Maju Coutinho e Poliana Abritta: Cumplicidade fantástica

Hury Ahmadi
Luiza Sahd

por Hury Ahmadi
Luiza Sahd

Pela primeira vez em 50 anos, duas mulheres comandam a atração mais popular da TV brasileira. Em entrevista exclusiva à Tpm, as jornalistas falam de trabalho, família, política, amor e (muitos) sonhos

Separadas por histórias de vida quase antagônicas em suas origens — geográficas, profissionais, sociais, raciais —, Poliana Abritta e Maju Coutinho foram unidas não só pelo talento, mas pela valentia de assumir postos de trabalho tão cobiçados e, por isso mesmo, desafiadores, na Rede Globo.

Se fossem uma dupla dinâmica, seriam Batman & Batman… Mas, juntas, são muito mais. Só quem não acompanha o Fantástico nos últimos anos ousaria dizer que elas não brincam em serviço. Calibrando força, delicadeza, assertividade e humor em momentos oportunos, Maju e Poli não só se tornaram parte da família brasileira como também mostram, em um país com lares liderados majoritariamente por mulheres, que nosso lugar é onde quer que haja respeito, sucesso, afeto e reconhecimento por tanta luta.

Em conversa exclusiva com a Tpm, elas contam sobre o momento de celebração que dividem não só pela comemoração dos 50 anos do Fantástico, mas por tudo o que têm podido fazer — por si mesmas e pela sociedade que testemunha essa mudança fundamental de tom em meio a tanta notícia.

Vocês demonstram uma ótima sintonia na condução do Fantástico. É mais fácil ter uma dupla feminina no trabalho? 

Poliana Abritta. Quando eu soube que o Tadeu ia sair, o primeiro nome que me veio à mente foi o da Maju. Pensei: “Nossa, seria demais se ela viesse!”. Mas a decisão não passava por mim. Então, quando soube que seria ela, foi uma felicidade enorme. Parecia que alguém tinha ido lá dentro da minha cabeça, buscado exatamente o único nome que imaginei e convidaram para ser minha dupla. Assim como eu, a Maju é muito coração aberto. Então, quando chegou, ela veio me contar que tinha tido um sonho de que a gente fazia uma dança, que tinha uns vestidos lindos, e tal. Acredito que, de alguma forma, já existia uma conexão entre nós, de admiração, de respeito… Sou dessas, sabe? Acho que alguns encontros não são fáceis de serem traduzidos, porque acontecem em outra ordem, de outro jeito. Mas tem toda uma intimidade que precisa ser criada. Agora, faz quase dois anos que trabalhamos juntas e temos essa intimidade, aquela troca que comunica até no olhar. A gente se fala muito fora do trabalho, troca impressões. Eu sei muito como a Maju pensa sobre determinados assuntos, ela também… Isso se traduz no Fantástico, que tem a nossa digital, e de toda a equipe, em vários momentos. A gente se deu as mãos no primeiro dia e segue de mãos dadas com essa sintonia, com essa conexão e com esse compromisso mútuo de que a gente tem ali uma missão maior para com todas as mulheres. 

Maju Coutinho. Eu acho que existe um olhar mais atento para as questões que se referem ao feminino. E no meu caso, também tem o recorte racial, né? Sou uma mulher — e uma mulher negra. A Poliana já lida com as questões da pauta feminista, ela tem o quadro “Mulheres Fantásticas”, então, esse olhar já está meio impresso ali, mas sinto que a nossa presença traz um fortalecimento desses olhares. Durante todo o processo de produção do programa, temos reuniões e damos pitacos nos caminhos que o programa, às vezes, está colocando para o espectador. Acho que é uma força feminina conjunta e que gera essa diferença. Uma força feminina da mulher branca e da mulher negra. Isso é importante. Eu sempre acredito nessa diversidade para fazer a diferença, mesmo no olhar de uma redação.

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Houve algum momento nessa trajetória no programa em que vocês pensaram: “Puxa, realmente faz diferença sermos duas mulheres aqui?”

Maju Coutinho. Sim. Na história do Will Smith e o tapa que ele deu no Chris Rock, tínhamos que fazer uma reportagem para repercutir esse ato e ter um posicionamento. Então, tivemos uma conversa que foi muito enriquecedora. Eu e a Poliana discutimos sobre esse prisma da defesa ou não da mulher, e ela pleiteando essa questão, “mas será que a mulher precisa ser defendida? Um homem precisa defendê-la?”. E eu colocando um outro olhar, que vem do feminismo negro, falando que mulheres negras sempre se defenderam sozinhas. Geralmente, elas não têm um cavalheiro que vai lá e as resgata no cavalo, então existe esse outro lado. Acho que esse é um exemplo bem claro da nossa complementaridade. Fizemos a pauta e foi legal porque nós não defendemos o tapa em si, mas discutimos como funciona esse quesito de defesa quando falamos de mulheres negras — que, às vezes, tem outro caráter. Acho que o olhar de quem tem vivências assim contribui com isso. Por isso que bato na tecla da importância dessa diversidade na redação.

Poliana Abritta. Acho que isso é um aprendizado para todo mundo, o tempo todo. Nós, mulheres, também fomos criadas numa sociedade machista, então a gente foi se dando conta de muita coisa com essa evolução. Agora, o que eu percebo é um cuidado muito grande de checar coisas, de perguntar: “A gente pode dizer isso desse jeito?”. Para alguns assuntos, escuto “Poliana, eu queria o seu olhar sobre isso aqui, você acha que cabe?”, e o mesmo com a Maju. Isso faz a diferença em todo o processo. É um ambiente democrático, porque a gente discorda, a gente debate, mas há a preocupação de estar em constante aprendizado. A Maju contribuiu com isso enormemente. Eu quero o olhar dela, porque ela tem um olhar que só ela pode ter, que eu nunca vou ter. E essa troca intensa faz parte do nosso dia a dia, com muita naturalidade. 

Quais histórias e reportagens mais marcaram vocês no comando do Fantástico?

Maju Coutinho. Estou com as mais recentes do Fantástico na cabeça, porque tenho feito coisas que sempre falei que queria e nunca pensei que eu fosse fazer. Entrevistei a Angela Davis e foi muito marcante, ela me surpreendeu. Uma mulher que tem toda essa história de luta, que foi presa, é tão combativa, e é uma doçura. Isso me fez entender que é possível ser leve e também ter a luta nas veias. Também adorei entrevistar a Viola Davis e o Gilberto Gil. Sabe o que eu gosto? Às vezes, reportagens que não são tão pops assim, mas que alguém chega para você e diz: "Nossa, eu adorei ver aquilo". Me deixa orgulhosa. Por exemplo: entrevistei a Francia Márquez, que é a primeira vice-presidente negra da Colômbia. Naquela semana, fiz uma massagem e uma mulher chegou para mim e falou: “Nossa, que história dessa Francia Márquez, adorei conhecer”. Ela era uma mulher branca, não era uma mulher negra, então não estou nem falando só do viés racial. É uma coisa que marca, acho que se aprende muito, é como uma leitura de um livro. Essas entrevistas, mesmo que breves, dependendo do jeito que você as conduz, te impactam, te modificam, ensinam coisas novas. 

Poliana Abritta. Tem coisas que só o Fantástico faz por mim, e isso vai de A a Z. Já virei a Malévola no ar pra falar do filme, já fui a Bruxa de “Wicked”, a Mary Poppins...  Eu já voei no palco do Fantástico! E eu amo essa brincadeira, porque todo mundo carrega dentro de si uma criança, e colocar essa leveza no ar é muito divertido. Também já falamos de uma infinidade de assuntos e, entre eles, fazer a série sobre fertilidade foi transformador para mim, porque sou mãe de trigêmeos por fertilização in vitro. As pessoas me perguntavam sobre isso, com um pouco de constrangimento, querendo ajuda mesmo. Não era um segredo nem nada, mas eu nunca tinha falado disso publicamente. Então, quando topei fazer essa série dividindo a minha história e falando com famílias dos mais diversos formatos, a sensação foi de que devolvi para o universo um pouco da graça que eu obtive com os meus filhos. Além de tudo isso, o 8 de janeiro, que é muito recente, me faz acreditar que tudo o que aprendi como jornalista ao longo desses 26 anos me preparou para aquela cobertura naquele dia, daquele jeito. Era um domingo e eu estava de plantão, a Maju estava de férias e foi tudo acontecendo. Foi muito marcante. Por último e não menos importante, eu adoro fazer o “Mulheres Fantásticas”, porque não são homens que vão contar essas histórias, mas mulheres falando de outras mulheres super relevantes que não necessariamente tiveram o reconhecimento que mereciam. Ali, a gente sempre quer colocar luz sobre elas e mostrar que podemos estar, de verdade, onde a gente quiser. E vai ter até episódio sobre a Glória Maria!

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O que muda na vida quando vocês passam a fazer parte da realidade de tanta gente, em um programa com tanto alcance? Qual é o peso dessa exposição na autoestima, na rotina, no ego?

Maju Coutinho. Mudou totalmente, porque você passa a ser de todo mundo. Todo mundo te vê, todo mundo sabe o que você está mais ou menos fazendo — mesmo mantendo certa descrição da vida pessoal. Mas as pessoas querem saber, se aproximam, conversam com essa intimidade, porque elas se esquecem que eu não as conheço, mas elas me conhecem — e acho que eu lido bem com isso. Mas é engraçado, porque é outra vida, muito mais exposta, muito mais de contato com as pessoas, de receber. Sinto que elas querem falar, elas querem agradecer, querem elogiar, às vezes, criticar. As críticas são bem raras, pessoalmente é bem mais difícil você ter alguém que seja agressivo, quase não me lembro disso. Mas as pessoas querem esse contato, eu acho que é parte do jogo, e estou nesse jogo. Não sei até quando fico nessa exposição, mas a gente tem que receber com muito carinho e muito respeito, porque é para essas pessoas, é para o Brasilzão que a gente faz o que está fazendo.

Poliana Abritta. Eu era uma desconhecida, sob esse olharzão do público maior, quando assumi o Fantástico. Claro que mudou muito, mas acho que o meu jeito de ser faz com que, apesar de tudo, eu continue vivendo a vida como sempre vivi. Em alguns lugares, as pessoas se surpreendem quando se dão conta de que sou eu ali, naquela situação. Às vezes, me reconhecem pela voz. Fiz uma maquiagenzinha para falar com vocês aqui, mas normalmente eu estou na rua sem make e não me reconhecem de cara. Sem maquiagem, às vezes fico com uma carinha cansada [Poliana aproxima o rosto da câmera para mostrar a maquiagem, aos risos]. Eu nunca quis perder o meu jeito de viver. De alguma forma, consegui fazer com que haja essa harmonia, sem necessidade de hiperexposição. Isso não faz minha cabeça, sabe?

Por falar em imagem e no papel da mulher na mídia, vocês sentem que envelhecer em frente às câmeras vai se tornar um processo mais tranquilo para as mulheres ou, nesse sentido, os homens ainda devem continuar tendo mais liberdade do que a gente?

Poliana Abritta. Sim. Envelhecer é uma questão para todas nós, independentemente de estar ou não no vídeo, né? Você percebe o colágeno indo embora. Se me perguntam “do que você mais sente falta na vida, qual a sua maior saudade?”, respondo: do colágeno. Reparo nisso em mim? Óbvio, estou com quase 48 anos. Mas também não quero perder a minha identidade, não posso ficar refém de uma corrida que eu vou perder. Se tentar correr contra o envelhecimento desesperadamente, além de perder, vou me perder de mim. Hoje em dia, faço o tal do skincare, mas quando comecei a fazer o Fantástico, eu lá passava protetor solar? Tem diferença de nove anos pra cá. Vamos fazer lasers para dar mais viço à pele? Vamos fazer! Mas nem posso me perder e acho que as pessoas também não esperam isso. Elas querem continuar me reconhecendo, e quem me acompanha vai perceber que estou envelhecendo, porque é a melhor possibilidade mesmo. Acho que a gente está na batalha de sermos mais generosas com nós mesmas, para que a gente se permita, internamente, envelhecer. Sinto que as mulheres que se permitem envelhecer e estão bem com isso recebem apoio e identificação do público. Quando você se trata bem, se acolhe bem nessa posição, fica melhor. Mas é uma angústia — até para as mulheres jovens.

Maju Coutinho. Espero que a gente esteja vivendo um momento de virada. Essa discussão está muito mais à tona e, assim como houve um movimento por maiores espaços das mulheres e das pessoas negras na TV, acho que não haverá saída na questão das mulheres mais velhas. Porque os homens já ocupam essas posições, já estão nesse papel, e nós ainda somos poucas nesse sentido. Espero não estar sendo otimista demais, mas acredito que vai se tornar cada vez mais natural esse envelhecimento diante das câmeras. Não é fácil, e ainda tem uma pressão por imagem que é bem forte. Não é simples de lidar, mas acho que a gente tem que lidar. E caberá a nós, que estamos diante da tela, tentar tornar esse processo natural. O cabelo já está embranquecendo aqui na frente, por enquanto eu ainda dou aquela tingidinha. Mas eu me questiono: “Quando esse volume de branco for muito maior, eu quero me preparar para conseguir assumi-los”. Acho que não vai ter restrição, mas tenho que construir essa libertação.

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Poliana, em 2014, quando você assumiu o comando do Fantástico, as pessoas primeiro falaram da sua tatuagem e depois do seu desempenho como apresentadora. Você vê progresso nesse comportamento geral de lá pra cá?  

Poliana Abritta. Eu entrei na Globo em 1997. Sou de Brasília e comecei como repórter dos jornais locais, passei pelo Jornal da Globo, Jornal Hoje e Jornal Nacional, tudo muito voltado para política num primeiro momento. E aí veio Globo Mar, que foi muito rico pra mim, pessoalmente e profissionalmente. Ali, eu aparecia de maiô, me sentava em jangadas, e aquilo permitiu que eu fosse mais a Poliana ser humano — e me preparou pra tudo que veio depois. O Fantástico é um programa em que você aparece de corpo inteiro, não tem a bancada preservando a sua imagem no plano americano. Você está inteira ali, falando com as mãos, com os pés, com a sua postura corporal. Quando fui anunciada como apresentadora do Fantástico, senti como se fosse um presente, porque é um programa mais velho do que eu, que agora tenho 47 anos. Mas eu sabia que tudo ia mudar. Lembro que liguei para a direção e falei: “Só tem uma coisa, vocês sabem que terão uma apresentadora tatuada, certo?”. Acho que, ali, a Globo tomou uma decisão de assumir que as pessoas são inteiras. Vi como um movimento corajoso, honesto, e de mudança. Acho que a minha tatuagem abriu portas para outras tatuagens — porque não é que não existisse uma apresentadora tatuada: o que não tinha era tatuagem que aparecesse na televisão. Hoje, somos muitas, e vejo vários outros progressos bem marcados de 2014 para cá.

Maju, em 2019 você entrou para a história com a primeira mulher negra a fazer parte da equipe fixa do Jornal Nacional, depois de quase 50 anos do noticiário. Como foi essa experiência?

Maju Coutinho. Sabe que é engraçado? Porque assim, eu já estava no JN diariamente, fazendo a previsão do tempo, então já era um espaço que eu ocupava de certa maneira, mas não na bancada. É muito louco, nem sei como explicar, mas só consegui ver o impacto disso pela reação que todo mundo teve ao me ver lá. Para mim, era mais um passo — importante, claro. Mas aí, quando você vê aquela enxurrada de vibração que veio depois da bancada, aquilo impacta, porque você percebe como era necessário. Entendi que essa demanda não é a sobre a minha figura, individualmente. Eu não posso galgar como Maria Júlia, entende? É um simbolismo de uma comunidade estar ali. Então tento não personalizar muito, para não cair na cilada do ego e de ficar pirando nisso. Mas acho que essas coisas eu só saberei no finalzinho da minha vida, quando conseguir colocar num papel, escrever. Não precisa ser um livro, mas até para mim mesma. Para eu entender o tamanho disso tudo, porque quando você está no processo, no rolê, você não tem tanta noção do que está acontecendo. A gente sabe que é um negócio grande, mas não consegue destrinchar com muita clareza. Acredito que só o tempo vai dando as ferramentas para entender o que aconteceu.

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Como vocês lidam com a carga mental de conciliar vida pessoal e o fato de serem mulheres tão bem-sucedidas em um ambiente de trabalho extremamente exigente e competitivo? De quais cuidados vocês não abrem mão para manter a saúde física e mental em dia? 

Maju Coutinho. Eu tenho me forçado a aprender a dizer não. Às vezes, as pessoas cobram mais presença, mas eu não consigo. Quando sinto que é muita demanda, tento dar aquela parada. Vou ter que desagradar alguma pessoa e falar: “Hoje não consigo, essa semana não vai dar”. Tento dosar as atividades e, além disso, minha base é a meditação, que pratico quase todos os dias. Hoje eu não consegui às seis horas porque tinha entrevista, tinha um monte de coisa. Então, será depois daqui, ou à noite, mas vai ter um espaço — porque é preciso realmente respirar e parar, senão a gente é engolida. A gente é engolida pelo sistema, pelo ego, pela vaidade, pelo fazer alucinadamente, por tudo. Fora isso, conto com o meu marido, que é muito parceiro de conversa e de ideias, e a gente segue se apoiando. E faço terapia há bastante tempo. Tem várias questões aí, tem a questão de você estar exposta, tem a questão de você saber que você está famosa agora, mas pode não estar em outro momento — e o ego é um aspecto muito, muito problemático, que cria truques e pode fazer você acreditar que você é. Porque você não é; é um estado, não é uma constante, né? Sou Maria Júlia Coutinho, com vários aspectos — sou filha, esposa, amiga de algumas pessoas, jornalista e estou jornalista do Fantástico na TV Globo. Acho que a terapia me ajuda sempre a voltar para esse estado, de “eu estou”, porque se você não trabalha isso, pode sair do chão. E acho isso muito perigoso porque pode adoecer. Para mim, a terapia ajuda na manutenção do meu ser.

Poliana Abritta. Todas as mulheres são sobrecarregadas, não tem como. É da condição feminina. A partir daí, vamos pensar que eu sou uma mãe polvo, são mil tentáculos tentando organizar tudo. Sim, a minha vida é bem cheia. E tem o fato de eu ser uma pessoa centralizadora. Às vezes, tenho dificuldade de delegar algumas coisas — e não posso culpar ninguém por essa característica minha. Mas aí eu tenho umas táticas. Por exemplo: eu malho todos os dias, por causa da minha cabeça. Se eu acordo sabendo que o dia vai ser muito difícil, aí é que eu vou malhar. E malho todos os domingos. Para dar conta do programa até o fim, preciso disso. Também comecei a fazer análise aos 19 anos, e meus filhos todos já fizeram ou estão em análise. Nós somos uma família desta linha. Além disso, eu adoro tomar um vinhozinho e gosto muito de botar os pés na grama. Quando eu fazia entradas ao vivo no “Bom Dia Brasil", cedinho, se fosse aquele ponto de link na frente do Congresso, eu sempre tirava os sapatos para sentir o orvalho na terra, e era muito bom. São pequenos rituais que a gente vai descobrindo, e colecionando com o passar do tempo. Chamo de caixinha de ferramentas. 

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Poliana, ser mãe de trigêmeos te mudou muito como pessoa? 

Poliana Abritta. Eu falo que filho dá a medida da vida. Às vezes, você pode estar com um enorme problema no trabalho, chega em casa, e aí o seu filho começa a ter uma febre de 37,5°C. Nem é febre. É bobo. Mas é como se a vida estivesse te dizendo: “Olha só, é isso aqui que importa. Presta atenção”. Em diferentes momentos, meus filhos me mostraram isso. E ter trigêmeos foi a maior gargalhada que a vida deu na minha cara, sabe? Porque imagina só, sou virginiana, pô... E eles são três virginianos! Eu tive que aprender muito, e continuo aprendendo, porque estou com três adolescentes. Agora, parece que estou vivendo tudo de novo. E sinto que, desde que tive meus filhos, tento ser uma pessoa melhor, para que eles não cometam os mesmos erros. Como se eu pudesse controlar isso, né?  

Maju, você já foi comparada à figura da Glória Maria de muitas formas. Qual é a dor e a delícia disso na sua trajetória?

Maju Coutinho. Claro, sempre rolou mesmo essa associação. Eu ouvia muito “ah, você vai para o Fantástico, como a Glória!” e sempre recebi com muito carinho e muita honra. Só acho que, obviamente, é preciso notar que a gente ainda é uma raridade nesses espaços. Porque teve a Glória, e agora eu, como mulheres negras apresentando o Fantástico, e pode parecer que é algo substituível. Não é isso, né? Somos várias, somos diferentes, e acho que se tivéssemos mais de nós circulando pela tela do Fantástico, talvez isso se diluísse um pouco, porque não é automático, não é uma substituição. A Glória teve uma história gloriosa e maravilhosa que me inspirou e sempre falei que ela, a Dulcineia Novaes e a Zileide Silva foram referências para mim. Mas quando ela morreu, senti essa coisa de: “E aí, agora é você?”. Não. Somos muitas, e ela é insubstituível. Acho que pega nesse aspecto, mas com muita honra, porque ela abriu caminhos não só para mim. Como diz a Sônia Bridi, ela abriu avenidas. Merece aplausos, respeito — e tem isso de minha parte.

Aliás, você já foi professora e migrou para o jornalismo. Como foi essa virada? Você se imaginava no Fantástico quando começou?

Maju Coutinho. Sou filha de educadores que sempre acreditaram na educação como um modo de viver. Então, para os meus pais, quando cheguei naquela fase de decidir o que eu iria fazer da vida, para eles soava seguro e natural que eu seguisse pelo caminho deles, que era o magistério. Foi o que fiz e fui realmente feliz nos quatro anos como estudante para me tornar uma professora de ensino fundamental. Quando chegou a época do vestibular, veio a virada, porque me inscrevi para fazer Pedagogia na USP e passei. Só que, aí, a minha mãe parece que teve uma intuição — daquelas coisas do destino, que acontecem sem muita explicação. Ela falou: “Olha, acho que você ainda é muito nova, é bom você fazer um teste vocacional”. Participei de dinâmicas de grupo numa universidade de psicologia por quase um mês, aos finais de semana. No final, as profissionais diziam assim: “Vocês passaram por esse processo e a resposta para o futuro de vocês está dentro de vocês mesmos”. Pensei: “Meu Deus, ninguém vai me falar o que eu tenho que fazer?!”. E tudo isso realmente despertou em mim uma questão que me fez concluir: “Acho que sou da comunicação”. E aí, fiz o vestibular para jornalismo na Cásper Líbero, passei, e assim, começou minha história nesse campo. Machado de Assis dizia que "o menino é o pai do homem". Olhando para trás, lembro da minha figura na infância brincando de escrever jornalzinho, ou de estar com alguma coisa que eu fazia de microfone apresentando algum telejornal, eu costumava apresentar os trabalhos escolares em forma de telejornal. 

Mas até a virada total de chave para me dedicar apenas ao jornalismo foi um tempo. Mesmo estudando de manhã, eu dava aulas numa escola pública de São Bernardo do Campo (SP), porque eu era concursada, e à noite eu ia para a Universidade de São Paulo fazer pedagogia, até que deu errado. Um dia, bati meu carro na Anchieta, porque eu morava em São Paulo, mas trabalhava em São Bernardo. O carro teve perda total. Por sorte, não aconteceu nada comigo. Aí parei, escolhi me dedicar só ao jornalismo e segui. Na universidade, tive a oportunidade de passar por vários laboratórios — de vídeo, de escrita, de rádio. E me lembro como se fosse hoje, de pegar o microfone e falar assim: é isso que eu quero. Então, comecei a guiar a carreira para trabalhar em televisão. E claro que quando se entra no jornalismo televisivo, você pensa no Fantástico, mas parecia um sonho muito distante. De qualquer forma, tinha essa sementinha do Fantástico, sim. 

Como vocês acreditam que podemos avançar para ter ambientes de trabalho mais diversos? O que esperam do futuro do jornalismo?

Poliana Abritta. Creio que o primeiro passo para a diversidade é numérico, e ele já vem acontecendo. É aumentar a participação, a diversidade. O que era exceção tem que passar a ser cada vez mais equilibrado, numericamente falando. Eu acho que a sociedade evoluiu e que evoluirá muito mais — até porque, quando a gente tem essa briga toda para não admitir que algumas coisas tidas como normais continuem acontecendo, a gente mostra isso. No passado, quem é que se doía? Quem é que falava de antirracismo? Existia a discussão? Ter discussão é fundamental. Apesar desses anos difíceis nos últimos tempos, das tentativas de derrubar os avanços, me parece que, agora, se renova esse compromisso, mesmo que ainda haja uma polarização em determinados temas. O que eu penso é que vai chegar uma hora que a gente não vai precisar falar sobre determinados assuntos. Eu só posso acreditar nisso, porque quero um mundo melhor para esses meninos que estão adolescendo aí.

Maju Coutinho. Desejo o que já está acontecendo, de certa maneira, diante das câmeras e que a gente já vê. Imagina, desde quando entrei no jornalismo televisivo até agora, o que mudou na presença negra na tela? Não tem comparação. E desejo que venha mais mesmo, que a gente tenha mais dessas presenças diversas. Acredito que o caminho é que essa presença se estenda para os espaços de liderança, porque isso é fundamental. A gente tem que ter, além de repórteres e apresentadores, mais chefes, mais editores-chefes, diretores — esse vai ser um pulo do gato importante. Acredito num jornalismo que também preze por um acordo entre academia e mercado, para a gente fazer uma pedagogia da notícia. Desde a criança, na escola, para ela saber como procurar as fontes corretas, saber o que é fake news, aprender a não disseminar notícias falsas. Esse é o futuro que vejo, é um futuro que terá que lidar com a inteligência artificial, que ainda não sabemos como será esse desenho. Então, a gente tem que pensar nisso também: como será essa nossa interação com a tecnologia em prol de um trabalho que torne o mundo um lugar melhor?

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Quem são as mulheres que inspiram vocês?

Poliana Abritta. Obviamente, a minha mãe é uma inspiração para mim. Ela escolheu ser feliz e não abandonou essa escolha. Isso é uma enorme fonte de inspiração, todos os dias. Também tenho uma tia que é minha madrinha, que se chama Geralda, mas o apelido dela é Tida. Ela tem distrofia muscular e é uma guerreira. A doença vai avançando com o passar dos anos e vai tirando qualidade de vida dela. Na minha lembrança mais antiga, ela andava apoiada na gente. Depois, passa para a cadeira de rodas. De tempos em tempos, a doença avança e impõe mais limitações, mas ela é viva e até hoje está na batalha dela. Profissionalmente, tive a Silvia Faria, uma diretora na Globo, que não está mais lá. Ela foi uma mentora para mim, e me mandou cobrir uma viagem do Lula quando ele foi tentar um acordo nuclear com o então presidente do Irã. Eu e a Sônia Blotta, que estava na Band, fomos as únicas mulheres na comitiva. A Silvia podia ter mandado um homem, mas ela me mandou. Ela nunca deixou que alguém tentasse fechar uma porta porque eu ou alguma outra repórter éramos mulheres. Sônia Bridi também é uma mulher e tanto. Trabalho com ela há quase 10 anos, e é uma inspiração todos os dias. E tem Glória Maria, que conheci fora do ambiente de trabalho. Quando cheguei no Fantástico, ela já não estava mais, mas nos tornamos amigas. Ela tinha um enorme carinho por mim e eu por ela. E a forma livre e autêntica com que a Glória viveu a vida é algo que me inspira todos os dias. Vira e mexe, eu me lembro dela. Livre e autêntica.

Maju Coutinho. Minha mãe, nossa! Filha de uma empregada doméstica com um pedreiro. Que estudou, fez Pedagogia na USP, virou coordenadora pedagógica. Ver essa mulher coordenando professores e alunos faz com que ela seja sempre uma grande referência na minha vida. Como disse antes, Glória, Dulcineia e Zileide também. Mulheres que, cada uma ao seu modo, conseguiram ocupar esse espaço onde a gente era muito mais rara. Imagina, gente, quando Glória começou, quando Zileide começou… Então, fico me colocando na pele dessas mulheres. A Glória se foi, mas Dulcineia e Zilade estarem nesses postos, pra mim, é uma vitória de sobrevivência e de estratégia que elas tiveram para se manter, com todo o talento que têm. Isso é muito inspirador. Tem tantas mulheres que admiro! Fiquei apaixonada pela Angela Davis, tem a Flávia Oliveira, e a Sueli Carneiro também é uma referência para mim. Uma referência de quando meus pais estavam em contato com ela no movimento negro em São Paulo. Me lembro dela desde essa época, e já pude celebrar com ela. É uma mulher incrível, porque com toda a sua genialidade, é uma pessoa que escuta. Isso me inspira: ela escuta muito a todos e pontua nos momentos que são necessários, é admirável. 

Sendo tão jovens e talentosas, com tantas oportunidades e sucesso, o que vocês ainda sonham em fazer profissionalmente?

Maju Coutinho. Muitas das coisas na minha carreira não foram planejadas, mas aconteceram no curso das oportunidades, das mudanças que aparecem no caminho. Fui para a previsão do tempo quando uma colega entrou em licença-maternidade. Aí fui para o Jornal Hoje, quando um colega saiu da emissora. Depois, fui para o Fantástico, quando houve movimentações na casa. E vai indo assim. Claro que existem metas e que coloco a intenção, fazendo o possível para que seja concretizada, mas tem uma frase que sempre falo: “A gente planeja e Deus ri”. Já planejei tanta coisa e o caminho foi outro, muitas vezes, totalmente melhor. Mas tenho descoberto no Fantástico que gosto muito desse contato com os entrevistados. De escutar os outros, de aprender com as histórias… Então, acho que esse é o caminho que eu gostaria de seguir. Mas como será seguir esse caminho? Não sei, aí deixo meio que o barco correr, espero para ver o que vai se constituindo, porque tudo é impermanente. Esse caminho também pode mudar, e procuro não ficar muito amarrada. Senão você fica “eu quero isso”, a vida te bota no outro rumo e você fica muito, muito frustrada.

Poliana Abritta. Apesar de falar para vocês que sou centralizadora e controladora, profissionalmente, sou a pessoa que mais seguiu o curso do rio que eu conheço. Nunca imaginei que eu fosse para o Irã. Aconteceu. Nunca imaginei que eu fosse para a apresentação do Fantástico. Aconteceu. O que eu desejo, que eu sonho, não está escrito na frase da minha consciência. Eu só tenho um desejo de viver coisas que sejam surpreendentes. O Globo Mar fez isso comigo também, me ensinou que não adianta: tem hora que a maré vai subir, tem hora que a maré vai baixar, tem hora que vai entrar um vento, que vai virar tudo. E quando esse vento bater, é ele que vai mandar. Acho isso o lindo da vida. Então, não tenho como dizer um sonho. Nunca imaginei que eu fosse fazer a cobertura do 8 de janeiro, e ela aconteceu. E eu tenho um orgulho tremendo daquela cobertura. A única coisa que desejo é ter oportunidades e portas que me levem a situações surpreendentes. E tenha certeza: vou vivê-las intensamente, porque eu não sei viver nada pela metade, só inteira. 

Créditos

Imagem principal: Globo / Estevam Avellar

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