por Luiz Alberto Mendes

 

Sempre fui um grande fã da chuva. Desde que me conheço e lembro de mim, sempre corri para a janela quando começava a chover. Adorava o cheiro de terra molhada subindo na medida que a água descia, abria os pulmões e aspirava a grande sorvos daquele perfume tão primitivo e tão gostoso. E, com o meu calção de brim de elástico na cinta, corria para o quintal tomar banho de chuva na maior alegria do mundo. Ficava pulando como imaginava um índio faria para fazer chover mais e agradecer a água descendo das nuvens. Eu não entendia como acontecia e tentava manter os olhos abertos para o céu, mesmo com a água lavando minha cara, querendo saber de onde vinha. Minha mãe tentava me convencer que a chuva acontecia através do processo de evaporação; eu não acreditava nem um pouquinho. Preferia o mistério, o não saber sabendo. Para mim tinha algo a ver com o Deus que eles me (meus pais) falavam. Só que eles não sabiam, eram adultos e nem me davam atenção. Eu me calava, era secreto, só eu conhecia o mistério, a verdade. Porque para mim esse Deus que me contavam também era um mistério enorme.

Fui crescendo e aprendendo sobre chuva na escola. Não gostei muito do que soube disso de extratos nimbos e o que se segue. Desde cedo eu sentia poesia só de escutar o marujar das águas descendo aceleradas no córrego em frente minha casa. Fechava os olhos e como que entrava no som qual fosse a coisa mais deliciosa do mundo de escutar. E sorria, menino feliz, ah! Quanta saudade, que vontade de chorar... Nunca mais foi assim. Aquela cortina de gotas bem fininhas sendo transpassadas pela luz do poste me sabia a uma beleza impressionante. Passava horas olhando aquilo, meio que perdido naqueles filetes que escorriam brilhantes. Eu era um menino solitário, meu pai não me deixava sair de casa e quando saia, apanhava como um animal ao volta. Era um tempo de pessoas ignorantes, violentas e que achavam que a educação entrava pela pele ferida e roxa. Não os culpo, davam o que haviam recebido e o que tinham a dar. Meu pai mesmo foi educado a tamancada por sua mãe portuguesa. Contava, e rindo, que uma vez fugiu da mãe que lhe espancava, ela atirou o tamanco e o prego do calçado pegou em sua orelha e ficou pendurando como um brinco. Já pensou se pega na cabeça? Talvez eu nem tivesse nascido. Chovia muito a esse tempo, São Paulo era a "cidade da garoa", apreciar a chuva era um dos meus brinquedos favoritos.

A chuva ainda me encanta. É só começara a chover que corro para  a janela e fico assistindo o quanto tempo posso. Na prisão ficava pendurado com os braços enroscados nas grades, assistindo a cortina de água sob a luz dos holofotes. Era um calmante dos mais eficientes para mim, dava até sono. Quando começava a chover e nós estávamos no pátio de recreação, os guarda nos forçavam a subir para os xadrezes. Nem eles sabiam porque, era a regra, o regulamento. E eu desejei estar na chuva por mais de 30 anos, ensopado, correndo para longe, sem parar. Ao sair aqui fora passei muitas horas sob chuva. Sentava em qualquer canto e ficava ali, tomando chuva e tentando olhar para o alto, como quando era menino, em busca de Deus. A chuva sempre foi uma festa para mim. A alma da vida.

Estou falando de chuva porque estou com saudade, com muitas saudades. Nunca mais vi uma chuva em São Paulo. A "terra da garoa" virou a "terra da tempestade" de uns 3 ou 4 anos atrás. O paulistano ficava até com medo de sair de casa no horário da tarde. Muita gente morreu afogada a esse tempo. Os rios e os "piscinões" transbordavam de repente, a água descia brava, em largos pingos cheios. Quando não vinha aquelas chuvas de pedradas de granizo quebrando tudo. Enormes, os granizos perfuravam até as telhados, a gente escutava o barulho, olhava na janela e a rua estava cheia daquelas coisas brancas. Dia seguinte o noticiário falava de muita gente havia perdido quase tudo e outras até a vida.

Mas e agora? Tem até nordestino querendo voltar para a terra deles, não aguentam bem essa secura. Dizem que lá pelo menos ainda chove um tanto. E nós paulistanos, vamos voltar para onde, se essa é nossa terra? As represas estão secas, as terras rachando, esturricadas. Estamos tomando o tal do volume morto da água. O Governador fala que não há racionamento, mas a gente percebe que era só até o fim das eleições. Porque nos bairros já não tinha água à noite, antes da eleição. Ele mentiu. E agora ficou pior, os dias estão mais quentes, a água mais necessária e mais escassa, como faremos? É só ventar uma garoazinha que sai todo mundo na rua para ver, e nos olhos do povo, aquela esperança, sempre frustrada, de que seja uma chuva. Puxa, mas esse Governador, hem? E o pior que o sujeito ganhou a eleição primeiro turno, muita gente voltou nele. Nem sei porque, pois na minha opinião ele meteu os pés pelas mãos e esteve pessimamente assessorado por um secretariado inteiramente incapaz de mudar alguma coisa. Era o caso de cobrar dessa gente que votou nele para que exijam uma solução: vai haver racionamento ou não? Porque, para quem e quais são as regras? Haverá igualdade na distribuição da água? Por exemplo: vai haver racionamento nos Jardins e bairros tidos como nobres? Ou só nos bairros mais afastados e favelas onde é obrigada a morar a população? E outra pergunta que não quer calar: vão ficar nos enganando por mais quanto tempo?

Mas o que eu queria mesmo era uma boa semana de chuva para normalizar as coisas em minha cidade. A chuva à noite é bela demais, parecem cristaizinhos delicados caindo enfileirados. Só nos resta torcer que ela cheguem breve, a tempo de nos salvar.

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Luiz Mendes

27/10/2014.      

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