primeiro programa contabiliza quase 3 milhões de views].
Não tem nenhum investidor de fora?
Existe um boato de que o Luciano Huck é dono do canal. O Luciano nunca botou um real no Porta dos Fundos. Nem ele nem ninguém. Só a gente botou, cara.
Vocês tentaram vender o projeto para a TV?
Mostramos o primeiro pra Fox, pra Sony. O cara da Sony falou que não tinha grana... E a Fox tinha acabado de fechar com o Rafinha [Bastos]. Então botamos na internet. E agora não queremos outra coisa.
Tem muita emissora atrás de vocês?
Muita. O tempo todo. O louco é que a gente estava num grande veículo, e estava todo mundo meio parado. A gente teve que sair de lá, inventar outra coisa pro veículo vir dizer: “Nossa, vocês existiam!”.
A Globo?
É, a Globo nos procurou. E também a Rede TV, e canais por assinatura. Só que a gente tá bem. A gente não fecha porta pra TV, mas só iria se não atrapalhasse o que tá acontecendo. Censurando não dá.
Como você se sente com a celebridade súbita? Seu rosto agora é conhecido.
É muito louco. É insano. No mês passado eu estava no Lollapalooza e me senti a Xuxa. Nego gritava: “Bola azul!”; “Mario Alberto, eu quero foder!”. É estranho, você entra num restaurante e o cara ao lado sabe quem é você. Eu já era feliz de ter conseguido, com o Kibe Loco, criar um negócio a partir do nada, uma oportunidade de fazer algum dinheiro e conhecer gente. Mas o reconhecimento do Porta dos Fundos é diferente, é muito bom. Me envaidece sim. E entre os humoristas vocês também viraram “os caras”, né? Acho que é porque a gente tá fazendo o que todo mundo queria fazer. Todos estávamos trabalhando na TV, que encanta, mas que também pode virar um exercício de frustração. Eu saí da publicidade porque entendi que tudo o que eu criava em algum momento ia passar pelo crivo de gente que não sabia o que tava falando. O cara que diz sim ou não às vezes é o filho do dono da empresa. Então não é impossível você ouvir: “Ah, meu sobrinho não gostou desse vermelho, vamos trocar por azul?”. Saí da publicidade muito por causa disso. Na TV, gostava da adrenalina e tal, mas também me senti tolhido.
Antes do Porta dos Fundos, já tinha experimentado ser ator?
Fiz curso de teatro, mas era mais pra pegar as gatinhas. Curioso é que estão me elogiando, acredita?
Quando você se assiste, acha bom?
Eu acho que não comprometo não! E boa parte do que eu faço no Porta são roteiros que eu escrevi. Então sei exatamente o tom, é mais fácil. Pô, estou sendo chamado para fazer séries agora, acredita? Fiz uma participação em Adorável psicose, do Multishow, e me chamaram para uma da Globo, uma da Fox e uma do GNT. Posso trabalhar como ator, mas não penso nisso. Gosto de escrever e atuar no Porta dos Fundos porque é divertido. Mas, se alguém convida, significa que o que faço como ator não é uma merda! Imagina se me chamam pra uma novela da Globo? Ia ser muito engraçado.
Você vê?
Quase nada. Futebol, UFC, que adoro. Aqui no escritório a televisão fica o dia inteiro no Discovery Channel ou no Animal Planet, porque o nosso roteirista adora. O roteiro do Quem manda, pensei vendo essa porra. Vi o macaco e pensei: “Como esse filho da puta tem a bola azul?”. E tem umas guerras, o que tem a bola mais azul manda, só ele come as fêmeas... Aí pensei na situação do pai e da garota.
Você gosta de política? Como se definiria nesse campo?
Humor é oposição, né? Os petistas me odeiam, acham que sou tucano. Não sou. Não tenho inclinação política, só odeio ladrão, filho da puta. Nas últimas eleições [para prefeito] eu votei no [Marcelo] Freixo, e continuo do lado dele.
E nas eleições pra presidente, o que você fez?
Votei na Marina Silva. No segundo turno, não lembro. Devo ter votado no Serra ou anulado. O Lula não dá, essa história do mensalão foi foda.
O que você acha da discussão sobre politicamente correto e humor?
Eu acho ótimo o politicamente correto, é importante um controle. Na minha juventude cansei de ver garotos fazendo piadas com o único negro da sala e acho ótimo que não façam mais ou se sintam constrangidos em fazer. É uma evolução natural das coisas.
Mas aí toda piada vira um debate. Não é chato?
O problema não é o politicamente correto, mas a patrulha. Essa indústria do pointing finger, o cara que fica “isso é racismo!”, por qualquer razão. Os xiitas, de todos os lados, são muito piores do que os caras que supostamente disseminam preconceito. Quem vê preconceito em tudo, até onde não há, dissemina ódio. Acende o fósforo e joga no palheiro.
Coisas como A casa dos autistas (esquete do Comédia MTV) ou a piada com Auschwitz, feita por Danilo Gentilli, deveriam ter sido evitadas? Humorista deve ter freios?
Nesses casos, e na polêmica com o Rafinha [afastado do CQC depois de uma piada com Wanessa Camargo], os três têm direito de fazer o que quiserem. E a Wanessa tem direito de processar, a associação dos autistas idem, a comunidade judaica idem. Mas tenho pra mim que quando a coisa é bem-feita, quando é engraçado, até a parte atingida releva. Então a discussão é outra: essas piadas eram engraçadas? Casa dos autistas foi uma coisa maravilhosa? Não foi, eles mesmos falam. O que vai salvar o humor da polêmica é ele ser engraçado, ser bom. Se for ofensivo, pode até ter alguém que ria, mas muita gente não vai rir. E o que a gente busca é isto: quanto mais gente rindo junto, melhor.