por Luiz Alberto Mendes

20  POEMETOS

 

1) Queria, a cada novo dia escancarar a janela

Enxergar o dia antes que ele abrisse os olhos

Do rumoroso deserto de sonhos

Em que ainda se encerra...

                   ******

2) Será que sonhar é bom

Depois de ter um por um

De seus sonhos esmagados?

                   ******

3) Sou desses loucos por viver

E queimo imóvel

No centro dessa fogueira.

                   ******

4) Uma leve folha ao vento

É enfeite no ar, sorriso na água

E ligeiro ressonar de um amor suspirado.

                   ******

5) Se perguntarem,

Digam que roubei, que até matei

Mas não esqueçam também de dizer

Que tive minha infância massacrada

Que fui torturado e espancado de todas as formas

Que vivi a vida toda preso como bicho

Em jaulas de concreto cercadas por muralhas

Que também me assaltaram

E me mataram de muitas mortes.

                   ******

6) Sofrer de repente, sem ter porque

Apenas sofrer desumanamente

Como pedras que caladas se tornam limosas

Sofrer por outros, dores repetidas, internitentes

Ondeantes, num suspiro...

                   ******

7) Pássaro desassossegado revoava

Além da possibilidade de paz

Os pensamentos ecoavam em estranhos ruídos

Os olhos se embebedavam de neblina

O ar estava prenhe de segundos

Cego e aceso como morcego

Vazio como espelho, refletindo sem guardar

E minhas mãos, hostes de bárbaros que se moviam

Inventando flores em teu rosto...

                   ******

8) Precisava ser desfeito para ser refeito

A gravidade da vida me conservava vivo

Mas sem prumo, sem contrapeso existencial

Protegia a liberdade das vontades submersas

Engolia idéias inteiras pelas hastes

Tentando expropriar os últimos resíduos do sol

Que o dia deixara.

                   ******

9) Depois da janela chovia e ventava

Na guia da rua, mais que duramente

A enxurrada arrastava margaridas apodrecidas

Da esquina mágica dos despachos

O ar de chumbo ameaçava a gravidade das coisas

Bêbada de tragédia e significados

A vida expressava uma beleza penosa.

                   ******

10) Quieta a luz macia e mole suspendia

Como o verde vivo das primeiras folhas

O sol exagerando de amarelo.

A sombra e o vento passavam

Como roupa lavada, cheirando a luz...

                   ******

11) Aquelas belezas seriam extintas

Aqueles seres se findariam em breve

Nunca mais existiriam

No fundo é tudo chuva que orvalha folhas caídas

Que um dia irão secar.

                   ******

12) Que palavras inventarei agora

Para te dizer que te amarei a vida inteira?

Com quantas palavras sentir

E em qual delas persistir?

Roteiros itinerantes para destinos inexplicáveis.

                   ******

13) O que tenho a te dar

É como se desse eu mesmo e ficasse eu

Mais que qualquer acontecimento ou palavra

Teu, na primeira visão de teus olhos.

                   ******

14) Aquela súbita escuridão

Lembrava água fétida

De vaso encharcados e flores mortas

Azeda e nauseabunda

Cheirava os piores pesadelos

Mas porque, se me libertei

De meu destino de perder-me?

                   ******

14) O aço polido do desejo

Despe da roupa o corpo

E planta o corpo em outro corpo.

                   ******

15) Deixo de mim o mundo

Porque reconheço meus caminhos de pedra

Nos passos que ecoam duros

No calçamento.

                   ******

16) Eu era diferente da lembrança

Que possuía de mim

Parecia impossível haver sido eu mesmo.

                   ******

17) O sol coagulava vermelho

No horizonte inatingível

A tarde ia chegando mastigando vestígios do dia

Com seus dentes afiados

O vento decepava flores com pesadas lâminas

Luzes indecisas rolavam a esmo

A noite descia pálpebras sobre os olhos

Lembranças antigas como a lua e o céu

A orientar nossos rumos incontíveis.

                   ******

18) Enquando o ultimo fiapo de sonho se extinguia

Eu era um trem a se fundir com as sombras

Mergulhado naquele silencio de sal grosso

Como um livro fechado, sentia-me inútil

As estrelas vibravam, solenes

Mais uma bofetada do destino

Um grito mudo esparramava cada pouco de mim

Pelas calçadas sujas de lama.

                   ******

19) A vida avança para dentro de nós

Como um soco

O que mais podemos sentir

Por dentro dos rolos de arame farpado

Que envolvem a vida da gente?

                   ******

20) A cortina de chuva transpassada pela luz

A brilhar na janela

Me faz humano da cabeça aos pés

E todas as coisas ao redor se fazem próximas

O sempre e o nunca se misturam

Como o doce e o salgado

No agridoce.

                   ******

Luiz Mendes

17/06/2009.

 

 

fechar