por Jamie Brisick
Trip #179

Jamie Brisick, ex-surfista profissional fala de sua imersão surf-jamaicana e de furacões

 

 

“O surf na Jamaica evoluiu numa bolha”, diz Billy Wilmot. “Não sabíamos quem Gerry Lopez era. Não tínhamos revistas de surf. A única coisa que eu conhecia sobre o surf no resto do mundo era o filme Gidget (1959), que passava na TV.” Mesmo assim, o surf jamaicano seguiu em frente no fim dos anos 60/começo dos 70, fluindo em ritmo caribenho. Há muitas boas histórias sobre o surf na ilha, como a dos garotos pioneiros de Boston Bay, que nos anos 60 arrancaram a espuma de uma porta de geladeira, cobriram-na com tecido de fiberglass e resina de barco e foram surfar. Mas a história mais mítica de todas é a de Zoo.

Pouco depois de pegar suas primeiras ondas em Cable Hut, praia popular entre a turma de Kingston, incluindo um jovem Bob Marley, Billy Mystic tornou-se o melhor surfista jamaicano. Seu pico preferido era Zoo, praia de recife com ondas de esquerda que ficaria conhecida como “a Pipeline jamaicana”. Billy e Zoo eram velhos amantes. Ele conhecia seus humores, curvas e ondulações. Surfava lá todo dia que quebrava onda.

Aí apareceu o Ivan, em 2004. Enquanto o furacão de categoria cinco se movia pelo oceano, o swell subia. Na tarde antes de sua chegada, Billy surfou na sua amada Zoo até o último segundo. Enquanto o céu ficava cada vez mais escuro, e o mar cada vez maior, Billy pegou uma onda incrível, uma esquerda com a altura de três andares. Ele então voltou para a areia e ficou ali olhando para o horizonte mais assustador que já havia visto. Foi para casa, escorou portas e janelas, juntou-se à mulher e aos cinco filhos e rezou para Jah enquanto Ivan, o Terrível castigava o sul da Jamaica com fúria bíblica. O Caribe enfrenta vários furacões por temporada, mas raramente daquela proporção.

Na manhã seguinte, pegou o carro para avaliar os estragos. As estradas estavam inundadas; casas de concreto, partidas; cabines telefônicas, submersas. Perto do aeroporto de Kingston, um pequeno avião pendia de uma árvore. Quando Billy chegou a Zoo, a praia estava irreconhecível. O pico que lhe deu três décadas de prazer já não existia. O mar violento havia destruído o recife. A onda de Billy na tarde anterior foi a última dos velhos amantes.

Telecurso Segundo Grau

Visitei o Jamnesia Surf Club pela primeira vez há seis anos. Ainda tenho memórias frescas. Ao chegar lá, a família Wilmot nos recebeu calorosamente. Houve abraços, apertos de mão, baseados, cervejas, pratos de galinha defumada, arroz, vegetais salteados e muitas risadas. Depois do jantar, com uma certa gravidade, todo mundo se reunia diante da TV. Vimos umas três horas de vídeos de surf naquela noite. E assim foi por toda a semana: vídeos e DVDs de surf das oito à meia-noite. Eles têm uma coleção gigante – todos os filmes famosos desde o começo dos anos 90.

Ao ver os filhos de Billy, é fascinante observar o impacto que o esporte teve sobre eles. Como um adolescente africano que não fala inglês, mas conhece cada frase de Jay-Z, Ishack, Inilek e Icah, nunca surfaram com Kelly Slater ou Rob Machado, mas, através dos vídeos, mentalizaram seus estilos e manobras, e assim estão evoluindo de outra maneira. Em vez da bolha do pai, eles estão em contato com o surf contemporâneo de alta performance tanto quanto qualquer garoto de San Diego.

É interessante ver uma família inteira surfando junto: o pai avisa a filha que a onda está vindo, vê o caçula na onda de trás com o mais velho. Depois todo mundo se enxuga e guarda as pranchas no jipe, conversando sobre as ondas do dia como se estivessem em um videoclipe. Ainda mais interessante é vê-los ir da água para a garagem, onde instrumentos, skates, bichos de estimação, fotos de Haile Selassie (o imperador etíope reverenciado pelos rastafáris) e revistas de surf estão por todo canto.

Imani, 18 anos, segura a batida de dancehall na bateria, enquanto Inilek, 24, engana no baixo. Icah, 22, está nos teclados; Ishack, 26, arranha um violão. Ivah, 12, não toca nenhum instrumento, mas suas manobras no skate fornecem batida de fundo. A mãe faz um mingau na cozinha enquanto fuma um baseado. Não vê os filhos, mas pode ouvi-los, e balança lentamente a cabeça.

Então Billy aparece e, com os olhos, aprova o que ouve. E, quando chega o refrão, uma frase gentil sobre o amor e o oceano, ele se junta às vozes dos filhos. A Jamaica é um país duro e pobre. Em alguns momentos, a mensagem de amor do reggae parece totalmente fora de sincronia com a realidade. Mas há outros momentos, como esse, em que tudo faz perfeito sentido.

* O ex-surfista profissional é autor dos livros We approach our martinis with such high expectations e Have board, will travel: The definitive history of surf, skate and snow. Colabora no “The New York Times”, “The Guardian” e “Details”, e mora em Nova York

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