por Endrigo Chiri Braz

Wander Wildner já foi vocalista de uma das mais influentes bandas punk do Brasil e acaba de lançar mais um disco solo

Ela já foi, deixou de ser, voltou a ser e talvez ainda seja vocalista de uma das mais influentes bandas punk do Brasil, Os Replicantes, mas isso ficou pequeno perto de seu legado solo – que acaba de render mais um saboroso fruto sonoro. 

De duas, uma: ou você não entende e não acha a menor graça, ou você se apega e não larga nunca mais. Tipo terapia: agora preciso escutar Wander Wildner. Gritar bem alto que vou me entorpecer bebendo vinho, que a Daryl Hannah tem uma bundona, ou que sempre foi tão bom como num sonho de verão.

Autor de hits para poucos e bons como “Eu tenho uma camiseta escrita eu te amo” e “Eu não consigo ser alegre o tempo inteiro”, as músicas de Wander mudam o tempo todo, a cada disco, vão do punk ao brega em um segundo, mas isso não importa. Quem gosta, gosta independente das mudanças.

Gosta do sorriso, do jeito Wander de topar o mundo, da ingenuidade profunda que faz sorrir e refletir ao mesmo tempo. Para seu quinto disco, La cancion inesperada [Fora da Lei e Unimar Music], recém-saído da fábrica, ele mudou de novo. Refinamento sem perder simplicidade. Arrojo sem firulas. Complexidade sem frescura.

A seguir, Wander Wildner fala do disco [que já tem clipe para a faixa “Amigo Punk”], da relação CD x internet e do capitalismo que nos consome com tanto consumo.

Há quanto tempo está preparando este disco? Comecei esse disco há uns três anos... Fui para o Rio, gravei as bases de seis músicas com o Kassin e com o Berna Ceppas. Depois o baterista que tocava comigo saiu da banda e quis gravar de novo. No começo de 2007, gravamos tudo de novo, com o Barba [ex-Los Hermanos] na bateria e o Flu no baixo.

Aí deixei as bases das 12 músicas para o Kassin e o Berna acrescentarem coisas. Eu estava buscando um trabalho novo, um disco que fosse além dos anteriores, e sabia que eles podiam me dar isso porque têm uma diversidade muito grande. Eles ficaram trabalhando no disco, gravaram vários instrumentos, perguntaram quem eu queira que tocasse, e eu sugeri o Moreno Veloso porque queria o cello dele na música “Without you”. Aí pensei que um violino do Jorge Mautner seria maravilhoso e rolou um violino na música “La cancion inesperada”.

Por isso o disco leva esse nome? Eu não queria um disco linear, queria que cada música fosse uma surpresa. Eu inclusive falei para os dois que podiam tirar as guitarras que eu tinha gravado. Esse disco tinha que ser inesperado pra mim também. Da primeira vez que fui ouvir, ainda não finalizado, eles colocavam uma música para tocar e eu não sabia qual era, porque não tinha minha guitarra, que é muito marcante. Eles tiravam minha guitarra e colocavam a guitarra deles de outro jeito.

O disco me surpreendeu, foi além do esperado. Meus dois primeiros discos solo foram produzidos por mim, são discos bem lineares, bem simples, porque não sou um puta produtor musical. Já os dois discos produzidos pelo Tom Capone foram diferentes. Esse disco novo é tão bem produzido quanto os discos produzidos pelo Tom. Achei que o Kassin e o Berna seriam capazes de fazer algo parecido com o Tom, que era incrível.

Apesar de você ter começado lá nos anos 80, você é um cara que aprendeu a usar a internet. Como você vê essa relação? Acha que a internet, uma dia, pode eliminar o CD do mapa? Não. Esse é um pensamento muito brasileiro. Na Europa as bandas continuam lançando em vinil, os caras fazem fita K-7 promocional. Esse é um pensamento de um país em que as pessoas têm auto-estima baixa. O brasileiro é um colonizado burro, os olhos brilham quando oferecem uma coisa pra ele. A mesma coisa dos portugueses com os índios. Oferecem e eles saem correndo atrás. O brasileiro foi induzido a correr atrás. Só não lanço esse disco em vinil porque a fábrica a única fábrica que temos está parada. Gostariam de lançar em K-7 também. Por exemplo, não parei de fazer divulgação por correio. Eu sempre faço todo tipo de divulgação possível. A internet tem essa coisa maravilhosa de poder fazer qualquer coisa, gravar uma música em casa, ou um vídeo, e publicar lá na mesma hora. Isso é uma coisa surpreendente. Aí cabe a cada um aprender a lidar com isso. É como qualquer ferramenta. Tu não vai ficar ali na frente do computador acessando qualquer coisa, o dia inteiro. Tenho outras coisas bacanas para fazer também. Existe o perigo de se enfurnar, mas isso pode acontecer com qualquer coisa, com uma guitarra. Eu acho superinteressante, mas também não pode ser só isso. Aí parece que tu cria só uma tipo de público, e para mim interessa todo tipo de publico, por isso o show no Sesc, mais cedo, e não de madrugada com todo mundo doido.

Você acha que bitolar na internet pode ser um perigo pra quem está começando? As bandas já nascem sabendo que tipo de som tem que fazer para ter sucesso, em que sites vão postar suas músicas e tal... A sociedade capitalista não tem limites, e a gente vive nela, é a sociedade que predomina. Hoje em dia as pessoas não questionam mais. Aceitaram isso: a vida é isso aí mesmo e vai ser assim, a gente vai ser capitalista. Mas o capitalismo é anti-todas as coisas boas, setoriza, divide, gera a competição, todo mundo quer ser melhor que o outro e aí a arte vai pro brejo. Ela não pode ser fechada. Eu nunca sei que música eu vou compor. A musica sai no violão quando estou brincando com ele. Eu canto o que me vem pra cantar, e toco o que me vem pra tocar. Parece que não existe alternativa, mas tem muita gente no mundo criando coisas novas. A cidade de São Paulo é minha, ela não toma conta de mim. Eu absorvo coisas delas, eu sou eu dentro dela. Não é só comprar uma guitarra, fazer uma música e achar que é músico. Qualquer arte que tu fizer, você tem que viajar pra levá-la até as pessoas. Tem que descobrir como apresentar o trabalho. Isso é viver de música, de arte. Saber distribuir, divulgar. Não fazer uma música e esperar a gravadora te contatar. Por isso as bandas ficam estagnadas, não sabem o processo todo.

Não se fechar numa única parada... Eu canto mas não me sinto um cantor, sou muito mais do que isso. Eu canto, toco, componho e produzo. Eu gosto da arte, gosto de montar um circo, dessa produção. Antes da música, eu fiz teatro, cinema e televisão, e quando veio a música eu continuei usando isso. Por isso tem interpretação no clipe. Não sou um cantor. Sou um homem que sabe fazer um monte de coisa. A arte é aproveitar o dia fazendo coisas bacanas, mas é difícil. Estou tendo uma dificuldade muito grande para lançar em São Paulo. É o primeiro disco de inéditas que lanço aqui e não é só mandar o disco pro jornal. As coisas chegam via assessor de imprensa, o jornalista está acostumado com isso. Aí chega o meu disco por correio, até o cara ouvir e fazer uma matéria.... Isso é muito estranho. A mídia se acostumou com essa forma de negócio.

Você sente uma mudança muito grande nesse sentido? Se criou um processo de colônia no Brasil e por isso o país está mais violento a cada dia. Ficam numa de vamos remendar, colocar um band-aid... Sinto uma mudança muito grande nesse sentido. Antes, metade da população era de direita, e a outra metade era de esquerda. Hoje você não sabe quem é quem. As coisas estão diluídas. O capitalismo não vai deixar todo mundo rico, só quem tem poder. Foi aceito um jeito que foi dito que era bacana. Tudo piorou, é fato, mas isso não é mais analisado. Para mim isso é a coisa que mais pesa. Fora da minha vida, quando a coisa vai pro mundo, vêm essas barreiras. É foda a sobrevivência com essas coisas contrárias em volta. Hoje a coisa está foda porque as pessoas não estão enxergando, tem a ver com baixa estima do brasileiro. Acham que a solução vai vir do Lula, mas ninguém vai resolver isso. Minha vida tem livre arbítrio, mas para você saber usar isso precisa educação. E isso nós não temos. As pessoas não percebem.

E como vai ser o show? Esse show que vai rolar vai além do show de rock, é um show de música, tem trompete, sax, piano, gaita. O show termina com um carnaval. Estou buscando uma coisa que não tinha feito antes, que é fazer música. Eu fazia rock. Estou muito interessado em fazer um baile, porque meu spectro musical é grande, tem brega, baladas, um pouco de punk rock.

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