Marina Morena: a carne é de Carnaval

por Nathalia Zaccaro

Ela cresceu dentro da casa da família Gil e caçou caminhos para ser quem sempre quis: uma empresária hypada do showbiz brasileiro

Em Salvador, Marina Morena nasceu com nome de música em uma família que transpirava liberdade e festa. Cresceu indo atrás de trio antes mesmo de entender que sua carne era de Carnaval. Sua mãe, Keka de Oxóssi, circulava nas rodas mais cobiçadas da época. Namorou João Gilberto, era amiga de Cazuza, pegava praia em Arembepe com Gil, Caetano, Gal e companhia. No terreiro do Gantois, Keka foi filha de santo de Mãe Menininha, umas das mães de santo mais famosas da Bahia.

Mas Marina não via charme na vida que levava. Queria outra história. "Era complicado para mim. Meus pais ficaram um ano sem pagar a escola e toda hora eu voltava para casa com um bilhete de inadimplência. Aí, no último segundo, minha mãe ligava para a Paula [Lavigne] ou para a Flora [Gil], que conseguiam o dinheiro. Minhas amigas tinham um mega carro, eram de uma família 'normal'. E minha família era família de gente hippie. Na minha casa era festa 24 horas por dia. E ainda tinha o Candomblé. Eu não gostava de nada", se lembra.

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Conforme a adolescência foi chegando, descobriu em Flora Gil, de quem sua mãe era madrinha de casamento, um exemplo poderoso. Com a permissão da família, se mudou para casa de Flora e passou a conviver com Gilberto, Preta, Bela e todo o clã Gil. Quando eles decidiram sair de Salvador, ela foi junto. "Flora é como se fosse uma segunda mãe para mim. A maneira como ela administra tudo é inacreditável. Ela cuida da família toda, trabalha, faz tudo. Ela é demais e é do mesmo santo que eu, que quase ninguém é, e que se chama Ewá. Então está explicado, é uma conexão dos antepassados", conta. Quando Marina tinha 14 anos, Flora a colocou para cuidar da porta do camarote da família Gil no Carnaval de Salvador. 

De lá pra cá, Marina, que tem 37 anos, se transformou na dona de uma das agendas mais influentes do showbiz brasileiro. Trabalha diretamente com Anitta, fechou dezenas de contratos publicitários envolvendo gente como Gal Costa e John Travolta. Criou seu próprio bloco no Carnaval da Bahia e fundou, ao lado de Amanda Gomes e Pedro Tourinho, a MAP, empresa de agenciamento de famosos. 

Em papo com a Tpm, Marina lembra das inseguranças na infância, abre o jogo sobre suas tendências compulsivas, pensa sobre a relação com sua mãe e dá alguns bastidores sobre seu hypado trabalho. Se liga: 

Tpm. Sua carreira gira muito em torno de saber lidar com pessoas, conectar contatos. Como você criou essa agenda tão estrelada?

Marina Morena. Eu já conhecia muita gente por ter crescido na família Gil. Mas a minha profissão como agente começou por causa do Carnaval.  O Carnaval é o nosso Oscar, o nosso tapete vermelho. Através do camarote da Flora [Gil] eu fui conhecendo muita gente da publicidade. As agências ligavam e falavam, por exemplo: "Eu preciso fazer essa campanha com o John Travolta". E eu ia atrás do John Travolta, eu tinha um amigo que era amigo dele, etc. Aí Amanda [Gomes], que hoje é minha sócia, disse que a gente deveria cuidar da carreira de artistas. Junto com o Pedro Tourinho, fundamos a MAP. Hoje cuidamos da Regina Casé, da Fernanda Paes Leme, uma turma aí de 30 pessoas. E fora isso temos projetos especiais, como a CASA MAR, em Salvador.

E você também trabalha com a Anitta, certo? Como começou a parceria de vocês e como é trabalhar com ela? Eu já tinha ouvido falar muito da Anitta. A Preta [Gil] que me mostrou uns vídeos dela no YouTube. Aí a Amanda falou: "A gente podia cuidar da Anitta, vai estourar". Eu fiquei meio assim, achei que não tinha nada a ver, porque ela era funkeira e o mercado publicitário tinha uma rejeição. No aniversário de 40 anos da Preta, a Anitta veio falar com a gente e começamos a fechar trabalhos pra ela. Depois, eu sugeri o Giovanni Bianco para fazer um clipe dela. A gente fez uma campanha de jeans e todo o dinheiro foi direto para pagar os custos do Giovanni. Ele sugeriu que a Anitta fizesse uma música com 'bang'. Em dois dias ela apareceu com a música e foi aquele sucesso inacreditável. Ela é muito criativa, muito participativa. Uma vez um amigo meu que é super amigo da Madonna me falou que ela queria cantar funk e eu falei da Anitta. Dias depois entraram em contato e a gente foi para Nova York gravar com ela. Foi bem emocionante. A Anitta vai conhecendo todo mundo, ligando uma pessoa a outra, ela recebe todo mundo muito bem na casa dela, fez as próprias conexões. A gente meio que abriu as portas pra ela, mas ela vai lá e faz melhor do que a gente, é impressionante. 

Como foi essa história do camarote da Flora Gil, que deu o pontapé inicial da sua carreira? A Flora sentiu a necessidade de fazer um camarote para assistir o carnaval com a família e amigos. Era um camarote familiar, mas tinha alguns patrocinadores. Eu comecei automaticamente a assumir a porta, com uns 14 anos. A Flora falava assim: "Se a Madonna aparecer aqui sem convite você não deixa entrar". E eu levei isso muito a sério. Uma vez o meu pai chegou lá e não deixei ele entrar, porque não estava com o nome na lista. Depois começamos o trio elétrico Expresso 2222. Gil puxava o trio com vários convidados, teve um ano que a Flora levou o Zeca Pagodinho com a escola de samba, foi incrível. Eu ajudava a conseguir patrocinadores. Depois fundei meu próprio trio elétrico.

Você lançou o seu próprio bloco? Eu fui para um aniversário do Diplo [DJ norte-americano] na Jamaica e falei: "Cara, você tem que ir para o Carnaval, vamos fazer um trio elétrico". Ele nem sabia o que era um trio elétrico, eu falei "é um truck" e disse que ia dar certo. Para fazer um mix, eu convidei o ÀTTØØXXÁ e o Tropkillaz. Foi incrível.

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E como você se aproximou da Flora Gil? A minha mãe é madrinha de casamento dela e do Gil. Meu padrinho era o pai de santo da Flora. Era muito amigo da minha mãe, era um mago das plantas, fazia qualquer remédio. Eu lembro que na época eu tinha muita vergonha.

Do que exatamente? Ah, eu estudava numa escola super careta, ninguém ia para o Candomblé. Era complicado para mim, todas as mães iam para aquela reunião dos pais e a minha nunca ia. Todas elas iam com correntes, bolsa da Chanel e tal. Meus pais não tinham muito dinheiro. Eles ficaram um ano sem pagar a escola e toda hora eu voltava para casa com um bilhete de inadimplência. Aí, no último segundo, minha mãe ligava para a Paula [Lavigne] ou para a Flora, que conseguiam o dinheiro.

Você tinha uma relação conflituosa com seus pais nessa época por isso? Você se sentia mal? Era complicado para mim. Eu não ia levar a mãe de uma amiga na minha casa, eu tinha vergonha. Elas tinham um mega carro, eram de uma família normal. E minha família era família de gente hippie. Eu ia para a praia de nudismo, na minha casa era festa 24 horas por dia. E com uma galera do rock'n'roll. E ainda tinha o Candomblé. As pessoas tinham uma imagem do Candomblé como uma coisa satânica, uma ideia completamente equivocada. Eu não gostava de nada. 

Como sua mãe se tornou amiga de tantas pessoas influentes? Ela era do rolê, da praia de Arembepe, era hippie. Ela ia muito para o Rio, namorou o João Gilberto, ficou amiga da Bebel, do Cazuza. E também porque frequentava o Gantois [terreiro de Salvador], onde tinha muita gente que era de arte, Maria Bethânia, Gal, etc.

Ela é muito ligada ao terreiro? Ela é super. Ela sofreu um acidente de carro, ficou paralítica, os médicos deram uma injeção errada e falaram que ela não ia voltar a andar. A família dela é toda evangélica, mas ela acabou no Gantois. E foi aí que ela voltou a andar. 

Você já era nascida na época do acidente e da recuperação? Não. Mas ela foi "fazer a cabeça", que é como se converter, depois que eu tinha um ano de idade. Eu culpo um pouco ela, e falo: "Você tinha que ter feito quando estava grávida". Porque assim eu não precisaria ter passado por isso.

Foi traumático porque ela ficou muito ausente? Sim.

E quem cuidou de você? Meu pai.

Eles eram casados na época? Sim. E minhas tias ficaram comigo também. Elas achavam um absurdo o que minha mãe estava fazendo.

O Gantois ficou nacionalmente famoso por conta da Bethânia, que cita a Mãe Menininha em uma música. Vocês eram próximas dela? Minha mãe é filha de santo dela. 

Você considera o Candomblé como a sua religião? Sim, frequento não só o Gantois, mas outras casas. Vou em Umbanda e à igreja Católica também. Eu acredito em energia.

Chama atenção a maneira como você consegue articular seus muitos contatos. Acha que herdou esse talento da sua mãe? Ela foi produtora de shows em Salvador, levou o Cazuza, os Paralamas, os Titãs. E fazia umas outras coisas também, mas que não davam grana. Ela sempre foi muito bem relacionada, muito boa RP, conhece todo mundo, todo mundo ama ela. Mas não soube fazer dinheiro. A Flora Gil sempre ajudou muito, Paula Lavigne também, todo mundo sempre ajudou. 

Por que você saiu de Salvador? Eu saí com uns 13 anos. A Flora ia se mudar e falei: "Vou ficar com vocês".  Aí comecei a trabalhar para a Preta, que estava começando a ser cantora. Fiz a produção do primeiro álbum dela e fomos morar em São Paulo. Lembro muito dessa época, a Preta fazia lipoaspiração, fazia tudo querendo ser magra. A gente ainda chamava ela de gorda. Hoje a gente vê como essa cobrança era tão absurda. 

Como sua mãe reagiu quando você quis sair de casa para morar com a família Gil em outra cidade? Ela achou ótimo. Minha mãe agradece eternamente a Flora. Minha mãe nunca me disse não.

Antes da mudança, você já tinha um quarto na casa da Flora? Já. Ela que foi me dando educação, limite. Dizia coisas como: "Você não vai para bloco nenhum hoje, não. Você vai limpar essa nojeira que está o seu armário. Só vai sair daqui quando você arrumar tudo". Eu chorava e ficava ali arrumando a porcaria do armário o dia inteiro. Ela que me dava limite.

E era confuso pra você estar no meio de uma família em que você é ''quase'' uma filha? Só ficou confuso para mim quando me casei com o Fernando Torquatto e fiz uma mega festa, com o Gil, a Flora e tudo.  Porque em toda matéria que saía era 'a filha do Gil...'. Sempre sai o nome deles em tudo. Mas tenho mesmo uma ligação com eles, não acho problemático.

Como é sua relação com a Flora Gil hoje? Ela é como se fosse uma segunda mãe para mim, um exemplo. A maneira como ela administra tudo é inacreditável. Ela cuida de tudo, cuida da família toda, trabalha, faz tudo. E ela é simples. Ela não precisa comprar cinco coisas, compra uma. Ela diz: "Tenho uma, não é preciso ter dez igual a você e a Preta, vocês são doentes.'' Ela é demais e é do mesmo santo que eu, que quase ninguém é, e que se chama Ewá. Então está explicado essa energia toda, é uma conexão dos antepassados.

Você faz terapia? Eu fiz terapia convencional muito pouco, gostei, mas tem uma hora que cansa. Gostei mais de terapias diferentes, como respiração tântrica. Não tomei ainda ayahuasca, mas quero. Busco terapias não tradicionais.

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E o seu pai, vocês são próximos? Não, não somos próximos já tem um tempo. Meu pai tinha muito problema com drogas.

E da sua mãe, você é próxima? Sim, a gente se fala toda semana. 

Você se acha parecida com ela? Sim. Você passa a vida inteira não querendo ser parecida, mas acaba sendo.

Em quais pontos você se acha parecida com ela? A minha mãe gastava muito dinheiro comprando roupa. E eu me vejo cometendo os mesmos erros. Eu tento consertar porque não quero repetir o que eu cresci vendo, mas é uma terapia quase que diária. Nessa pandemia eu vi que realmente não sei porque eu tenho aquele armário, não tem necessidade alguma.

O que te assustava na relação da sua mãe com as compras é que ela gastava um dinheiro que não tinha, se endividava? É. E eu também não tenho educação financeira, me faltou. Sempre fui compulsiva. Meus sócios já têm sei lá quantas casas, eu não tenho. Eu não tenho dinheiro. E por quê? Porque eu viajei o mundo inteiro, fiquei nos melhores hotéis, comprei tudo o que eu queria. Agora eu quero juntar dinheiro.

Você acha que isso tem a ver com você ter sido uma menina que não veio de uma família rica, mas que conviveu com gente muito rica? Total, mas a Preta também tinha essa mania horrorosa de gastar muito mais do que ela ganhava. Mas talvez se eu tivesse nascido com esse dinheiro todo eu não seria a pessoa feliz que sou hoje.

 

Créditos

Imagem principal: Eduardo Bravin

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