Sem desviar de qualquer polêmica, a jornalista fala sobre a elite brasileira, maconha e o livro que relata seus 30 anos de alcoolismo e como se livrou da dependência
Com uma carreira extensa como jornalista – foram 36 anos no jornal Folha de S. Paulo, sem contar o trabalho em outras publicações importantes –, Barbara Gancia talvez tenha dado uma de suas maiores contribuições para a sociedade com a lançamento em 2018 do livro “A Saideira”, uma descrição sincera de sua relação de 30 anos com o álcool e como conseguiu se livrar da dependência. “Quando eu parei de beber, comecei a viver uma vida tão prazerosa e frutífera que tudo começou a acontecer no trabalho, na minha vida amorosa e na relação com os amigos. As pessoas não param de beber porque acreditam que vai ser uma angústia, mas eu continuo dando risada pra caramba”, conta.
Uma espécie de tanque desgovernado com as palavras, essa escritora fez história também como apresentadora do programa “Saia Justa”, da GNT. Mas hoje, aos 64 anos, ela se diz aposentada, ao menos até que a verdade volte a ter a sua importância: “A verdade está insuportável. A gente tem muito conforto, muito tudo, e os caras estão sem emprego. Tem muita gente com muito dinheiro, muita gente com pouco dinheiro e as coisas não estão mais se resolvendo. Virou mais conveniente ter a sua própria verdade”.
Em um bate papo com o Trip FM, Barbara não desviou de uma polêmica ao comentar assuntos como maconha e os rumos da elite no país. “É preciso uma disposição de alma e humildade para conhecer o Brasil. Eu tenho tanto amigo que dá aula de política para empregado porque acha que é burro. Se fosse burro, não vivia com mil reais por mês. Eu quero ver se eles conseguem viver com tão pouco”.
Leia um trecho abaixo ou confira o programa completo no Spotify.
Trip. Da sua observação como jornalista e tendo sofrido com dependência de álcool, acha que há solução para o problema das drogas no Brasil?
Barbara Gancia. Eu sou especialista apenas na minha triste história. Tive uma dependência cruzada, mas somente porque a cocaína ajudava a baixar a minha bebedeira. A minha droga de escolha sempre foi o álcool. Gosto de maconha até hoje, em pequeníssimas doses. Mas acho que é uma droga que também precisa ser controlada, ao contrário do que muitas pessoas acham. É muito mais fácil causar um acidente de carro se você está sob o efeito de maconha, além de ser um gatilho muito grande para esquizofrenia. Mas é claro que não dá pra entender porque a maconha medicinal não foi liberada até hoje e como a gente ainda cultiva essa fábrica de criminosos em função dessa merda aí. A gente tinha que resolver isso de uma forma um pouco mais inteligente.
E em relação especificamente à Cracolândia? Eu acho que não é aceitável a gente deixar um bando de gente se matando em praça pública: tem pessoas ali se prostituindo, grávidas, se degradando, roubando. Não é aceitável que uma sociedade deixe isso acontecer. Se você tira o cara daquele meio e cuida, ele vai sair da fissura e pode se recuperar. Ele é absolutamente tratável e de uma forma ambulatorial. É uma questão médica, não tem nada a ver com ideologia. É claro que não pode chegar, dar porrada e levar para cadeia. É outra questão, é preciso ter um sistema. Não é possível que a cidade de São Paulo não saiba lidar com isso e que quem cuide da região seja a polícia. Quem precisa tomar conta é a Unifesp, a Secretaria Municipal de Saúde. Mas é preciso ter coragem.
E você acha que tem como educar a elite brasileira? Eles nem pegam ônibus. Mas quando vão para Holanda, pegam e se sentem o máximo. Aqui, acham que pobre é bandido, que não se esforçou. Todo mundo passando fome e você achando que é vagabundo. Eles não são maus de caráter, são apenas burros pra caramba. São tão alienados do que acontece que vão te falar com toda a propriedade que o Paulo Guedes é um cara legal. O Paulo Guedes não tem ideia do que é o Brasil. É preciso uma disposição de alma e humildade para conhecer o Brasil. Eu tenho tanto amigo que dá aula de política para empregado porque acha que é burro. Se fosse burro não vivia com mil reais por mês. Eu quero ver se eles conseguem viver com tão pouco.
Créditos
Imagem principal: Eduardo Knapp