Monica Iozzi: A maternidade é um ato político

por Mariana Moro

A atriz e apresentadora fala sobre a ideia de ser mãe, feminismo e a importância do debate – principalmente com quem pensa diferente

Monica Iozzi é uma artista multifacetada. Aos 40 anos, já transitou por muitos gêneros do audiovisual, dos programas de televisão às telas de cinema, sem medo de se desafiar em novos formatos. Mais de uma década depois de superar 28 mil concorrentes para entrar no time do CQC, ela se orgulha das suas raízes na comédia. “Acho que o humor é uma das coisas mais difíceis que um artista pode fazer”, diz.

Nos últimos anos, vem trilhando um caminho por projetos dramáticos, como a minissérie Carcereiros e a série Assédio, e agora se prepara para estrear o longa-metragem Mar de Dentro, que chega aos cinemas dia 7 de abril. No filme dirigido por Dainara Toffoli, ela interpreta a publicitária Manuela, que, ao descobrir uma gravidez não planejada, precisa lidar com as transformações de seu corpo, de sua carreira e de suas prioridades. “Acho que é a primeira vez que o público me verá completamente desconectada do humor”, conta a atriz.

O longa não é o seu único projeto recente. Ela também comanda no Canal Brasil (também disponível para assinantes Globoplay) o programa semanal Fale Mais Sobre Isso, Iozzi, em que recebe convidados para debater os aspectos fundamentais da política. Para Monica, que sempre se interessou pelo tema, simplificar é a chave: “Precisamos falar sobre política sem usar o politiquês, que afasta muito as pessoas do debate.”

No papo com a Tpm, ela fala sobre o lugar da maternidade – e da política – em sua vida, feminismo, mulheres reais, discursos de ódio, desinformação e a importância de questionar as normas.

Tpm. Em Mar de Dentro, enquanto atriz, você sentiu a diferença de estar imersa em um projeto totalmente dramático?

Monica Iozzi. Eu já vinha transitando por outros lugares na atuação, para além da comédia, então entrar no drama não foi uma novidade tão grande para mim. Mesmo assim, foi um retorno difícil. Acho que alcançar a profundidade dessa personagem e acessar a complexidade das suas emoções, nesse meu lugar interno mais melancólico, exigiu que eu me reencontrasse como atriz.

Em 2019, você disse à Tpm que Mar de Dentro já estava te fazendo refletir sobre a maternidade. Hoje, depois de dar vida à personagem Manuela, que desafia as expectativas impostas a uma mulher que se torna mãe, você sente que sua visão continua mudando? Quando a gente começou o projeto, me reconheci totalmente na Manuela: se eu engravidasse naquele momento da minha vida, eu ficaria mexida, talvez até apavorada. Mas o filme me fez olhar para isso de um jeito diferente, com menos cobrança. Precisamos parar de cobrar mulheres que simplesmente não se veem como mães, de reproduzir esse discurso de que a mulher só é completa depois de ser mãe. Eu sou completa porque sou completa. O que vou viver ou não é uma escolha inteiramente minha.

Você diria que consolidou uma escolha de não ser mãe? Não. Na verdade, acho que esse processo acabou gerando uma reação totalmente contrária em mim. Até recentemente, eu estava segura de que não iria querer filhos. Assim como diz Manuela em uma cena, eu não via um filho na minha vida. Mas, de uns anos para cá, comecei a repensar essa decisão. Ter filhos ainda não é uma certeza para mim, mas não tê-los também já não é mais. Não sei se escolheria ter um filho gerado por mim, ou se adotaria uma criança, mas me abri para outras possibilidades. Não foi nada racional, eu apenas senti.

Você sente o peso de estar aberta a esses caminhos, tanto ao de escolher não ser mãe como ao de optar por formas alternativas de maternidade? Acho que tive muita sorte em nascer na família em que nasci. O maior sonho da minha mãe nem era ser mãe de fato, era ser avó, e mesmo assim ela nunca me cobrou em relação a isso. Mas sinto a pressão em um contexto social mais amplo. Quando comecei a trabalhar na televisão, fiquei muito surpresa com o quanto as mulheres são questionadas em relação à vida pessoal: relacionamentos, casamento, filhos… São perguntas que não são feitas para os homens. É uma forma de imposição, de questionar escolhas como essas, de não ser mãe ou até mesmo de uma maternidade que não tem a ver com gestação.

A gestação ainda é vista como parte indispensável da maternidade? Sim. O que parece é que, além de termos que nos tornar mães, obrigatoriamente, precisamos seguir uma cartilha de como exercer a maternidade. Como vamos parir, alimentar, educar… De repente, todos estão se metendo na criação do seu filho, quase como se fosse um direito opinar. Tem muito disso em Mar de Dentro.

Nesse contexto, você enxerga conquistas do movimento feminista nos últimos anos? Eu sempre digo que sou uma otimista realista. Ainda estamos muito distantes de metas básicas, como o fim da violência de gênero, a equidade salarial e de acesso à educação, a liberdade para andar na rua sem medo, a divisão igualitária de tarefas domésticas… Temos muito a conquistar. Mas acho que essa discussão tem ficado mais frutífera nos últimos anos, principalmente quando a gente fala de maternidade.

Em que sentido? Vejo cada vez mais mulheres afirmando que simplesmente não querem ser mães e, além disso, mães que questionam a romantização e falam da maternidade real, que está bem distante das propagandas de fraldas. Mães que têm a coragem de admitir que, mesmo com a certeza de que amam seus filhos, talvez optariam por um caminho diferente ao olhar para trás. Em um passado não tão distante, essas mães ainda seriam consideradas bruxas. Heresia completa! As mulheres estão se sentindo mais confortáveis para dividir suas dúvidas e questionamentos, mas também suas certezas, mesmo em uma realidade em que sempre há alguém tentando nos dizer como lidar com os nossos próprios corpos.

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Sua personagem, Manuela, também aborda essa questão: “O filho também é seu, mas o corpo é só meu.” Exatamente! É você quem vai carregar o bebê por nove meses? Vai amamentar depois? Não! Então fique aí no seu papel! Não vem querer mandar no meu corpo, não. Mas acho que estamos, sim, caminhando. Vejo uma virada de chave e não creio que voltaremos atrás.

Maternidade e feminismo têm tudo a ver com debate político, assim como o seu novo programa, o Fale Mais Sobre Isso, Iozzi. Como você enxerga o amadurecimento dessa parte da Monica, que sempre se interessou por política e agora comanda um espaço para amplificar essa conversa? As pessoas costumam me enxergar quase como uma fanática por política, mas acho que sou apenas interessada. Vejo isso como um termômetro do quanto as pessoas simplesmente não estão interessadas em política. Eu sinto, principalmente nas redes sociais, que esse desinteresse vem de dois aspectos: da crença de que a política é uma instituição falida, uma engrenagem imutável, e da falta de conhecimentos sobre as suas estruturas mais básicas. Acho que o programa vem com esse objetivo de desmistificar a política, de trazer as pessoas mais para perto da discussão. Quando você não domina minimamente um assunto, é muito mais difícil se interessar por ele ou até questioná-lo.

E isso já vem de encontro ao que é dito no primeiro episódio: “Não dá para escapar da política, porque vivemos em um mundo político”. Sim! Você pode não se interessar por política, mas vai ser governado pelos que se interessam. Lavar as mãos não é uma opção. Trabalhamos por anos a fio, pagamos impostos… Como não se interessar por como essa contribuição retorna a nós? É a política que define quanto o Estado devolverá ao cidadão do seu próprio tempo. É ela que define a nossa vida. Precisamos nos interessar.

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Além do desinteresse e da desinformação, existe também uma recusa ao debate, à participação. Como levar o diálogo a quem não quer falar sobre política? Eu acho que sempre temos que tentar construir pontes, por mais difícil que seja nesse momento de extremos que estamos vivendo. Como dialogar com pessoas que acreditam que a Terra é plana ou que as vacinas têm chips para vigilância? É por isso que, mais do que nunca, precisamos exercitar nossa capacidade de escuta e de diálogo – o que realmente é paradoxal porque temos muitos discursos de ódio sendo fomentados, inclusive, por quem está no poder. Precisamos ser intolerantes com a intolerância, mas não podemos estender essa intolerância a todos que têm ideias diferentes das nossas.

Você acha que já existe uma postura combativa de ambos os lados desse diálogo? Sim. E é natural que as pessoas estejam cansadas de tentar debater. Mas se não estivermos abertos ao diálogo, vamos parar sempre no muro do embate. Precisamos exercitar a paciência com pessoas que acreditam em fake news, com as que já estão descrentes... É com elas que precisamos insistir na conversa, no questionamento, compartilhar fontes confiáveis. Se as pessoas entenderem, por exemplo, que o nosso governo atual é antidemocrático, são mais aliados para construir a mudança. Mas se sucumbirmos ao cansaço as coisas tendem a piorar – e se tem algo que já descobrimos nos últimos anos é que elas sempre podem piorar. 

Já que falamos de maternidade e também de política, uma última pergunta: a maternidade se tornou um ato político? Quando você escolhe ter um filho, será responsável pela educação de um novo cidadão, e isso, por si só, já é um fazer político. E as mulheres que questionam o status quo da maternidade também estão fazendo política. Optar por algo diferente das normas convencionais e criar apoios para sustentar sua escolha é um fazer político. Isso é dizer para a sociedade que existem outros caminhos além dos pré-estabelecidos. Se você não quer ter filhos, ou quer adotar ao invés de gestar, se de alguma forma está questionando essa ordem, isso já é parte fundamental do debate. As mulheres como Manuela [de Mar de Dentro], que escancaram a maternidade real ou questionam o seu lugar no mundo, estão quebrando paradigmas. É por isso que a maternidade é, de muitas maneiras, um ato político.

Créditos

Imagem principal: Gustavo Arrais / Divulgação

Gustavo Arrais / Divulgação

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