Tributo ao Gilberto Gil

por Heitor Flumian

Uma noite de celebração que reuniu em São Paulo música, poesia e transformação

Uma noite repleta de música, poesia e boas vibrações, ontem, no Cine Joia, em São Paulo, deu o tom e o ritmo do aquecimento para a festa de premiação do Trip Transformadores que acontece na próxima semana, dia 24, no Auditório Ibirapuera. Não era para menos: o evento de "esquenta" foi uma homenagem ao cantor Gilberto Gil, um dos maiores transformadores do país, que está comemorando 70 anos de vida.

Com a casa cheia de convidados da família Trip – que levaram livros de suas bibliotecas pessoais como ingressos -, o radialista da Eldorado FM, Daniel Daibem, apresentador da noite, iniciou lembrando que era um momento de celebração: “Estamos reunidos para celebrar uma crença. A crença no poder que cada um de nós tem de mudar o mundo à nossa volta. Queremos lembrar que não precisamos e não devemos nos conformar com as coisas como elas são, se elas nos incomodam. Quando a causa é boa, quando o que está em jogo é aquilo que realmente importa, que são nossas relações, o amor, a generosidade, cada um de nós é capaz de encontrar uma força maior para agir. Esse é o espírito do Trip Transformadores”.

Antes que a mistura rítmica e poética começasse, porém, era hora de conhecer o 11º homenageado do Trip Transformadores 2012, escolhido pelo voto popular por meio de uma iniciativa do Itaú, um dos patrocinadores do prêmio. A escolha entre os três finalistas foi apertada, mas a audiência elegeu Rafael Vivolo, que com o seu Projetos de Garagem divulga novos talentos e viabiliza boas ideias. Através do projeto, esses novos nomes apresentam suas ideias para empresários, investidores e profissionais do mercado de marketing. Até hoje, Rafael ajudou a divulgar mais de mil novos talentos com a iniciativa.

Aproveitando a alegria de mais um homenageado contagiando o ambiente, a inspiração se fez poesia e começou a ganhar versos quando o Sarau da Cooperifa - Cooperativa Cultural da Periferia –, organizado pelo escritor e poeta Sérgio Vaz, subiu ao palco. Sérgio, que foi um dos homenageados no Trip Transformadores de 2010, há 11 anos leva arte e literatura para a população da periferia da zona sul de São Paulo por meio do incentivo à leitura e à criação poética – seus saraus reúnem até 500 pessoas, inclusive algumas que nunca sequer tinham lido um livro antes.

 

Estamos reunidos para celebrar uma crença. A crença no poder que cada um de nós tem de mudar o mundo à nossa volta

 

“Os livros que arrecadamos hoje serão doados à Cooperifa”, anunciou Daniel. “Pode parecer que estamos ajudando o Sérgio, mas é ele quem está nos ajudando a transformar a nós mesmos e ao mundo.”

Em seguida, o grande homenageado da noite, Gilberto Gil, que não pôde comparecer, surgiu emocionado em um vídeo, agradecendo e abençoando o palco com o verso "andar com fé eu vou, que a fé não costuma 'faiá'".

Após as palavras de Gil, recebidas com muitas palmas e entusiasmo, um time de convidados mais que especiais do trompetista Guizado entrou em cena para interpretar canções do baiano, um dos principais nomes do Tropicalismo. Karina Buhr, Ilhan Ersahin, Thalma de Freitas, Jorge du Peixe, Otto, Bnegão, Bem Gil, Chuck Hipolitho, Maria Alcina e Gero Camilo, transformaram o Cine Joia numa verdadeira festa da música brasileira.

O trompetista Guizado, músico que idealizou e concretizou o tributo, fala explica o que o motivou a fazer a homenagem: "Gil é a cara brasileira da diáspora africana. Ele é o equivalente brasileiro de Miles Davis, de Stevie Wonder, de Duke Ellington e de Thelonious Monk. Gil está no mesmo hall desses caras. Todos eles têm em comum uma profundidade musical muito grande. É uma tremenda personalidade mundial e uma pessoa íntegra que tem uma música muito forte."

"Faz 22 anos que eu comecei a vir para o Brasil e nessa época eu já colecionava discos. Então cada vez que eu vinha eu comprava o máximo de discos que eu podia. E logo nas primeiras visitas que eu fiz eu já peguei uns discos do Gil", explicou Ilhan Ersahin, músico casado com uma brasileira, fundador do conceituado Wax Poetic, ícone do novo jazz novaiorquino e convidado especial da noite que foi escalado para tocar sax tenor com a superestrelada banda. "O Gil vira as coisas do avesso. Ele força os limites da composição e usa sua voz como um instrumento muito poderoso. Então ele nunca está só tocando de acordo com uma tradição como a do samba, ele está sempre esticando os limites."

“A música é o agente transformador sonoro”, disse Thalma de Freitas. “É assim que a gente constrói o mundo inventado pelo homem. A gente fala, comunica e as palavras são músicas com ritmo e significado. Tudo isso é muito místico, como o Gil.”

Para Karina Buhr, que tocou "Pessoa nefasta" e "Toda menina baiana", “cada vez que você escuta uma dessas músicas, ela te transforma. A música bate de algum jeito e você sente, pensa ou lembra de alguma coisa. E é muito louco isso quando você está refazendo o arranjo de alguém como o Gil, porque assim ela vai ganhando um novo significado. E a música é a mesma, você que mudou”.

 

“A questão da música acrescenta a mim a transformação que o Gilberto Gil causou na minha vida. Ele me deu régua e compasso, porque daí em diante eu me vi cantando o que eu era", Maria Alcina

 

Já a cantora Maria Alcina foi além: “A questão da música acrescenta a mim a transformação que o Gilberto Gil causou na minha vida. Ele me deu régua e compasso, porque daí em diante eu me vi cantando o que eu era. Estava sempre procurando músicas para cantar, gostava da Jovem Guarda e procurava evoluir. Foi aí que ouvi: 'Olha lá, vai passando a procissão, se arrastando que nem cobra pelo chão, as pessoas que nela vão passando acreditam nas coisas lá do céu...'. E me perguntei: 'Meu Deus, o que é isso?', e era Gilberto Gil. Foi amor à primeira vista”.

"Gil e todo esse pensamento da Tropicália, toda essa movimentação que chacoalhou o país em toda aquela época, onde qualquer metáfora rasa era considerada perigosa. Além de precisar de muita coragem para fazer isso naquela época e afrontar tudo isso, ainda tem a poética dele e as fontes em que ele bebeu, todas importantíssimas para a música brasileira. O país todo foi mais longe através da música dele", completou Jorge du Peixe.

A noite, de fato, aqueceu o espírito e as energias para a grande festa do Trip Transformadores. A premiação, que este ano chega a sua sexta edição homenageando brasileiros que ajudam a promover uma evolução verdadeira para o mundo, com seus trabalhos, suas ideias e iniciativas, tem como principal objetivo gerar reflexão sobre a maneira como cada pessoa pode, efetivamente, transformar sua própria realidade e à da sociedade à sua volta.

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