Da preservação das nascentes à limpeza dos córregos urbanos, o caminho para despoluição do rio está nas mãos de todos
Quem vê as pequenas bicas de água límpida jorrando em meio à Mata Atlântica, na região de Paranapiacaba, distrito do município de Santo André (SP), não imagina que dali sai um dos maiores rios que banham a cidade de São Paulo, o rio Pinheiros. Longe da imagem de poluição e insalubridade vista na capital, as nascentes, que estão a mais de 900 metros acima do nível do mar, preservam a vida e a história do rio, protegidas pelo Parque Natural Municipal Nascentes de Paranapiacaba, Unidade de Conservação (UC) com mais de 400 hectares.
Dentro do parque, é possível fazer um passeio guiado pelos primeiros afluentes do rio Pinheiros, como as trilhas que passam pela Bica dos Namorados, Água Fria e Pontinha. “Paranapiacaba tem mais de 80 pontos de nascentes e afluentes, mas apenas seis podem ser exploradas. A quantidade mínima de trilhas visa a preservação da área”, diz a guia e monitora local Valdinete Matos. “Se a gente não cuida dessa água saindo do berço, vai chegar em São Paulo muito pior. Existe todo um trabalho de proteção e educação ambiental na região. A gente costuma falar para os visitantes: da natureza nada se tira a não ser fotos, nada se deixa a não ser pegadas, nada se leva a não ser recordação”, explica ela.Na capital, os esforços para recuperar o rio ganham fôlego com o Programa Novo Rio Pinheiros, liderado pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo, a Sabesp, desde 2019. O objetivo é devolver o rio limpo à população até 2022, por meio de ações de despoluição dos córregos e conscientização da população. “Para despoluir o rio Pinheiros, é preciso atuar nos córregos, conectando e regularizando o esgoto das casas à rede coletora da Sabesp e sensibilizando as pessoas em relação ao descarte de lixo”, explica Patricia Cidade, coordenadora de projetos socioambientais do programa, que atua na região do córrego Aterrado/Zavuvus, na zona sul de São Paulo.
O começo de tudo
A mesma lógica implantada na região das nascentes vale para a capital: é preciso cuidar da água antes que ela desemboque no rio. É por isso que nas comunidades próximas ao córrego Zavuvus é feita a regularização das ligações de esgoto (que, até então, eram clandestinas ou inexistentes) nos locais onde é possível entrar com as obras. Uma série de projetos socioambientais acompanham a regularização do esgoto para que o córrego se torne saudável para a população e para o meio ambiente.
Manoela Pires, moradora do Jardim Consórcio, comunidade que fica próxima ao Zavuvus, narra as mudanças trazidas pelo Programa Novo Rio Pinheiros, há dois anos: “O esgoto doméstico caía direto no córrego, que alagava nos dias de chuva. Dentro de casa, a água suja voltava pelos ralos, pelo vaso sanitário e começava a subir junto com ratos e baratas” conta ela, que é dona de casa e mora com o marido e dois filhos. “Hoje pode vir a chuva que for, que o nosso esgoto é jogado na rede lá da rua e canalizado para o lugar certo”, diz ela, que também fala das melhorias na rotina da família: “Quando começava a vir a chuva, era um vizinho ligando para o outro pedindo para levantar móveis, mantimentos. Mas nem sempre dava tempo e a gente tinha muito prejuízo”.
A entrada do Programa Novo Rio Pinheiros nas comunidades é feita em conjunto com lideranças locais e moradores, com ações de conscientização ambiental e diminuição da vulnerabilidade social. Na região do Zavuvus, por exemplo, a Sabesp atua junto aos catadores de recicláveis para que façam o recolhimento correto do lixo. Também foram instalados recipientes conhecidos como “garrafões”, que evitam que mais de 10 Kgs de garrafas pets sejam descartadas no córrego por semana, e ecobarreiras para conter a chegada do lixo até o rio Pinheiros.
Próxima à Estação Jurubatuba de trem fica a Estação Ambiental (ESA), que reúne várias atividades de conscientização ligadas ao Programa Novo Rio Pinheiros. É lá que Manoela costuma levar os filhos: “As crianças já sabem separar o que é plástico, o que é papel, o que é papelão para jogar fora. Falam para a gente jogar o lixo no lugar certo para ‘não encher mais o rio Pinheiros’. A Sabesp está incentivando as crianças na limpeza, a um cuidar do outro, isso ajuda muito as famílias”, conta. A leitura também é incentivada pelas ações do Novo Rio Pinheiros, por meio das Gelotecas, que são geladeiras reformadas que funcionam como bibliotecas móveis. “A equipe da Sabesp veio instalar a Geloteca em frente de casa, para colocar livros e gibis para as crianças lerem. É bom para que elas possam se distrair e ter mais conhecimento, ainda mais durante a pandemia”, diz Manoela.
“A gente explica que para o rio Pinheiros ficar limpo, as pessoas não podem jogar lixo, móveis e entulho no córrego”, diz Eliana Fernandes, que mora em um bairro vizinho ao de Manoela e trabalha atendendo moradores pelo Programa Novo Rio Pinheiros. “As crianças ficavam muito doentes, porque ficavam brincando na beirinha do córrego. Como eu ando diariamente na comunidade, vejo que realmente melhorou bastante, uma parte do córrego não está mais tão suja”, relata ela, que atende os moradores de porta em porta, coletando informações e tirando dúvidas sobre as obras desenvolvidas pela Sabesp. “É um programa que veio para melhorar a qualidade de vida da comunidade e da cidade, porque a gente precisa de água para sobreviver.”
A recuperação do rio Pinheiros depende de uma rede de cuidados, desde a proteção de suas nascentes até a limpeza dos córregos que o alimentam. A colaboração de todos é essencial para a despoluição, como lembra Valdinete, guardiã do berçário de nascentes do rio Pinheiros, em Paranapiacaba: “A gente busca a sensibilização, mostrar a importância das nascentes e do rio para as gerações futuras. Dependemos da água para tudo. Garantir um rio limpo é garantir a vida”.
Saiba mais
O Novo Rio Pinheiros é um programa do Governo do Estado de São Paulo sob a coordenação da Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente que visa a despoluição do rio até dezembro de 2022. As obras que a Sabesp realiza dentro do Programa Novo Rio Pinheiros resultaram na implantação de 111 km de novas tubulações, que coletam e enviam para tratamento os esgotos de moradores de regiões que ficam nas sub-bacias do Rio Pinheiros. Até janeiro deste ano, as obras beneficiaram mais de 169 mil famílias, totalizando 507 mil pessoas. Isso significa que, na Região Metropolitana de São Paulo, uma população equivalente à de Florianópolis (SC) passou a ter coleta e tratamento de esgoto.
Em paralelo, são realizadas ações para o engajamento efetivo da população, seja para se conectar à rede de esgoto já existente, seja para dar o descarte adequado ao seu lixo que, quando jogado na rua, vai parar nos córregos, contribuindo para o quadro de poluição. As ações do Novo Rio Pinheiros têm como foco desde as pessoas que vivem em áreas informais, que são impactadas diretamente pelas obras de melhorias, até grandes empresas, passando por ONGs, universidades e outras instituições. A conscientização a respeito do correto descarte do lixo e da importância de as pessoas ligarem seus imóveis na rede coletora de esgoto são pontos fundamentais para a despoluição.