A dignidade da coragem

por Luiz Alberto Mendes

 

Percebo em mim a síndrome das relações coaguladas. Fico afastado dos outros, mesmo daqueles que têm afinidades comigo. Não os conheço, não sei como e de que modo encontrá-los. E depois de encontrar, o que fazer? Como conquistar, como tê-los comigo, no meu cotidiano, em minha vida? E de repente gostar deles, querê-los para sempre e ao me aproximar, sentir claramente que não vai dar certo.

Ou estão para sugar e até possivelmente serem sugados e depois descartar, ou querem tomar de nós o poder sobre nós. Às vezes até sutilmente, manipulando, planificando a nossa vida para eles como se lhes pertencêssemos. E ai de quem olhe para nós! Parecem animais defendendo suas crias; voltam ao primitivo. São capazes de qualquer baixeza para “conservar” o que chamam de “seu território”.

Às vezes questiono se sou eu que ando assim confuso, ou estou confuso porque tudo esta assim confuso mesmo. Às vezes tudo me parece como se estivéssemos dirigindo um carro na autoestrada e de repente, baixa a neblina densa da madrugada. Os faróis não valem mais nada e não se enxerga a um palmo adiante do nariz. Caso resolvamos parar na pista, corremos o risco de sermos trombados pelos carros que vêm atrás. Seguindo em frente o risco continua porque os carros podem ter parado à frente. Assim vivemos: não há mais certezas de nada. Os futuros nos foram tomados; as relações se tornaram instáveis, assim informes, pastosas, “líquidas” como quer Bauman. A família se desmancha, como uma antiga rede de pescador, em pequenos núcleos. As pessoas se sentem mais seguras para experimentarem todos seus possíveis momentos de liberdade e felicidade. Mas já sem as ilusões romantizadas e glamorizadas de uma vida de brilhos. As confortáveis ilusões de felicidade, alegria e paz para sempre estão sendo varridas do ideário das pessoas. Resta um duro realismo; não cumpriremos com os sonhos que sonhamos realizar. Caso queiramos desenvolver alguma coisa, parece que esta implícito que devemos renunciar a outras. Para ter conforto e segurança, itens considerados indispensáveis para uma vida saudável, é preciso que se renuncie a uma parte considerável de nossa liberdade. Caso contrário, se quisermos ser mais livres, assumimos uma série de riscos e renunciamos ao conforto de uma vida segura e tranquila. Provavelmente esta seja a ordem natural das coisas, não dá para sair disso. Embora, vale ressaltar, não dá para deduzir com certeza mais nada. Parece que a vida nos mostra o caminho da ultrapassagem, do desapego a tudo, inclusive às pessoas (daí a descartabilidade do momento), como única alternativa. As coisas acabam, as pessoas morrem, nós ficamos sem nada e sozinhos; precisamos pensar em nós e nos defender.

Penso que há que haver alguma solução mais corajosa do que essa de renunciar à posse por medo da dor da perda. Talvez encarar a dor da perda seja uma solução mais corajosa. Amar a cada vez mais pessoas, curtir com consciência o que a vida nos proporcione e depois encarar as consequências de frente, com ou sem medo, me parece mais interessante. Conheço a dor em suas pontas mais aguçadas e sei que dá para encarar mesmo que doa, mesmo que mate. Talvez essa seja a única atitude que nos reste: a dignidade de encarar tudo como pessoas pensantes.

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Luiz Mendes

28/06/2014.  

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