Rafael Infante: entre a reflexão e a transformação

por Redação

Sem medo de mudanças, o ator e humorista fala sobre o retorno ao Porta dos Fundos, sucesso e o trabalho artístico em meio à pandemia

Ator, humorista e músico, Rafael Infante começou a atuar em um grupo de improviso e, aos 34 anos, já fez peças, filmes e esteve em diversas produções televisivas, como o sitcom humorístico Vai que cola, do Multishow, e a novela Bom Sucesso, da Rede Globo. Mas foi na internet que ele alcançou a fama, com os esquetes do Porta dos Fundos. Integrante do grupo desde o início, Rafael saiu em 2016 para atuar na TV, no cinema e no teatro, e voltou ao canal de humor em julho deste ano. Em meio ao isolamento social, ele cria conteúdo e personagens originais sem sair de casa, fazendo muita gente rir numa época de tantas ansiedades e incertezas. Em conversa com a Trip, Rafael fala sobre seu retorno ao Porta dos Fundos, o sucesso do personagem Carlinhos Avelar, humor e casamento.

Trip. Você tem feito sucesso como Carlinhos Avelar, que parece um pouco a cabeça de todos nós: muita informação tentando ser organizada na hora de se comunicar com o externo. Como você define ele?

Rafael Infante. Eu acho que no momento ele está exercendo alguma coisa meio de jornalismo ou dar notícias. Tem uma inocência nele que eu brinco, acho que na verdade ele fica no quarto fazendo aquilo, sabe? Ele está ali dando uma fofocada, só que as pessoas assistem. Mas eu sempre imaginei que era um cara no quarto brincando.

Esse personagem é uma criação coletiva, da equipe do Porta dos Fundos, ou ele veio mais da sua imaginação? A maioria dos projetos do Porta dos Fundos são de criação coletiva, ou tem uma equipe de roteiro que aí pensa no ator. O Carlinhos foi um personagem que eu criei em casa. Eu falava para o Ian [diretor] e para os roteiristas: "Eu vejo toda hora gente contando histórias, fofocas, e no meio as pessoas falam tãnana, tãnanina, lá lá lá lá, e a gente nunca entende o que a pessoa está falando, mas entende tudo". Aí bolaram a esquete lá atrás, na qual esse personagem, que a gente batizou de Carlinhos, seria a única testemunha de um crime. Então quando o juiz perguntava a versão dele, ele contava daquele jeito dele: "A menina pegou, virou pra ela, disse que não sei o que, que tãnanana". O vídeo fez muito sucesso, mas ficou naquele passado. Agora, um pouco antes de eu voltar totalmente para o Porta, comecei a brincar nas redes sociais com esse personagem porque as pessoas estavam me pedindo muito. Totalmente caseiro, como se fosse ele passando pela quarentena, as confusões de estar em casa arrumando, lavando, passando álcool gel, cozinhando, cuidando de cachorro e de crianças, estudando, trabalhando. Quando eu volto para o Porta, as pessoas falam: "Vamos bolar um quadro para ele". E aí eu achei genial a ideia da equipe, que foi pensada num formato de plantão. Ele está sempre querendo dar a notícia, a última fofoca, a última bomba da semana, e do jeito dele, como se fosse ele mesmo em casa fazendo. E rolou. A gente vai amadurecendo, na verdade ainda está. É um processo de descobrir fazendo.

Embora a orientação sexual do Carlinhos não seja abordada, ele é entendido pelo público como um personagem gay. Como isso se compõe? Ele já era assim desde o primeiro dia? Ele já veio assim completamente baixado. E é legal. Muitas crianças gostam do Carlinhos Avelar porque ele tem uma inocência. Eu converso com muitos amigos LGBT, ou o público LGBT me manda mensagem, com um feedback de que amam. E muitas pessoas, independente de orientação sexual ou qualquer outra coisa, falam: "Essa pessoa mora dentro de mim". A ideia do quadro nunca foi expor, debochar ou rir de algum jeito de falar no sentido de forma. O que está sendo exposto ali é esse conteúdo que não é claro. Essa forma de contar, é mais a exposição cerebral do que a física.

Você saiu do Porta dos Fundos em 2016, fez novela, cinema e agora voltou. Como foi essa saída para alçar outros voos e a volta? A vida são muitas transformações. O Porta fez muito sucesso logo que ele surgiu, foi muito estrondoso, muito rápido. Teve um impacto na vida pessoal de cada um de nós e transformações coletivas. Rolou uma demanda de trabalho muito grande, as portas se abriram, a gente pôde escolher mais trabalho e isso é muito gratificante, muito feliz. Eu tenho absoluta noção de que eu sou um cara privilegiado, eu consigo viver da minha arte no Brasil. Já sei que eu parto falando desse lugar. Mas o artista, quando começa e pode se dar a esse luxo de escolher seu trabalho, começa a achar o trabalho repetido. Dá uma sensação de que está parado, vai dando uma angústia, você sente que não está mais se desafiando. Porque a arte tem um pouco de frio na barriga, desse medo de acertar e errar. Claro que a gente precisa trabalhar, precisa pagar o pão nosso de cada dia. Mas aconteceu mais ou menos isso naquela época. Eu estava querendo trabalhar, todos nós, de várias outras formas, e eu estava começando a achar que eu estava ficando repetido em mim mesmo. Achei uma forma saudável, amistosa, de falar: "Gente, vou tentar também fazer outras coisas". Foi o que aconteceu. E como foi tudo de uma forma tranquila, o retorno foi melhor ainda. Foi um retorno também para casa, amistoso e delicioso.

Teve alguma coisa que você não curtiu muito dessa experiência na televisão? Tem atores que falam que a rotina de gravações é exaustiva, outros não gostam da superexposição. Como foi para você? Uma vez eu ouvi uma frase de um cara que era "eu sobrevivi ao sucesso", que é uma viagem. Tem um estranhamento de cada tipo de trabalho, mas se você sabe mais ou menos qual é o objetivo ali, te ajuda muito. Hoje o meio de fazer é muito parecido, a novela acaba bebendo muita coisa da internet e vice-versa. A internet, cinema, TV, série, a gente está quase confundindo o que é cada linguagem. A TV Globo em novela tem até hoje um fetiche no Brasil, ela alcança um grande público de uma forma que não tem muito como dimensionar. Embora meus personagens de internet sejam os que mais me projetaram para o grande público, e isso também não é uma coisa muito mapeada. Mas eu senti diferença. Cada lugar, apesar de a linguagem estar se misturando, é um jeito novo de fazer. E eu acho que a TV é uma engrenagem que espera as transformações acontecerem para depois começar a se transformar. Eu sempre vim de um humor que estava propondo ideias que transformavam. Quando vou para a TV, sinto uma coisa um pouco mais rígida, mais difícil, não me sinto tão livre. E não acho que isso seja um defeito, eu acho que é um formato que a TV não pode sair transgredindo. Ela vai aos poucos digerindo as transformações, é a sensação que eu tenho.

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O sucesso tem uma visibilidade grande, e é como se você ganhasse milhões de "fiscais". As pessoas ficam fiscalizando a sua vida e a sua aparência. Tem gente que não liga, e tem gente que fica mal. Como você lida com isso? Primeiro vem um susto tipo: "Caralho, tem uma pessoa analisando partes do meu corpo". Segundo: "Como é possível uma pessoa fazer isso?" Terceiro: "Caraca, sou eu mesmo, essa é a imagem que a pessoa tem de mim". E aí depois você vai para o foda-se. Eu não posso controlar. Posso tentar dar conta das milhões de coisas que eu tento viver, eu comigo mesmo. Agora, se eu tentar conta do outro, aí é complicadíssimo.

Você já se sentia humorista, capaz de fazer humor desde garoto? E quem que eram as suas referências? Alguém que você olhava na televisão, no rádio e se espelhava. Eu fazia com muita facilidade a coisa do riso, mas eu não entendia que aquilo poderia ser o meu trabalho. Era uma coisa completamente espontânea para mim. Depois eu fui entender que justamente a espontaneidade era um diferencial, era uma ferramenta. Minha formação é muito musical de ídolos. Cássia Eller, Chico Buarque, Caetano Veloso, Maria Bethânia, Gilberto Gil, The Doors, Led Zeppelin. Eu fui sendo muito criado pelas músicas, de verdade, ao ponto que eu achava inclusive que a minha vida ia ser por ali de alguma forma. E depois a vida foi caminhando para outras coisas. Mas eu descobri também o Jim Carrey muito novo. Eu sabia todas as falas dos filmes dele. Não foi uma pira, quando eu percebi eu já sabia todas as falas. Mas nunca imaginei fazer um filme um dia, aquilo era para mim quase uma brincadeira.

É daí que vem essa história de te chamarem de Jim Carrey brasileiro? É, começaram a brincar que eu fazia os trejeitos parecidos. Mas era também natural, dessa influência desde muito criança.

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Me conta um pouco desse seu lado músico. Sempre compus, mas agora eu decidi tirar isso da gaveta. Tem o CD, que sempre foi uma coisa guardada e que essa pandemia me ajudou a querer botar pra jogo. Então eu encontrei o Matheuzinho, que é um produtor maravilhoso, baterista incrível, e a gente começou a fazer tudo online.

Em uma entrevista do Eduardo Sterblitch no Trip FM ele falou sobre uma certa tendência do humorista ser uma pessoa melancólica quando sai do palco, aquele mito do palhaço, é uma coisa explorada na literatura. Já o Fábio Porchat, quando esteve no programa, disse que ele era aquilo mesmo, que acordava rindo. Tem uma relação direta do humor com uma certa melancolia ou isso é de indivíduo? Eu acho que tem. Eu não sei se é melancolia. Vou arriscar falar porque eu acho que esse assunto é muito interessante, e acho que ele é muito mais profundo. Essas pessoas são grandes observadoras. Em algum lugar, quando você começa a observar muito a vida não tem como você não esbarrar em algo melancólico. Para começar, o ser humano é um dos seres que percebe que tem um fim, que a gente está aqui tentando descobrir um monte de coisas e não tem as respostas. Pode até conseguir várias ao longo da sua vida, descobrir seus trajetos para lidar com isso. Mas, a princípio, o homem nasce com essa angústia. Eu acho que grandes atores ou grandes observadores são reflexivos. Outro dia uma amiga minha falou: "Eu fico te vendo nos vídeos, mas você é mais reflexivo no cotidiano". Meus personagens são frutos também das minhas reflexões. O artista é um grande observador, não tem como ele ficar na observação só na parte de fora. O observador requer uma pausa, requer um ritmo. É muito comum você esperar que o Eduardo seja como a gente vê ele na TV, super para fora, super engraçado. Mas, de repente, no dia a dia ele está olhando tudo aquilo de uma forma que o toca para transformar aquilo em arte, entende?

A gente fez um ensaio com você para a revista Tpm em 2013. Você posou para umas fotos sensuais e o público curtiu. Essa história de quererem colocar numa caixinha de galã, você leva numa boa? Acha incômodo? Eu brinco, eu rio, eu aceito. Não acredito em nenhuma dessas coisas, no sentido de tentar me moldar através disso. Se eu tiver a sorte de ter bons personagens é maravilhoso, seja ele mais ou menos galã. Vou mergulhar.

Em uma entrevista na época da novela Bom Sucesso, você falou que tinha diminuído a ingestão de carboidrato para reduzir seu peso. Primeiro veio o convite da novela, e dizia que ele tinha que ser todo galã, preocupado com a estética. Então ali eu já juntei o útil ao agradável, porque eu estava com sobrepeso, eu estava muito ansioso. Eu aprendi isso com um amigo meu, que a gente quando está ansioso não come o alimento, come a ansiedade. E eu comecei a observar isso, fui numa nutricionista, comecei a me organizar. Eu vivia em camarim, então era pão de queijo, sanduichinho, aí eu chegava em casa e comia macarrão fora de hora. E foi muito louco porque eu comecei a comer melhor e o meu corpo reagiu muito rápido, no sentido de se adequar a uma alimentação. Não foi uma dieta tipo "ai, que saco ter que fazer isso". Eu tinha uma conscientização melhor da alimentação. Muita gente pergunta: "Meu Deus, o você fez? Você tá mal, tá magro." Eu acho muito curioso, porque quando eu estava comendo mal, ansioso e preocupado, as pessoas pensavam que estava tudo bem. Aí você começa a se cuidar e as pessoas: "O que aconteceu?", "Como é possível?".

Você é casado com a roteirista e também atriz, Tatiana Novais. Já não é fácil gerenciar um casamento no confinamento, imagino como é ainda trabalhando na mesma coisa. Como tem sido? É uma coisa que a gente tem bastante diálogo aqui em casa. Tem que se policiar, porque daqui a pouco só falando de trabalho. Ou está misturando trabalho com a relação. A gente tenta o máximo possível se ajudar.

Você casou muito cedo? Você é jovem e já está com uma filhinha. Eu não sei se eu tinha 27 ou 28 anos.

Antes disso, você fazia sucesso entre as mulheres ou era meio acanhado, ficava na segunda linha? Não era acanhado não, gostava da bagunça mesmo. Sempre gostei da bagunça, mas também sempre gostei muito de namorar, de ficar, de ter uma história, de me atirar naquela relação. Claro que a minha companheira de hoje é minha parceira de tudo, a gente foi entendendo isso, e desde muito logo a gente se juntou quase que num namoro-casamento. "Vamos casar, fazer festa, vamos se divertir com isso". A gente se mudou para longe, temos uma história longa, juntos há quase nove, oito anos. E tem a nossa maior produção, nossa maior riqueza, que é nossa filha.

Vocês foram morar onde? No Rio de Janeiro, em Guaratiba. É bem distante de onde a gente costumava circular, onde sempre morou. A gente foi morar naquelas casinhas com tucano, papagaio, árvore. Isso lá atrás, para começar toda a vida do zero. Meus amigos falavam: "Vocês estão loucos". Louco é você que está fazendo tudo sempre igual. Vambora, vamos pra vida!

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A pandemia te afetou em termos de grana, de propostas de trabalho, ou ficou indiferente? Tive um primeiro momento de incertezas, de entender o que ia acontecer, e depois eu consegui me reinventar. Foi o momento que eu estava voltando para o Porta, que o audiovisual também estava tendo que se reinventar e entender novos formatos, então a gente pegou essa essa onda boa de "vamos tentar se ajudar, não vamos parar, dá para fazer remotamente muita coisa". Então eu tive o primeiro momento de susto e depois uma onda crescente boa de produzir, se reinventar.

Você é filho de uma psicóloga e de um psiquiatra. Brincadeiras à parte, não deve ser simples crescer entre duas pessoas cerebrais, que conhecem os meandros intestinos do cérebro. Isso afetou a sua vida? Santo em casa não faz muita coisa. Dentro de casa eles estavam sendo só eles mesmos. É claro que isso me permeou pelas conversas, era inevitável. E, de uma certa forma, me inspirou também. Eu acho que o trabalho de ator em algum grau para mim é tentar entender os intestinos e meandros cerebrais da alma humana.

Créditos

Imagem principal: Oseias Barbosa / Divulgação

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