Da comédia ao drama com a série Segunda Chamada, Thalita Carauta fala sobre educação, seu casamento com uma mulher e o filho que têm juntas
O cotidiano dos alunos do curso noturno de um colégio paulistano é o tema de Segunda Chamada, série da Globo em coprodução com a O2 Filmes. As dificuldades dos professores que fazem dupla jornada, enfrentam a falta de infraestrutura e acompanham a vida corrida e de luta dos alunos de 17 a 70 anos são as protagonistas da trama e também da realidade de muitas escolas no país.
No corpo docente da fictícia Escola Estadual Carolina Maria de Jesus (nome em homenagem a uma das primeiras escritoras negras brasileiras) está Eliete, a professora de matemática vivida por Thalita Carauta. Aos 37 anos, a atriz faz seu segundo grande papel dramático de destaque na emissora (o primeiro foi na novela Segundo Sol, com boas doses de humor). Antes disso, marcou presença durante anos no Zorra total em uma parceria longa no humorístico com o ator Rodrigo Sant’Anna.
Nascida no Méier, subúrbio do Rio de Janeiro, ela estudou quase a vida toda em escolas públicas, mas teve a sorte, como ela mesma diz, por não terem violência. “A educação neste país sempre foi um projeto feito para não dar certo”, diz à Tpm. Conversamos com Thalita sobre a situação do ensino no país, maternidade (ela é mãe de Bento, 5 anos), seu relacionamento com a atriz Aline Guimarães e novos projetos para o cinema.
Tpm. Como você construiu a Eliete de Segunda Chamada? O que tem de especial nesta professora de Matemática?
Thalita Carauta. Entre os professores, ela é a única que tem uma realidade próxima àquela comunidade, cresceu na escola, estudou e se formou lá. Tem uma relação muito próxima com com alunos, que se identificam com suas lutas e vice-versa. Assim como eles, teve poucas oportunidades na vida. É muito ética e pode fazer coisas que não são para professores fazerem. Em um episódio, ela ajuda uma aluna (interpretada por Linn da Quebrada) que corria perigo a esconder uma faca. Então, a ética dela é humana e afetiva. Quando fiz pesquisas para interpretar Eliete, procurei pensar na mulher por trás daquela vocação e doação para o magistério, no que ela passou, nas dificuldades de estar ali com os alunos do curso noturno.
Onde você estudou? Teve alguma professora que te marcou, que foi mais próxima? Estudei em colégio particular até os 9 anos, no Méier [Rio de Janeiro], mas mudei para a escola pública por falta de grana. Os colégios por onde passei eram bons, tive essa sorte, nunca teve nada de perigo, brigas. O que era recorrente mesmo eram as meninas que engravidavam cedo. Não tive nenhum professor muito marcante na sala, mas tive na família minha tia, Celia Regina, que dá aula na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e foi muito importante na minha vida. Ela era uma educadora de verdade e tinha a capacidade de perceber as capacidades humanas. Sempre me via fazendo aquelas brincadeiras de criança de encenar, imitar e viu que tinha um potencial ali. Ela me incentivou e me colocou para fazer teatro no Tablado, pagou o curso para mim.
“O juramento do casamento, “na alegria e na tristeza, na saúde e na doença”, deveria ser feito com filho. Só uma relação dessa cria esse amor”
Thalita Carauta
Como você vê hoje este desmonte da educação e corte de verbas? Não tem como não se sensibilizar e se revoltar. É um momento crítico, mas a educação neste país sempre foi um projeto para não dar certo. Quando se tem educação, há senso crítico e liberdade de um povo, por isso a vontade de que (a educação) não vá para frente. Mas desta vez temos a versão mais sincera disso: é para dar errado para que as pessoas não tenham acesso [à educação] mesmo. Neste momento, acredito em uma militância do amor e penso em usar meu ofício para propor novas visões e sensibilizar o outro. Com a Eliete, não quero levantar a bandeira de que está tudo errado. Quero mostrar que os professores são pessoas, não uma carteira assinada e não merecem ser tratados assim pelo Estado. Precisamos pensar em quem são eles, a vida que levam e tudo que passam para estarem na sala de aula.
Por muito tempo, você fez comédia em peças, filmes, no Zorra Total. Agora faz papéis dramáticos e isso gerou surpresa. O que acha disso? Acho normal, as pessoas me conhecem assim. Sempre tive clareza que fui fazer comédia para minha sobrevivência financeira. Comecei a fazer teatro, fui vendo que havia um mercado de humor, um evento aqui outro acolá:"Opa, vamos por aqui". Com o sucesso no teatro, vieram outros convites para o cinema e para o Zorra. Nesta caminhada, tive sorte de conseguir plantar coisas boas e de perceberem que havia algo a mais ali, que eu poderia ir para um lugar mais dramático. Trabalho com humor e isto não é uma questão para mim, tenho um carinho muito grande pelo estilo. É uma coisa tão específica que nem todo ator sabe fazer. Tive uma sorte grande de me dar bem com comédia, foi o que pagou meu aluguel por muito tempo, que me deu o que tenho hoje. Mas nunca foi só pela grana.
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Seus próximos projetos têm a ver com comédia ou drama? Em 2020, estream dois filmes que participei. O Silêncio na Chuva, com Lázaro Ramos, em que fazemos dois investigadores de polícia. É dirigido pelo Daniel Filho e inspirado no romance de Luiz Alfredo Garcia-Roza. Tem pegada policial, mas um leve tempero de humor. E um outro sobre atletismo feminino, ainda sem nome, dirigido pelo Tomás Portella. O filme fala sobre mulheres atletas, um tema que nunca fez parte de nenhum filme brasileiro, e de uma equipe que tem uma difícil trajetória em olimpíada. Minha personagem se machuca e depois de um tempo volta a treinar, mas como lutadora de MMA.
Você teve um relacionamento com a atriz Aline Guimarães por anos. Assumiu somente durante Segundo Sol ou foi nesta ocasião que o relacionamento repercutiu? Ficamos juntas por oito anos, nunca escondi, inclusive sempre postei fotos nossas no Instagram. O que aconteceu foi que estava fazendo Segundo Sol, uma novela das nove, e parece que descobriram, que era vantajoso falar. A gente sempre saiu, viajou e conviveu com os amigos e, apesar de ser discreta, estranhei que a repercussão não tivesse acontecido antes. Talvez antes não fosse interessante, não era algo comercial, que venderia. Revistas e sites falam o que querem e isso realmente não me afeta. Sempre segui minha vida sem dar trela para isso.
“Tive uma sorte grande de me dar bem com comédia, foi o que pagou meu aluguel por muito tempo. Mas nunca foi só pela grana.”
Thalita Carauta
Temos vistos muito artistas assumindo que são gays, falando disso não só na redes, mas em entrevistas. Você acha que algo mudou? Ficou mais fácil e isso tem a ver com a força do movimento LGBT, algo de potência mundial. Quando você vai a público, fala com clareza, claro que tem uma repercussão, o que é ótimo. Famílias estão sendo formadas e as pessoas estão ocupando seus lugares. Por outro lado, quanto mais luz, mais sombra. Por isso, temos essa onda conservadora. Mas somos uma potência, uma resistência que não vai retroceder. Somos força de libertação e isso resulta em um esforço desesperado para nos conter, mas não vão conseguir.
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Você e a Aline adotaram o Bento, hoje com 5 anos. Conta um pouco da sua experiência como mãe. Isso é uma coisa que disseram de maneira errada na mídia, que a gente adotou um menino de 5 anos. Ele está com a gente desde bebê. Bem, duas coisas realmente mudaram muito. Nunca tive medo de nada e agora tenho de muita coisa. Medo de pegar estrada à noite, de não me cuidar, pois aquela pessoa precisa de mim. E a outra é que tudo muda de proporção, você repensa tudo, seu trabalho, a relação com sua mãe, com sua família. Você reflete sobre o que é família. É algo que se constrói, é amor, cuidado, convivência. Mudou toda minha concepção. Você pode ter uma família com a qual não convive e aí perde o significado na sua vida. E têm aqueles que você ama, cuida e que podem ser os amigos. Temos vários agregados em casa, me preocupo, ensino e aprendo, há uma troca. Então, são minha família.
Você fala com seu filho sobre preconceito ou sobre as perguntas que ele vai ouvir na escola por ter duas mães? Tudo é ainda muito novo para as pessoas e sempre vão haver perguntas. Seja sobre a menina negra da escola com cabelo afro, sobre a criança que tem um pai mais ausente, pois viaja muito. Cada um vai ter suas questões. E há terapia, se, quando ele for mais velho, precise trabalhar isso da sua maneira. Ele terá a história dele, que ele conhece, não essa de demonizar o passado dele. Engravidar te faz uma mulher grávida, não uma mãe. Sua relação com seu filho ao longo da vida é que vai determinar se haverá a maternidade e como será. O juramento do casamento, “na alegria e na tristeza, na saúde e na doença”, deveria ser feito com filho. Só uma relação dessa cria esse amor incondicional, pois um filho se ama, apesar de qualquer coisa.