Tomara que o Brasil não fique totalmente sério, que a riqueza não destrua a vitalidade
Tomara que o Brasil nunca se torne um país totalmente sério, que a riqueza não destrua nossa vitalidade. Melhor continuar sendo uma adolescente insegura do que um velho rabugento
Como uma adolescente suburbana que veste sua melhor roupa para ir ao shopping center mais chique da cidade, nós brasileiros trepidamos ao vislumbrar nossa imagem de potência econômica. Será que na balada do sábado à noite se cumprirá o mito do país do futuro? Será que estamos à altura dele? Hesitamos na porta de casa e voltamos para mudar o penteado.
Diante do espelho, nós e a nossa menina não conseguimos ter uma ideia clara a respeito de nós mesmos: somos chiquésimos ou uma laia de farofeiros? Temos a índole pacífica ou somos trogloditas sanguinários? Otários ou espertos? Os brasileiros somos nós que lemos revistas nas quais se escreve esse tipo de coisa ou eles que assistem ao Raul Gil? Somos lindos ou horríveis? Insegura- e complexada, a adolescente não para de se torturar. Melhor trocar de roupa também.
Vestindo o shortinho bem justo que acentua a curvatura perfeita da bunda sem celulite, a adolescente se acha linda, o máximo. Nos orgulhamos de nossa brejeirice inzoneira, nos industrializamos como doidos, ganhamos cinco Copas do Mundo e Deus sempre foi vizinho de casa. Mas a adolescente não gosta nem um pouco do próprio nariz. Dos dentes também não. Se acha brega. Talvez não daremos certo nunca, no pós-sal vão correr muito sangue e muitas lágrimas. Não conseguimos parar de pensar nas 52 mil mortes violentas em 2008, nas péssimas condições da educação e da saúde, na corrupção, na impunidade e na falta de perspectiva que podem permear tudo pra quem nasceu pobre na pátria dos párias.
Emoção olímpica
Agora que conquistamos o privilégio de sediar a Olimpíada, estamos ainda mais confusos. O presidente Lula chora emocionado, declarando que finalmente o Brasil pode ser considerado um país sério. Basta olhar para Dresden, Bruxelas ou Birmingham para perceber que talvez nao valha nem um pouco a pena ser sério. Melhor a adolescente insegura do que um velho rabugento. A emoção do presidente é muito linda e a capacidade de se emocionar – mesmo que com besteiras –vale mais do que qualquer conquista olímpica.
Tomara que o sábado à noite seja uma grande festa e que a menina insegura se descubra uma linda mulher. Tomara que, quando vier, a riqueza não destrua a vitalidade. Tomara que o Brasil nunca pare de dançar na beira do abismo.
*HENRIQUE GOLDMAN, 47, cineasta paulistano radicado em Londres, é diretor do filme Jean Charles. Seu e-mail é hgoldman@trip.com.br