Albergue x Vizinhos
Parece banal, mas é sério. Comerciantes, síndicos de prédios e moradores de parte do bairro de Pinheiros, tentaram impedir o Albergue Cor de funcionar na vizinha de suas residências ou comércio. Entraram em juízo com uma petição assinada por 1200 moradores e comerciantes do local. Afirmam que, com o albergue nas proximidades, os moradores do entorno vão viver acuados em suas casas. Por conta disso, o comércio local não sobreviverá.
Partem do pressuposto que as pessoas sem teto são também vagabundos, arruaceiros, ladrões e viciados. Parte da culpa é desses pseudos “repórteres” policiais da televisão. Vivem apavorando a população com o lixo de seus programas. As pessoas ficam com medo. Sai da prisão com medo de ser assaltado a cada esquina que dobrasse. A informação vinha desses abutres da informação que vivem (e muito bem) da miséria e da desgraça alheia.
E é um absurdo: a cidade de São Paulo nunca esteve tão segura. Principalmente com a tal Operação Casada da Prefeitura com a Polícia Militar. Praticamente dobrou-se o efetivo de policiais nas ruas. Pinheiros é um dos bairros da cidade mais contemplados com o acordo do bico oficial. Polícia é mato em suas ruas.
Aquelas pessoas que procuram os albergues, em sua maioria são pessoas que trabalham ou trabalharam e estão desempregados. Claro, há também os inimpregáveis, os velhos, os egressos das prisões e os enjeitados das famílias. Pessoas em extremo estado de pobreza, humilhação e degradação humana. Doentes, feridos pela vida, que deveriam despertar em nós a mais profunda compaixão. São vítimas de um mundo desumano e de uma sociedade dura e cruel com os menos aptos. E mesmo por isso precisam ser socorridas, atendidas e abrigadas.
Estender as mãos, apoiar deveria ser atitude comum a todos. Podem ser apenas vagabundos e preguiçosos, e daí? Para nós importa que sejam seres humanos e, portanto dignos de compaixão e cuidado. E mais: que mal poderia nos fazer pessoas naquele estado de miséria e desnutrição?
Nenhum ser humano é uma ilha, diria o poeta. Nenhuma casa, nenhum bairro, nenhuma cidade deveria ser uma ilha. O promotor nas mãos de quem caiu a petição sentiu-se revoltado. Associou-a ao movimento que era contra a Estação Higienópolis do Metrô. Caracterizou a petição de nazista, de higienista social. Em seguida enviou o nome dos seis síndicos de prédios que assinaram a petição para a Delegacia para Crimes Raciais. Vão ter que prestar esclarecimentos.
A síndica de um dos prédios ironizou afirmando que o promotor não colocaria os sem-teto na frente da casa dele. Ao que o nobre defensor público respondeu que preferia mil vezes o albergue em sua rua. Seria muito melhor o albergue do que ver diariamente dezenas de moradores de rua que dormem na praça do bairro onde mora (isso devia doer em cada um de nós...). E olha que o homem mora no bairro de Higienópolis. São Paulo virou um hotel das estrelas. Famílias inteiras dormem ao relento nas ruas centrais e bairros próximos ao centro.
O Prefeito afirmou que a rua é adequada e que ali existe uma demanda que necessita ser atendida. E, apesar da “fúria pequeno-burguesa” (segundo o Promotor Antonio Ribeiro Lopes) dos moradores da região, a Prefeitura manterá o Albergue Cor naquele mesmo lugar. E não se fala mais nisso, apesar dos referidos moradores terem prometido movimentação. Não creio que façam, mas estarei acompanhando.
Luiz Mendes
17/10/2011.