20 POEMETOS
1) Queria, a cada novo dia escancarar a janela
Enxergar o dia antes que ele abrisse os olhos
Do rumoroso deserto de sonhos
Em que ainda se encerra...
******
2) Será que sonhar é bom
Depois de ter um por um
De seus sonhos esmagados?
******
3) Sou desses loucos por viver
E queimo imóvel
No centro dessa fogueira.
******
4) Uma leve folha ao vento
É enfeite no ar, sorriso na água
E ligeiro ressonar de um amor suspirado.
******
5) Se perguntarem,
Digam que roubei, que até matei
Mas não esqueçam também de dizer
Que tive minha infância massacrada
Que fui torturado e espancado de todas as formas
Que vivi a vida toda preso como bicho
Em jaulas de concreto cercadas por muralhas
Que também me assaltaram
E me mataram de muitas mortes.
******
6) Sofrer de repente, sem ter porque
Apenas sofrer desumanamente
Como pedras que caladas se tornam limosas
Sofrer por outros, dores repetidas, internitentes
Ondeantes, num suspiro...
******
7) Pássaro desassossegado revoava
Além da possibilidade de paz
Os pensamentos ecoavam em estranhos ruídos
Os olhos se embebedavam de neblina
O ar estava prenhe de segundos
Cego e aceso como morcego
Vazio como espelho, refletindo sem guardar
E minhas mãos, hostes de bárbaros que se moviam
Inventando flores em teu rosto...
******
8) Precisava ser desfeito para ser refeito
A gravidade da vida me conservava vivo
Mas sem prumo, sem contrapeso existencial
Protegia a liberdade das vontades submersas
Engolia idéias inteiras pelas hastes
Tentando expropriar os últimos resíduos do sol
Que o dia deixara.
******
9) Depois da janela chovia e ventava
Na guia da rua, mais que duramente
A enxurrada arrastava margaridas apodrecidas
Da esquina mágica dos despachos
O ar de chumbo ameaçava a gravidade das coisas
Bêbada de tragédia e significados
A vida expressava uma beleza penosa.
******
10) Quieta a luz macia e mole suspendia
Como o verde vivo das primeiras folhas
O sol exagerando de amarelo.
A sombra e o vento passavam
Como roupa lavada, cheirando a luz...
******
11) Aquelas belezas seriam extintas
Aqueles seres se findariam em breve
Nunca mais existiriam
No fundo é tudo chuva que orvalha folhas caídas
Que um dia irão secar.
******
12) Que palavras inventarei agora
Para te dizer que te amarei a vida inteira?
Com quantas palavras sentir
E em qual delas persistir?
Roteiros itinerantes para destinos inexplicáveis.
******
13) O que tenho a te dar
É como se desse eu mesmo e ficasse eu
Mais que qualquer acontecimento ou palavra
Teu, na primeira visão de teus olhos.
******
14) Aquela súbita escuridão
Lembrava água fétida
De vaso encharcados e flores mortas
Azeda e nauseabunda
Cheirava os piores pesadelos
Mas porque, se me libertei
De meu destino de perder-me?
******
14) O aço polido do desejo
Despe da roupa o corpo
E planta o corpo em outro corpo.
******
15) Deixo de mim o mundo
Porque reconheço meus caminhos de pedra
Nos passos que ecoam duros
No calçamento.
******
16) Eu era diferente da lembrança
Que possuía de mim
Parecia impossível haver sido eu mesmo.
******
17) O sol coagulava vermelho
No horizonte inatingível
A tarde ia chegando mastigando vestígios do dia
Com seus dentes afiados
O vento decepava flores com pesadas lâminas
Luzes indecisas rolavam a esmo
A noite descia pálpebras sobre os olhos
Lembranças antigas como a lua e o céu
A orientar nossos rumos incontíveis.
******
18) Enquando o ultimo fiapo de sonho se extinguia
Eu era um trem a se fundir com as sombras
Mergulhado naquele silencio de sal grosso
Como um livro fechado, sentia-me inútil
As estrelas vibravam, solenes
Mais uma bofetada do destino
Um grito mudo esparramava cada pouco de mim
Pelas calçadas sujas de lama.
******
19) A vida avança para dentro de nós
Como um soco
O que mais podemos sentir
Por dentro dos rolos de arame farpado
Que envolvem a vida da gente?
******
20) A cortina de chuva transpassada pela luz
A brilhar na janela
Me faz humano da cabeça aos pés
E todas as coisas ao redor se fazem próximas
O sempre e o nunca se misturam
Como o doce e o salgado
No agridoce.
******
Luiz Mendes
17/06/2009.