por Redação

Alexandre Youssef conta como é organizar o maior festival de cultura negra do Brasil

Por Clarissa Vassimon

Criado na década de 70 nos Estados Unidos como uma forma de celebrar a cultura negra, o Agosto Negro se espalhou por vários cantos do mundo, como Caribe, África do Sul, França e Rússia.

Desde 2002, quando a Coordenadoria da Juventude da Prefeitura de São Paulo, em parceria com a Coordenadoria de Assuntos da População Negra, trouxe o festival para o Brasil, o país integra o calendário mundial dos eventos que formam o Agosto Negro.

Durante o mês de agosto, São Paulo recebe oficinas, debates, shows e exibições de vídeos, todos ligados à cultura jovem negra. Neste ano, o festival começou no último dia 31, com os shows de Pentágono, Central Acústica e Thaíde. Xis, Negra Li e Helião, entre outros, se dividirão em apresentações que acontecem nos fins de semana de agosto. Também acontecem campeonatos de DJs, b.boying, popping e locking - estilos de dança do hip-hop.

Ainda no festival, será exibido o documentário A Negação do Brasil, com trechos de novelas e depoimentos de diretores e atores negros sobre preconceito e censura. Destaque para os relatos de Tony Tornado [que, proibido pela censura, não pôde ser o par romântico da Viúva Porcina, na novela Roque Santeiro] e do diretor Walter Avancini [que na época da produção da novela Gabriela afirmou que não existia atriz negra adequada para o papel]. 

Alexandre Youssef, chefe do gabinete da vereadora Soninha e um dos idealizadores do Agosto Negro no Brasil, falou com a Trip sobre o evento.

Trip Como surgiu a idéia de trazer o Agosto Negro para o Brasil?

Alexandre Youssef Em 2001, uma comitiva brasileira foi convidada para conhecer o Hip Hop Havana, em Cuba. Fui como representante da prefeitura de São Paulo palestrar sobre a cena hip-hop da cidade, junto com o Xis, o DJ Nuts, o músico Guga Stroeter, que faz muitos intercâmbios entre Brasil e Cuba, e os produtores Plínio Profeta e Alexandre Kassin. Todos eles se apresentaram no festival. O Hip Hop Havana é inspirado no Agosto Negro. Foi natural que, numa conversa minha com o Xis, surgisse a idéia de tentar trazer o festival para o Brasil. No ano seguinte realizamos a primeira edição.

Quais foram as dificuldades iniciais que você encontrou?

Por incrível que pareça, o hip-hop ainda era bastante underground. Era visto como uma coisa marginal. As empresas não queriam associar suas marcas com o movimento e a mídia ainda não sabia do tamanho da cena. O preconceito foi o maior problema.

Já havia um movimento negro com o qual você pudesse contar para organizar o evento ou você teve que agrupar movimentos dispersos?

Juntamos várias posses e promotores de hip-hop, grupos, mídias independentes ligadas ao movimento, crews de b-boys, eventos isolados e sem estrutura. O segredo foi colocar na mesma mesa os principais personagens do universo hip-hop. Percebemos que fazer um grande festival beneficiaria o movimento inteiro e todo mundo colaborou.

Quais as principais diferenças entre o Agosto Negro brasileiro e o de outros países?

Acho que o hip-hop do Brasil é mais social que nos outros países. Aqui o grupo mais popular é também o mais engajado. Isso não acontece em outros lugares.

Você não está mais a frente da Coordenadoria Especial da Juventude. Como você acompanha o Agosto Negro? 

Por meio de um instituto que está sendo criado. O Xis e o KLJay (DJ dos Racionais MCs) resolveram criar o Instituto Agosto Negro para organizar todos os anos o festival, independentemente das mudanças de governo. Eles me convidaram para ser um dos integrantes. Então, acabei participando de alguma forma na elaboração da edição 2005. Para mim é uma grande honra e um reconhecimento do trabalho que fiz na Prefeitura.

Como você acha que o festival ajuda a mudar a consciência dos negros e das periferias paulistanas?

O Agosto Negro é um ótimo momento para que a juventude da periferia mostre quanta coisa bacana ela vem fazendo. Num país onde a descrença política é total, ver a rapaziada engajada através dos elementos do hip hop é um sopro de esperança. Acho o hip hop o maior movimento político da juventude brasileira. É o 68 dos anos 2000. Isso é muito importante para a auto-estima da periferia.

Você acha que a cultura negra vem se consolidando desde a primeira edição do festival? O público é muito específico ou atinge outros grupos e idades?

O Agosto Negro é muito importante para a consolidação da cultura negra. Existem muitos grupos, ONGs e entidades que lutaram e ainda lutam por isso. O festival colabora para tornar essa luta mais visível para toda a sociedade. Muitas vezes os movimentos sociais não encontram canais de comunicação para uma parcela significativa da população.

O Agosto Negro aparece como um megafone de toda essa demanda da cultura negra. Acho que hoje o hip hop está em todas as classes sociais e já conquistou várias idades. O festival é um sucesso de público e tem um enorme papel social com suas oficinas.

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