Minha Mãe, a Dor
A dor muitas vezes me manteve vivo. Em seu
paradoxismo, exigia de mim todo empenho para
me controlar. Cresci, amadureci e me tornei homem
a partir da luta imensa que travava para não me
desesperar e morrer em alguma coisa. Sim porque não
é só da vida que se morre. Podemos nos deixar morrer
nos sentimentos e ai a origem de algumas psicopatias.
Da razão, e são muitos, não sei em que percentagem,
homens aprisionados que enlouquecem na prisão; eu
mesmo vi vários amigos “chaparem”. Fomos presos em
quatro “moleques”, eu era o mais velho e tinha apenas
19 anos. Um não aguentou a “marimba” e se enforcou
nos primeiros anos. Dois conseguiram sair, mas ambos
desequilibrados. Um deles virou mendigo e sumiu.
O outro ficou meio bobo; de vez em quando some e
a família vai encontrá-los junto com os “nóias”, sujo,
jogado, aos pedaços.
Talvez a dor nos aproxime dos outros. Passei a
respeitar o outro a partir do sofrimento e das pressões
insuportáveis que sofri. A minha dor era a mesma
que doia em todas outras pessoas. Enquanto meus
companheiros se perdiam na revolta, no desespero,
no ódio, na vingança e se desumanisavam, eu, quanto
mais sofria, mais humano me tornava. Sentia o quanto
devia doer para os outros a partir do quanto me doia.
Já me perguntei porque e a única resposta plausível
são os livros, porque eu não era melhor que eles. Até
muito pelo contrário. Sou um leitor compulsivo há mais
de 40 anos e só assim explico. Os livros preencheram
meu imaginário de pessoas, vidas e entendimentos.
Fizeram, principalmente que eu sentisse, pesasse e
pensasse.
Mas a dor também nos individualiza porque sofrer
se sofre sozinho, dentro de si e ninguém pode nos
ajudar ou dividir. Quando muito podem acompanhar, e
mesmo assim, distantemente. Ninguém nos ensinou a
sofrer; aprendemos a lidar com a dor por nossa conta
e risco. Cada um à sua moda. Não importa como, é
preciso suportar. Odeio a dor e tentei fugir o quanto
pude, mas sem jamais obter sucesso. A dor tem sido
minha amiga/inimiga, companheira de muitas horas de
solidão e infelicidade.
A tristeza é horrível. Mas a pessoa triste me parece
bela, linda em sua resistência ou entrega à dor.
Só cresci e me desenvolvi porque ela me tangeu e
necessitei escapar da roda de fogo que havia me
envolvido. O tempo ardia, o espaço parecia irreversível
e o vento deixava profundas dúvidas. Estamos todos
marcados pelo ferro da incerteza e pelo maçarico do
sofrimento e da perda. A dor é como pedra, punho
fechado no ar. Um labirinto que a gente só quer fazer
desacontecer. O problema é que quase ninguém
aguenta e o medo é gosmento e pegajoso. É um vazio
que devora completamente, o insuportável que temos
que suportar e limites que temos que ultrapassar.
Minha mãe, a dor...
“Minha alma é fogo que sofre se não arde...” Stendhal.
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Luiz Mendes
20/02/2014