Como superar um trauma?

por Redação

A psiquiatra Juliana Pimenta, o surfista Carlos Burle e o neurocientista Stevens Rehen discutem como superar experiências de tensão profunda

Quando a gente fala em trauma, normalmente associamos o sentimento a uma experiência aguda e violenta de dor ou medo – um acidente, um assalto ou um momento que gerou uma tensão profunda. A ciência mostra, no entanto, que situações de estresse médio prolongado também podem levar ao surgimento de traumas. Situações como a que estamos vivenciando neste momento, há mais de um ano em meio a uma pandemia global, em constante dúvida sobre o futuro, em constante medo de ser infectado, em constante indignação de ver pessoas negando o inegável e sentindo indignação diante daqueles que deveriam olhar pela sociedade fechando os olhos para a maior crise sanitária dos últimos anos.

Para entender como surgem os traumas e como tratá-los, o neurocientista Stevens Rehen recebe no Trip Com Ciência Juliana Pimenta, membro do Instituto de Psiquiatria da UFRJ e que atualmente trabalha no Centro de Atenção Psicossocial para a Infância e Adolescência. Participa da conversa também Carlos Burle, um dos mais renomados atletas do surf brasileiro. Burle já surfou as maiores ondas do mundo e esteve envolvido em alguns dos acidentes mais aterrorizantes do esporte. Mesmo assim, utilizando técnicas treinadas à exaustão, conseguiu impedir que esses momentos agudos virassem traumas. Para ouvir o podcast, clique no play aqui em cima, visite nossa página no Spotify ou leia um trecho da conversa a seguir.

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Stevens Rehen. Juliana, o que é trauma? O que diferencia o trauma de uma memória?

Juliana Pimenta. Falar de trauma é difícil porque o trauma sempre se refere a uma experiência: a alguém que sofreu um trauma. Para a psiquiatria, trauma é quando o sujeito não é capaz de metabolizar aquela experiência de uma forma saudável. Assim, ele passa a reviver aquilo seja na forma de sonhos, de pensamentos intrusivos, de sensações fisiológicas relacionadas àquela situação que pode ser chamada também de uma situação de muito sofrimento.

Esse trauma ele surge de um evento específico – um acidente, por exemplo – ou ele pode surgir também de um período prolongado de estresse? Falo isso pensando na situação de extrema violência que o Rio de Janeiro vive e na pandemia. É mais estudada a questão do estresse agudo, de experiências de violência e morte. Porém, o trauma crônico é muitas vezes mais danoso porque a pessoa não consegue desenvolver recursos para lidar com aquela experiência que está ininterrupta. Então ela não tem tempo de se recompor. A gente vê muito isso na infância. Quanto maior o tempo é quanto pior a experiência traumática na infância, menor a resiliência do adulto e menor a capacidade de lidar com aquela situação traumática.

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Burle, você já sofreu um acidente de surf no Rio de Janeiro que quase custou a sua vida. Alguns anos antes, em 2013, passou por um outro momento potencialmente traumático que foi o acidente da Maya Gabeira. Como esses eventos marcaram a sua vida? Você considera esses acontecimentos, dentro da definição que a Juliana deu para gente, como traumas?

Carlos Burle. Foram eventos fortes, que tiveram muita importância dentro da minha vida e com certeza alteraram de alguma forma a maneira de lidar com situações que são comuns dentro do meu esporte. Agora, em nenhum momento eu deixei aquela emoção maior, do medo, da insegurança, tomar conta e ser mais forte do que a minha vontade de ir para frente. O trauma acontece, mas ele está ali como uma ferramenta para que você aprenda algo e volte a ter uma vida comum, com controle de todas as suas emoções. No meu caso, foi preciso trabalhar durante anos a mente para se manter emocionalmente afastado, lembrar do meu protocolo e seguir o meu treinamento. Nessas situações, você não pode pensar muito, é preciso ser pragmático. O problema é que a mente não é pragmática, está sempre divagando, sempre se questionando. Só que nessas situações você tem feliz ou infelizmente que seguir um protocolo. Então o pior é o pós-acidente, esse trabalho com a mente. O mais importante é você voltar àquele ponto para poder superar o trauma. Você não pode falar que nunca mais vai pegar uma onda grande porque aí, realmente, aquilo vira um trauma de vida. Eu gosto até de mentir para mente, pensar que volto apenas se a condição estiver boa, por exemplo.

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Créditos

Imagem principal: Divulgação / Red Bull Content Pool

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