por Luiz Alberto Mendes

Minha Mãe, a Dor

A dor muitas vezes me manteve vivo. Em seu

paradoxismo, exigia de mim todo empenho para

me controlar. Cresci, amadureci e me tornei homem

a partir da luta imensa que travava para não me

desesperar e morrer em alguma coisa. Sim porque não

é só da vida que se morre. Podemos nos deixar morrer

nos sentimentos e ai a origem de algumas psicopatias.

Da razão, e são muitos, não sei em que percentagem,

homens aprisionados que enlouquecem na prisão; eu

mesmo vi vários amigos “chaparem”. Fomos presos em

quatro “moleques”, eu era o mais velho e tinha apenas

19 anos. Um não aguentou a “marimba” e se enforcou

nos primeiros anos. Dois conseguiram sair, mas ambos

desequilibrados. Um deles virou mendigo e sumiu.

O outro ficou meio bobo; de vez em quando some e

a família vai encontrá-los junto com os “nóias”, sujo,

jogado, aos pedaços.

Talvez a dor nos aproxime dos outros. Passei a

respeitar o outro a partir do sofrimento e das pressões

insuportáveis que sofri. A minha dor era a mesma

que doia em todas outras pessoas. Enquanto meus

companheiros se perdiam na revolta, no desespero,

no ódio, na vingança e se desumanisavam, eu, quanto

mais sofria, mais humano me tornava. Sentia o quanto

devia doer para os outros a partir do quanto me doia.

Já me perguntei porque e a única resposta plausível

são os livros, porque eu não era melhor que eles. Até

muito pelo contrário. Sou um leitor compulsivo há mais

de 40 anos e só assim explico. Os livros preencheram

meu imaginário de pessoas, vidas e entendimentos.

Fizeram, principalmente que eu sentisse, pesasse e

pensasse.

Mas a dor também nos individualiza porque sofrer

se sofre sozinho, dentro de si e ninguém pode nos

ajudar ou dividir. Quando muito podem acompanhar, e

mesmo assim, distantemente. Ninguém nos ensinou a

sofrer; aprendemos a lidar com a dor por nossa conta

e risco. Cada um à sua moda. Não importa como, é

preciso suportar. Odeio a dor e tentei fugir o quanto

pude, mas sem jamais obter sucesso. A dor tem sido

minha amiga/inimiga, companheira de muitas horas de

solidão e infelicidade.

A tristeza é horrível. Mas a pessoa triste me parece

bela, linda em sua resistência ou entrega à dor.

Só cresci e me desenvolvi porque ela me tangeu e

necessitei escapar da roda de fogo que havia me

envolvido. O tempo ardia, o espaço parecia irreversível

e o vento deixava profundas dúvidas. Estamos todos

marcados pelo ferro da incerteza e pelo maçarico do

sofrimento e da perda. A dor é como pedra, punho

fechado no ar. Um labirinto que a gente só quer fazer

desacontecer. O problema é que quase ninguém

aguenta e o medo é gosmento e pegajoso. É um vazio

que devora completamente, o insuportável que temos

que suportar e limites que temos que ultrapassar.

Minha mãe, a dor...

“Minha alma é fogo que sofre se não arde...” Stendhal.

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Luiz Mendes

20/02/2014

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