O antropólogo que dedicou a maior parte de sua vida a entender o que é o Brasil e os brasileiros fala sobre o fim da vida, fama e o momento político do país
Roberto DaMatta sempre preferiu andar na contramão. No fim dos anos 60, quando muitos de seus companheiros protestavam contra a influência americana no país, o antropólogo de Niterói (RJ) rumou aos Estados Unidos para fazer mestrado e doutorado em Harvard. Por outro lado, enquanto outros tentavam entender o Brasil a partir de teses marxistas ou de estruturalistas franceses, ele resgatava o sociólogo pernambucano Gilberto Freyre, passava ao largo do conceito de classe social e tentava construir uma antropologia à brasileira, baseada na observação e compreensão de fenômenos locais como o Carnaval, o futebol, o jogo do bicho.
De 1987 a 2004, o antropólogo foi professor da Universidade de Notre Dame, em Indiana – e se tornou a voz mais ouvida pelos americanos para tentar entender o Brasil. Mas nunca tirou os dois pés de seu país natal. Voltava três vezes por ano e se abastecia de novas ideias. Até que cansou dos EUA e decidiu retornar de vez para morar em Niterói.
DaMatta voltou em 2004, entre outros motivos, para ficar perto dos filhos e netos. Mas teve de lidar com várias perdas na família desde então: o irmão mais novo morreu de câncer; o filho mais velho, comandante da Varig, sofreu um infarto fatal; a mulher chegou a um estágio avançado do Alzheimer.
Em um papo com o Trip FM, o antropólogo fala sobre a morte, fama e discute o momento político do país. Ouça o programa no Spotify, no play nesta reportagem ou leia um trecho da entrevista a seguir.
Trip. Para imitar uma pergunta que o Antônio Abujamra fazia às vezes no programa dele: Roberto, o que é a morte?
Roberto DaMatta. A morte é aquilo que faz, para algumas pessoas, a vida ser onipotente. As doenças totalitárias, sejam de direita ou de esquerda, assim como as crenças absolutas, as religiões e o racismo, fazem parte de uma tentativa de evitar a morte. Elas atraem as pessoas exatamente porque trazem a ideia de que se você morrer o grupo continua e você com continua com ele. A morte é, para alguns de nós, que tivemos uma educação mais aprimorada sobre seus sentimentos, o fim de uma trajetória bem-sucedida de uma vida que tem um início, um meio do qual você não se arrepende, com momentos mais positivos do que negativos, e no fim você vai para a terra do esquecimento, como disse Albert Camus, em "O Mito de Sísifo".
Há quem diga que a experiência da morte é tão maravilhosa que Deus teria escondido isso porque se não todo mundo sairia se suicidando por aí. O que você acha? Legal. Não tenho como discutir sobre isso. O que eu sei é que a morte não é uma experiência social, você não é capaz de dividir isso com os outros. Ela é impossível de compreender. Se é que Deus existe, ele foi muito misericordioso conosco: você sabe que todos vamos morrer, mas não sabe o dia. Se soubéssemos, a absurdidade seria maior ainda. Uns comeriam muito, outros vão fazer muito sexo. Eu tenho uma ideia firme de como é, porque já fui anestesiado. Quando o cara colocou a máscara no meu nariz, eu fui sugado e a minha consciência sumiu. Por uma fração de segundo eu pensei: a morte é boa.
Aos 85 anos, tendo passado boa parte da vida estudando a humanidade, o que está acontecendo agora com essa exacerbação do digital, em que as pessoas não conseguem acordar sem olhar no celular? É uma nova página que viramos. Só vai aumentar. É possível que daqui a vinte anos não falemos mais em intoxicação, mas hoje essa patologia é real, vejo isso com os meus netos. Por outro lado, o que está acontecendo? Nós estamos nos falando, estamos compartilhando experiências de uma forma muito concreta. O problema não é desintoxicar digitalmente, é o mundo que está doente no sentido de que estamos chegando a conclusão de que ele não é inesgotável. Tudo passa, todo filme tem seu fim, o que não pode passar é o cinema, o edifício. Se o meio acabar, a mensagem acaba. Se acabar a mensagem é o fim do homem. A humanidade se acaba no dia em que a gente não pode mais se comunicar, saber um do outro. O pior que pode acontece com uma comunidade é a falta de comunicação, mas o excesso dela, por outro lado, é o fuxico, é aquilo que ninguém aguenta. É o que acontece com o Brasil com essa pessoa que nos dirige.
Créditos
Imagem principal: Marcelo Gomes / Acervo TRIP