A alegria é a prova dos nove

por Lia Hama
Trip #234

Gilberto Gil suspendeu a agenda de shows para ver de perto os jogos da Copa

Gilberto Gil suspendeu a agenda de shows para ver de perto os jogos da Copa: sua excursão anual à Europa foi adiada para depois do torneio, quando ele embarca com a mulher, Flora. Entre uma partida e outra, ele fotografou e falou da experiência

MARACANAZO

Comecei a gostar de futebol quando menino, o momento mais marcante nessa época foi a Copa de 50. Eu tinha 8 anos quando o Brasil, depois daquela campanha deslumbrante, perdeu a final para o Uruguai no Maracanã. Eu morava no interior da Bahia e ouvia os jogos pelo rádio com a narração de Ary Barroso. Um ano depois fui morar em Salvador e me tornei frequentador dos estádios e torcedor do Bahia. Eu ia no estádio da Graça e, depois, no Fonte Nova. Chegava a ir três vezes por semana, alternando futebol com cinema.

PROFISSÃO: TORCEDOR

Eu já tinha planejado ver esta Copa faz tempo, tinha decidido que não teria nenhuma ocupação profissional nesse período porque a minha excursão seria a Copa. Então resolvi ir a São Paulo, Fortaleza, Brasília, Belo Horizonte, Salvador e Rio para ver os jogos. Eu, Flora, meus filhos Bem e José e meus netos Bento e Francisco, esse é o núcleo básico. Aí vem a namorada de um, o amigo do outro, a turma do Andrucha Waddington, a Nanda [Fernanda Torres]. É divertido.

#NÃOVAITERCOPA

Havia um pessimismo exagerado e um certo equívoco na avaliação do significado do esporte. Apesar de o futebol ter se tornado um grande negócio, de ter ganhado conotações políticas e econômicas muito fortes, não se desatou o laço espiritual. A paixão e a fantasia tinham ficado escondidas pela materialização excessiva da Copa, como se ela fosse apenas uma oportunidade de crescimento econômico. As manifestações de junho do ano passado, exatamente durante o torneio que era a preparação da Copa, deram conotação mais política e econômica ao Mundial. Mas, quando a Copa começou, a bola voltou. É bom que o país se reconcilie com a coisa de que nem só de pão vive um homem. Os avanços materiais são importantes, mas não suficientes. As necessidades da vida são de muitas ordens, uma delas é a espiritual, e é isso o que o futebol propicia.

SOY LOCO POR TI, AMÉRICA

Fazia anos que eu não frequentava os estádios com torcidas tão ruidosas. Em Fortaleza, o jogo contra o México foi uma experiência incrível porque a torcida mexicana era pra valer. 
Eu chegava a pensar: “Ô, meu Deus!”. Foi bonito. Pela proximidade e o prestígio futebolístico do Brasil, a Copa se tornou atrativa. Norte-americanos vieram aos milhares, assim como mexicanos, costariquenhos, colombianos, argentinos. Isso deu uma dimensão maior à Copa.

FUTEBOL-ARTE

O futebol moderno, mais atlético, tático e racional, está se consolidando. O padrão de jogo das seleções ganhou uma sistemática mais firme no mundo todo, a coisa de “não ter mais bobo no futebol”, que é a maneira popular de traduzir isso. Africanos, asiáticos, centro-americanos, antes secundários, agora trazem seleções competitivas, que conseguem misturar a fantasia do futebol-arte com a técnica dos europeus. Tudo isso torna os jogos mais interessantes.

NOVA CLASSE C

O fato de a Copa ter sido feita em 12 sedes, com o Brasil reciclando seu equipamento futebolístico com estádios de padrão internacional, influencia para que ela seja um marco, uma transição para outro período. É um momento em que a classe média cresce, criando um público economicamente mais capacitado e culturalmente mais exigente. Mas, no fundo, no fundo, é o velho futebol de sempre.

UM POVO ALEGRE

A alegria é a prova dos nove. No Brasil, existe essa coisa de um país que se dedicou fortemente à dimensão celebrativa da vida, da festa como elemento de coesão social, o Carnaval e o futebol como grandes festas tropicais e barrocas. Temos esse gosto pela dimensão lúdica, pelo lado celebrativo da vida. Não seria possível assumir tão intensamente essas coisas se a alegria não fosse um combustível muito forte. Somos um povo alegre, que gosta de estar alegre.

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