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A FORÇA DA MARRETA

Você escolhe quais tecnologias deixa entrar na sua vida ou sofre de esquizofrenia catatônica?

Por Redação

em 21 de setembro de 2005

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Caro Peter Lamborn Wilson,


Estou agora aqui, diante do computador, e me chega por e-mail uma entrevista recente feita com você, enviada pelo antropólogo Hermano Vianna, meu amigo querido, meu guia desde quando eu era triste e jovem. O e-mail não poderia ter chegado em hora melhor. Faz tempo que não tinha notícias suas.


Presto atenção em suas idéias desde o final dos anos 80, época em que você contemplou a paisagem contemporânea com olhos cheios de inocência para fazer a mais pertinente das perguntas: ?Estamos nós, que vivemos neste presente, condenados a nunca experimentar a autonomia, a nunca pisar num pedaço de terra governado apenas pela liberdade??.


A partir dessa questão, você, camuflado pelo pseudônimo misterioso de Hakim Bey, escreveu TAZ ? Zonas Autônomas Temporárias, um desses livros que têm uma espécie de virilidade juvenil e que misturava filosofia guerrilheira com uma pesquisa histórica sobre comunidades efêmeras, principalmente aquelas fundadas por piratas do século 18. No livro, você chegou a uma conclusão óbvia. A de que não é possível ser livre em todo lugar e em todo o tempo. Mas em algum lugar, e por algum tempo, é.


TAZ se espalhou pela internet dos primórdios e transformou você em um padroeiro de raves, patrono dos verões do amor do começo dos anos 90, profeta daquilo que um dia se chamou cibercultura. Nunca fui um cordeiro incondicional do seu rebanho, mas sempre admirei uma qualidade sua que, na atual guerra dos mundos, existe de sobra no lado sombrio, mas falta no lado esclarecido: radicalidade. Por isso, quero compartilhar com os leitores suas idéias mais recentes. Um abraço.


Vida radical
?Uma vida radical não é nada que dependa de conexões de internet, de sites na web, de demos ou mesmo de política. Isto pode parecer chato para aquelas pessoas que pensam que ter um site quente é um ato revolucionário. Ou que pensam que fazer com que um milhão de pessoas saiam às ruas e acenem com sinais simbólicos numa marcha simbólica é um ato político. Se a coisa não envolve a construção de estruturas econômicas alternativas, não é radical. Em minhas palestras, no começo da internet, sempre alertei para a mecanização da consciência, para a alienação e para a separação. Havia um tempo onde tudo era tão confuso que ficava fácil acreditar que essa tecnologia seria uma exceção a todas as outras e que, em vez de nos escravizar, ela iria nos libertar.


?Pois a internet se revelou a perfeita imagem e semelhança do capital global. Ela não tem fronteiras? O capital também não tem. Os governos não podem controlá-la? Eles também não podem controlar o capital global. E nem querem. Eles desistiram de tentar e agora servem de mercenários para as 200 ou 300 megacorporações que dirigem o mundo. Eu sou basicamente um ludita [grupo liderado por Ned Lud no século 19, que destruía máquinas nas indústrias têxteis inglesas por acharem que elas estavam roubando seus empregos]. Se certas tecnologias ferem a comunidade, como eles diziam, então eles tentavam destruir as máquinas na marreta. Ação direta. Assim é a crítica ludita. Para mim, o que significa hoje viver como ludita envolve uma estrita atenção sobre as tecnologias que você permite entrar na sua vida.


?Você é jogado em frente de uma tela, na mesma situação física que um espectador de TV, só que com uma máquina de escre-ver no meio. Aí você é interativo. O que significa isso? Não significa comunidade. Significa esquizofrenia catatônica. Aí blablablá, comunicação, comunicação, dado, dado, dado… Por que a gente não consegue parar? Que tal voltarmos cinco anos no tempo, quando ninguém tinha celular? Hoje, todo mundo tem e precisa. Pegue qualquer livrinho de qualquer marxista e leia como o capitalismo cria falsas necessidades. Mesmo assim, a gente permite que a coisa continue.


?Mas uma nova coerência pode aparecer. Francamente, acho que ela será de natureza espiritual. Teria de envolver uma espécie de fanatismo ligado a um sacrifício real ? sacrifício de confortos, sacrifício de celulares, sacrifício desta vida privilegiada que levamos dentro da barriga de uma besta. Hoje, há um monte de discursos simbólicos, mas nenhuma ação. Eu acho que a ação pode voltar e é por isso que estou pronto para embarcar em movimentos espirituais que não tenham nada a ver com religião.?


*Carlos Nader, 40, é videoartista e acha que ainda vale a pena lembrar as idéias do autor de TAZ. Seu e-mail é: carlos_nader@hotmail.com

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