Jéssica Ellen: atriz, cantora e voz de muitas

por Dandara Fonseca

Vivendo a professora Camila na novela ”Amor de Mãe”, a atriz, bailarina e cantora conta como descobriu o mundo da arte e fala sobre religião, carreira e representatividade

A importância dada à educação é um elo entre a vida da atriz Jéssica Ellen e a de sua personagem na novela Amor de Mãe, a professora Camila. Nascida na Rocinha, maior favela do país, a carioca sempre participou de atividades culturais nas escolas da rede pública onde estudou.

"Minha mãe trabalhava o dia inteiro como empregada doméstica, então ela queria que eu e meus irmãos estivéssemos ocupados no período em que ela não podia estar com a gente", conta. Foi ao buscar uma aula de reforço em matemática que ela encontrou o RevivArte, curso que a fez entender o que queria ser da vida: artista. 

A aluna, sempre muito dedicada, descobriu o mundo do teatro, a dança e a potência de sua voz. Participou do projeto artístico Novos Horizontes dos 14 aos 18 anos, foi para a Universidade de Oxford com uma bolsa de intercâmbio, se formou como bailarina pela escola de dança contemporânea Angel Viana em 2012 e ingressou na faculdade de teatro.

Só deixou a graduação de lado quando conseguiu seu primeiro trabalho na TV, na novela Malhação. "Achava que ainda não estava pronta porque só tinha muita experiência com dança e teatro", lembra Jéssica. Mas estava.

Ainda na Globo, participou de novelas como Geração Brasil e Totalmente Demais, da minissérie Justiça e da série produzida pelo Globoplay Assédio antes de ganhar o papel na novela das nove.

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Foi com a personagem da professora em Amor de Mãe que a artista conquistou o país, protagonizando cenas que representam milhares de mulheres por todo o Brasil.

"Quando a Camila abre a boca, ela está falando por muitas pessoas. É bonito quando conseguimos, através do entretenimento, trazer consciência para uma boa parte da população", diz.

A atriz, que no meio desse turbilhão ainda achou tempo para lançar seu primeiro disco, Sankofa, bateu um papo com a Tpm sobre arte, religião, carreira e representatividade.

Tpm. Quando foi o seu primeiro contato com a arte? 

Jéssica Ellen. Foi na escola. Quando tinha uns 12 anos, na aula de história, fiz uma peça para explicar o contexto daquele bimestre. Em seguida, com uns 13, participei de um curso chamado RevivArte, e foi quando eu tive meu primeiro contato com o teatro para além da escola, com uma professora, estudando um texto, decorando cena. Nesse mesmo lugar conheci danças populares brasileiras, como o coco, o jongo, o cacuriá, o maracatú. Era um curso complementar à escola, eu estudava de manhã e à tarde ia para lá. 

Vocês e sua família tinham conhecimento desses projetos artísticos que rolavam?

A minha mãe conta que eu sempre pedia para me enfiar em curso. E ela tentava, dentro da realidade dela, fazer com que eu, minhas duas irmãs e meu irmão, experimentássemos essas possibilidades. Inclusive, tudo começou porque eu tinha tirado uma nota baixa em matemática. Ela foi atrás de reforço escolar e lá descobri que tinha essa aula de teatro. Então sempre foi uma realidade na minha vida e dos meus irmãos. Minha mãe trabalhava o dia inteiro como empregada doméstica e ela queria que a gente estivesse ocupado no período que ela não podia estar ali. 

Quando você percebeu que queria ser artista?

Na primeira peça que eu fiz, eu falei: "Meu Deus, é muito legal brincar de ser outra pessoa." Eu nunca tive uma segunda opção. Tem gente que tem o plano A e o plano B, mas eu não. 

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Você se formou como bailarina em 2012. Você pensava em focar em apenas uma área artística ou sempre quis conciliar todas?

Eu sempre pensei em como eu conseguiria dar vasão às três coisas que eu amo, que são a dança, o canto e a atuação. E a vida foi muito generosa comigo. Para me formar, fiquei dois anos estudando só dança. Teve um período que eu fiquei só estudando teatro. Em outro fiquei mais atuando. E há pouco tempo protagonizei o musical "O meu destino é ser Star", que foi quando consegui colocar em prática essas três paixões. 

No meio dessa correria, o que você faz para manter a paz e a calma?

Eu sou iniciada no Candomblé e a religião é sempre um lugar que me ajuda a acalmar. O Candomblé tem uma relação muito forte com a natureza e eu também. Gosto de tomar banho de cachoeira, ir à praia. E medito também, sempre antes de dormir, o que ajuda a tranquilizar a mente. Hoje em dia estamos em um ritmo muito acelerado, temos muita informação o tempo inteiro. A meditação é uma prática milenar, que vem muito antes de existir um smartphone. É muito bom poder conviver com esse mundo globalizado, mas ao mesmo tempo recorrer a essas práticas milenares. É um bom equilíbrio para conseguir sobreviver. 

Você teve que trancar a faculdade de teatro para fazer Malhação. Como foi essa primeira experiência na televisão?

Uma amiga mandou uma foto minha para uma produtora da Globo porque ela falou que eu era muito bonita e que tinha que fazer televisão. Não foi uma coisa que busquei, até porque achava que ainda não estava pronta. Eu só tinha tido muita experiência com dança e teatro, que precisam sempre de um corpo muito expressivo. Quando fiz o meu primeiro teste, tinha a impressão de que eu não estava fazendo nada, estava sentada olhando para um boneco falando o texto. Sentia dificuldade e pensava que precisava estudar, fazer minha faculdade. Mas eu me adapto rápido e acabei ficando um tempão na televisão. Tanto que quando voltei ao teatro fazia tudo menor. É sempre uma readaptação em cada lugar. 

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Entre o teatro, o cinema e a televisão, você tem um preferido?

Os três são muito gostosos e muito diferentes. O teatro é sempre desafiador, porque você está ali com uma plateia, é tudo muito vivo e potente. A televisão tem o desafio de fazer muitas cenas em uma pegada intensa de ritmo, cada hora um texto novo. A memória é exercida intensamente. E o cinema você fica o dia inteiro para gravar uma cena. Cada área é diferente e sou apaixonada pelas três, não tem como escolher. 

De onde surgiu a vontade de fazer seu primeiro disco, Sankofa?

Da vontade de cantar um pouco mais sobre coisas que ouvi. Eu cresci escutando Maria Bethânia, minha mãe ouvia muito Clara Nunes. Então de certa forma elas eram e são referências para mim. Comecei a fazer aula de canto sozinha, para conhecer a minha voz, com uns 19 anos. E eu tinha vontade de cantar músicas que a minha família entendesse. Por exemplo, eu amo Beyoncé, mas minha mãe não entende nada porque ela não fala inglês. E eu quero que as pessoas entendam o que eu estou cantando. Foi uma vontade de homenagear essas referências e ao mesmo tempo de cantar sobre o que gosto.  

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O álbum fala muito sobre as religiões de matriz africana. Como foi sua relação com a religião durante a vida?

Muito próxima, porque minha mãe sempre foi bem religiosa. Teve um período que estudamos o Kardecismo e meu avô, pai da minha mãe, era da Umbanda. O Candomblé eu conheci um pouco mais velha, com uns 20 anos. Frequentei como visita e depois me identifiquei muito com a casa e com as propostas da religião. Estou lá há muito tempo já.

Que tipo de música você ouve hoje?

Eu sou bem eclética, na verdade. Escuto muito Cassia Eller, Beyoncé, Maria Bethânia. Eu acho que um artista atento dialoga com o seu momento. Tenho projetos de fazer outros discos com outras temáticas.

Falando da Camila, sua personagem em Amor de Mãe, quais características você acha que tem parecidas com ela?

A paixão pela educação, a paixão pela mãe, a relação com os irmãos. Essas são coisas muito parecidas com a Camila, que eu gosto e que eu identifico. Eu tive professores muito legais, que realmente acreditavam nos seus alunos, que promoviam um diálogo aberto. Então é muito legal poder ver o que a Camila faz com os alunos dela. 

Várias cenas da Camila acabaram viralizando na internet, inclusive uma em que ela fala da dificuldade de ser uma mulher negra na sociedade e ter que ser forte sempre. Para você, qual a importância de falar isso na TV aberta, no horário nobre?

Eu acho ótimo. Quando uma cena dessas passa na TV aberta, estamos nos comunicando com um país todo. Acredito que a resposta foi tão positiva porque as pessoas se identificam com a Camila, ela é uma personagem muito real. Quando a Camila abre a boca, ela está falando por muitas pessoas. É muito bonito quando conseguimos, através do entretenimento, trazer consciência para uma boa parte da população. Além disso, é uma possibilidade das pessoas fazerem esse desabafo coletivo. É muito gratificante. 

Um estudo mostrou que a personagem mais pesquisada da novela no Google é Camila. Você imaginava tanta repercussão?

Não, eu não imaginava mesmo. Eu fico feliz e acho engraçado. O namorado da minha irmã, que estuda na UERJ, de vez em quando me manda prints do pessoal no grupo da faculdade discutindo sobre as aulas da Camila na novela. É forte quando realmente entendemos que trabalhar com comunicação é muito importante, porque você realmente desperta consciência nas pessoas. É muito incrível poder dar voz a isso como atriz e poder viver esse personagem. 

Você percebeu uma diferença das pessoas nas ruas com você?

A gente não tem muita chance de perceber essa resposta do público porque a rotina de trabalho é muito intensa. Eu trabalho todos os dias, de segunda a sábado, das 11 da manhã às 9 da noite. Na única folga que eu tenho, que é domingo, eu quero é dormir, descansar e estudar as cenas da próxima semana. Teve um dia em que fui em uma praia com a minha irmã e veio um monte de criança falando que eu era a professora Camila, me abraçaram. Foi muito bonitinho ver isso, mas eu não estou tendo muito tempo. 

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As mulheres de Amor de Mãe são muito fortes. Você acha que parte desse poder vem do fato da novela ser escrita por uma mulher?

Eu acho que faz muita diferença e que a Manu (Manuela Dias) está fazendo um trabalho incrível. Com todos os personagens femininos, até os que a princípio não têm uma curva muito grande, em algum momento você vai ver que teve uma mudança. Quando a nossa subjetividade está impressa nos personagens, isso constrói uma outra sociedade. Eu fiquei arrepiada da cabeça aos pés com a cena em que a Vitória (Taís Araújo) se une a Lídia (Malu Galli) pois estão ameaçando de publicar suas fotos íntimas. Isso faz com que as mulheres que estão assistindo e passando por situação de violência doméstica e de ameaça criem coragem para denunciar esses abusadores. É muito potente, é muito bonito quando vemos que o nosso trabalho realmente tem outras camadas, tem outros desdobramentos. 

Nessa novela você trabalhou com o seu namorado, Dan Ferreira, que interpretou o Wesley. Como foi essa experiência?

Ano passado participamos do mesmo filme, mas fizemos uma cena só juntos. E em Amor de Mãe nós não contracenamos porque ele era de outro núcleo. Em alguns meses de gravação fomos juntos para o Projac duas vezes só, porque os horários eram diferentes.

No dia 9 de março, você vai estrear no filme Três Verões, que também traz reflexões sobre relações sociais, conta com a participação da Regina Casé. Como foi a experiência?

Eu e a Regina nos conhecemos fazendo esse filme e já sabíamos que iríamos ser mãe e filha na novela. Na trama de Três Verões, somos colegas de trabalho, trabalhamos para os mesmos patrões. Como eu já disse um pouco antes, é muito legal quando a gente consegue através do entretenimento falar sobre questões delicadas e importantes. O filme vai mostrando os empregados sem ter nenhum tipo de respaldo, nenhum tipo de informação sobre o que acontece com os patrões, se eles vão parar de receber o salário. E eles começam a dar um jeito de receber alguma renda. Uma delas, por exemplo, tem uma ideia de fazer um bazar com as roupas que a patroa tinha dado para ela. Eu acho muito curioso a capacidade que a gente da classe um pouco mais simples tem de fugir da desgraça. Ao mesmo o tempo o filme é super engraçado, vale a pena ver. 

Tem mais trabalhos já planejados pela frente?

Meu trabalho depois dessa novela é descansar, preciso tirar férias. Não tenho nenhum trabalho planejado, o que eu acho bom. Cansa muito fazer novela.

Créditos

Imagem principal: Wendy Andrade

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