”Um fenômeno mais difícil de decifrar é como a chamada elite tem tanta dificuldade em entender e se comunicar com o Brasil real.” Essa questão guiou as reflexões da Trip que acaba de chegar às bancas
Quanto mais a sociedade é maltratada, quanto mais ela se fragmenta, conforme nossas mazelas vão sendo escancaradas e a polarização e a “bateção de cabeças” vão tomando conta da nação, mais uma espécie de cantochão conciliador aparece para apaziguar os ânimos exauridos e exaltados. Uma alma bem-intencionada qualquer acaba sempre disparando o bálsamo bengué verbal sobre as feridas: “O problema é a educação!” diz confiante o candidato a reestabelecer alguma esperança e principalmente a decência e a civilidade ao arranca rabo da vez.
Hora de dar uma pausa, respirar mais profundamente, suspender a cintura da calça, tomar um gole de alguma coisa quando for o caso... Em seguida, hora de encarar a lista de argumentos importantes e óbvios, que ainda precisam ser ditos enquanto já deviam ter sido implementados: precisamos pagar mais aos professores da rede pública, rever os currículos, a gestão, os métodos de aferição de resultados etc...
Quase sempre a conversa pende para a escola pública formal e para o que gira em torno dela. E, de fato, é muito difícil travar qualquer conversa minimamente séria sobre os problemas do Brasil sem passar por esses tópicos (e também pela absurda longevidade e superfície do modelo escravagista que ainda nos assola, a inacreditável má gestão de recursos públicos, pela corrupção em escala industrial, por um sistema tributário equivocado, por um modelo previdenciário inviável...).
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Quem mais precisa de educação no Brasil? Por que quando pensamos em educação, em especial na falta dela, quase automaticamente passamos a refletir e a falar só sobre as populações financeiramente mais carentes?
São essas com certeza as pessoas mais afetadas pelas consequências desse sistema deficitário e obsoleto de ensino que temos. Mas será que as carências mais sérias de educação se localizam exclusivamente na base da pirâmide e na falta de acesso à educação formal de boa qualidade?
Um fenômeno mais difícil de decifrar é como a chamada elite tem tanta dificuldade em entender e se comunicar com o Brasil real. Não seria esta a pior das ignorâncias? A falta de empatia é evidente e assustadora.
Se o problema da educação formal pública vier um dia a ser resolvido, teremos evidentemente avanços imensuráveis. No entanto, um processo como este não deveria acontecer exatamente motivado por uma elite um pouco menos aparvalhada e cega do que a que dá as cartas hoje no Brasil? Não seriam as pessoas que em geral se apresentam orgulhosas sob esta rubrica duvidosa de “elite” talvez as mais carentes de uma educação afetuosa, ampla e profunda?
Créditos
Imagem principal: Vitória Bas
Ilustração Vitória Bas