Correspondente da GloboNews em Nova York, o jornalista fala sobre pandemia, Donald Trump, Jair Bolsonaro e como esporte e família moldaram seu caráter
Já se falou muito do visual despenteado e do jeito moleque de Guga Chacra. Mas a dicotomia entre o terno e a pitada de desleixo tem raízes muito claras na história do jornalista. Com a mãe, nadadora, ele pegou a paixão pelo esporte. Cai na água regularmente, deixa o cabelo secar de qualquer forma, e corre para fazer sua análise diária de política internacional, pela GloboNews. Já o interesse pelos assuntos do mundo veio do pai. Com ele, antes de escolher a profissão, fez uma viagem marcante que passou por Líbano, Síria, Jordânia, Israel, Palestina e Egito.
Guga nega a imagem do intelectual sisudo porque a notícia sempre se encaixou na sua vida de forma leve e natural entre outras paixões, desde muito jovem. "Na subida da praia, enquanto os amigos escutavam música, eu gostava de ligar o rádio no noticiário”, conta. Em outro momento, lembra de correr para a mãe empolgado para contar sobre o congelamento de preços do Plano Cruzado.
E é esse jeito de menino encantado que o comentarista político mostra quando está ao vivo. Embora às vezes se emocione durante uma fala – como quando Nova York, onde mora, entrou em quarentena no início da pandemia pelo novo coronavírus –, sabe se posicionar com calma e firmeza. Sobre o atual cenário, dispara: “As pessoas sempre acreditam no contrário, mas esse não é o pior momento da nossa história”.
Fora do país há dezesseis anos, Guga Chacra conversou com o Trip FM sobre Donald Trump, Jair Bolsonaro, o amor pelo esporte, a infância entre outros assuntos. Ouça o programa no Spotify, no play abaixo ou leia um trecho da entrevista a seguir.
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Trip. Você já disse ser uma pessoa que faz o possível para mostrar que o mundo não está de cabeça para baixo, que tudo é apenas uma questão de perspectiva. O mundo está de cabeça para baixo ou não?
Guga Chacra. Não. As pessoas sempre acham que está no pior momento, mas ao longo da história existiram outros muito piores. Quando você olha de longe, os anos de 1990 foram mais estáveis, com o fim da União Soviética e a democratização de vários países do leste europeu. Mesmo assim, aconteceu o genocídio em Ruanda naquele período. Quer dizer, sempre depende de onde você está. A pandemia não era um fato inesperado. Bush, Obama e Bill Gates foram alguns dos que já haviam citado essa possibilidade no passado. O que impressionou foi que poucos países estavam preparados. Alguns conseguiram se preparar rapidamente. A própria China seria um exemplo disso. A grande decepção, e que chocou muita gente, foi o mundo ocidental. Estados Unidos, Reino Unido e Canadá com um desempenho medíocre. A gente viveu uma época em que os Estados Unidos era o país do futuro. Eu acho que essa pandemia mostrou esse cenário de mudanças. A China emerge hoje como grande potência. É complicado porque é uma ditadura que viola os direitos humanos, mas que começou a rivalizar com os Estados Unidos não tem como negar mais.
Eu queria que você falasse sobre essa certa idolatria atrelada ao seu nome. Ao que você atribui o sucesso nas redes sociais, até com pessoas mais jovens, que não seriam exatamente o seu público? Acho que é preciso saber usar as redes sociais para brincar, não se levar muito a sério. Sou palmeirense e cresci no período em que o Palmeiras ficou muito tempo sem ser campeão. O Palmeiras até chegar a Parmalat era motivo de gozação. O futebol me ajudou muito nesse aspecto. O polo aquático, o esporte de clube, também. Assim como o fato de ter crescido indo para praia, no litoral norte paulista. Não me encaixo nesse perfil intelectual. Eu sou muito mais uma pessoa que cresceu no meio do esporte ou na praia. Quando precisa, eu falo sério, mas quando é uma coisa alegre não tem porque não deixar tirarem sarro. Se ficar bravo, aí é que vai se dar mal.
Você já disse que enquanto seus colegas de faculdade estavam mais ligados em escrever, você tinha interesse na notícia. Explica qual é essa diferença? Tem muita gente que vai para o jornalismo porque escreve muito bem. Eu sempre fui viciado em notícia; não era daquelas pessoas com um texto fantástico. Longe disso. Eu lembro do congelamento de preços no Plano Cruzado, quando eu corri em casa para contar para minha mãe. Tem aquela adrenalina. Lembro de ver a CNN americana, isso novinho, de voltar da praia querendo escutar notícia, literalmente. Estar no ar, em um momento importante, com a cara no telão, isso dá uma adrenalina que você não quer ir para casa. É vício.
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Acho muito interessante essa desconstrução da figura do intelectual. Você fala bastante sobre a natação, sobre o polo aquático. Mas até hoje no Brasil existe o entendimento de que praticar esporte não seria uma demonstração de inteligência, mas um habito de jovem vagabundo. Em 2021 ainda há essa percepção. Faz sentido isso? É interessante pensar que nos Estados Unidos são as universidades que valorizam o esporte. Aqui [nos EUA], eles não fazem essa diferenciação. Eu acho o esporte uma das coisas mais importantes para a formação de caráter. Você pode acabar na reserva, que é algo que pode acontecer no futuro da sua vida, é preciso conviver com a questão do chefe, que é o técnico. Aprende a perder e quando perde, perde todo mundo junto. É muito legal, na adolescência, eu sempre falo, poder morar um ano fora do Brasil e praticar um esporte coletivo.
Marta Suplicy fez um diagnóstico da patologia que o presidente Jair Bolsonaro estaria apresentando. Ela fala em um quadro psicótico que tem como um dos principais sintomas aparentes a falta de empatia. Qual a sua análise sobre o nosso Bolsonaro? Falam isso do Donald Trump também. Mas eles são diferentes. Trump se acha a pessoa mais inteligente do mundo, a mais bonita do mundo. Não tem empatia nenhuma com as pessoas. Agora, ele tem uma questão que o Bolsonaro não tem: é impossível negar que ele é um grande comunicador. O Bolsonaro até tenta imitar, mas não consegue. Ele é uma figura que representa um Estados Unidos enquanto o Bolsonaro talvez seja uma coisa um pouco mais acidental. Mas a falta de empatia dos dois me chama a atenção. Não teria motivo para culpar o Bolsonaro pela economia se ele pelo menos tentasse. E é natural que vá mal durante a pandemia.
Créditos
Imagem principal: Marcelo Gomes