Ela sugeriu, e a Tpm, claro, topou: Débora Falabella posa sem maquiagem nem Photoshop, com suas próprias roupas, em sua casa, enquanto reestreia no cinema e no teatro e se prepara para voltar à TV
Foi numa manhã de domingo pós-Carnaval, daquelas que a cidade se recusa a aceitar o fim da folia, que Débora Falabella abriu a porta do seu apartamento no bairro de Higienópolis, em São Paulo, para receber a Tpm. Enquanto os últimos bloquinhos de foliões devidamente adereçados já ocupavam as ruas, ela passava um café para toda a equipe da revista, antes de posar para as fotos desta edição de cara limpa, sem Photoshop, com as roupas do próprio guarda-roupa, sem fantasia nem personagem. E ela interpretará alguns papéis este ano.
Em março, voltou ao teatro com Love, love, love, peça em que uma família conta a história de sua geração, de 1967 a 2014. Neste mês, vive no cinema uma garçonete na comédia romântica Todo clichê do amor, de Rafael Primot. Também interpreta a sonhadora Selminha de O beijo no asfalto, adaptação da peça de Nelson Rodrigues, dirigida pelo namorado, Murilo Benício, que chega à telona este ano. Ao lado dele, vive o casal de Se eu fechar os olhos agora, minissérie da Globo baseada no livro de Edney Silvestre, que ela está gravando e estreia em 2019.
Mas voltando ao ensaio, a proposta – raríssima entre atrizes – partiu da própria Débora. “A TV, a publicidade e as redes sociais vendem sempre uma imagem perfeita. E isso recai de maneira cada vez mais cruel sobre as mulheres. A gente precisa ter o direito de envelhecer. Por isso quis fazer um ensaio sem maquiagem nem Photoshop”, afirma, aos 38 anos. “Sei que ainda sou nova. Muita gente fala: ‘Espera mais uns anos para você ver’. Mas se a gente não começar a trabalhar essa aceitação agora, o padrão vai continuar o mesmo.”
Débora tem uma motivação enorme para que as coisas mudem: sua filha Nina, 8, fruto de seu relacionamento de cinco anos com Chuck Hipolitho, ex-VJ da MTV e músico com passagens por bandas da cena independente paulista. Foi pensando nela, em contribuir com a construção de uma mulher mais segura e independente, que a atriz embarcou na ideia do ensaio. “É a geração dela que vai transformar a sociedade. Já percebo na Nina uma evolução. As crianças parecem mais preparadas, já vêm mais desprovidas de preconceitos, têm uma cabeça boa para lidar com os problemas e as questões do mundo.”
Recentemente, Nina perguntou à mãe o que era feminismo. Dias depois, escreveu em um exercício da escola que era filha de uma feminista. “Ela vem cheia de perguntas e, mais importante do que ficar conceituando as coisas, é deixar que ela seja quem deseja e tenha o seu processo de experimentação – respeitando a sua idade, claro.” É sempre Nina quem escolhe as roupas que quer vestir, e, há pouco tempo, decidiu raspar a lateral da cabeça e descolorir as pontas do cabelo. “Tentei pintar com papel crepom, como fazia na minha infância. Mas não deu muito certo”, ri.
Débora acredita que a dúvida sobre o feminismo tenha vindo depois de Nina ter acompanhado a mãe em um encontro de um grupo de atrizes, diretoras, produtoras e outras profissionais. Enquanto os filhos desenhavam na mesa ao lado, as mulheres discutiam questões importantes do audiovisual brasileiro, como os casos de abuso sexual. As reuniões surgiram na esteira do movimento Mexeu com Uma, Mexeu com Todas, formado por funcionárias da Globo, depois que veio à tona o assédio cometido por José Mayer contra uma figurinista da emissora.
“Os movimentos que estão acontecendo nos Estados Unidos [como o Me Too e o Time’s up] são muito importantes. A diferença é que aqui a gente ainda está muito desamparada”, explica. “O medo é grande. Temos de ir com calma e entender como as denúncias podem ser feitas, para não ser ainda pior para as vítimas”, opina. “Débora é uma atriz que propicia esse tipo de discussão”, comenta Adriana Esteves, que também faz parte do grupo. “Estamos vivendo um momento muito bonito de transformação e união entre as mulheres e ela é fundamental nesse processo”, completa.
As duas se conheceram e ficaram amigas na novela de maior sucesso da última década, Avenida Brasil (2012). Desde então, é raro que elas deem qualquer entrevista em que não tenham que falar sobre suas personagens (e arquirrivais) Carminha e Nina. “Ela tinha prazer em me engrandecer em cena e também de ser engrandecida por mim. É aberta, generosa e verdadeira. É bonito vê-la atuando”, diz Adriana.
Foi também em Avenida Brasil que nasceu o relacionamento da atriz com Murilo. Os dois já tinham trabalhado juntos em 2001, na novela O clone, na qual interpretavam pai e filha. “Acho que me apaixonei pela Débora na primeira vez que a vi”, lembra o ator. “Mas nunca rolou um clima. Quando a gente se reencontrou, dez anos depois, foi diferente. Ela foi muito difícil, a gente só ficou junto lá para o final da novela. Tinha até desistido.”
Os dois hoje moram no Rio de Janeiro, onde construíram uma casa – Débora mantém o apartamento em São Paulo. Há dois anos viveram o casal de protagonistas da série Nada será como antes. “A gente gosta de ensaiar, estudar, pensar em possibilidades para as cenas”, conta a atriz. Ele completa: “Mais do que no trabalho, a nossa parceria na vida vem como se eu fosse o ímpar, e ela, o par. A gente tem uma cabeça parecida, mas a Débora sempre vem com uma ideia que me faltou. Ela tem uma originalidade nas situações do dia a dia que me deixa sempre impressionado”.
Em cena
Na prateleira do seu apartamento, os desenhos da filha dividem espaço com prêmios que recebeu – da Associação Paulista de Críticos de Artes pela peça Contrações (2013) ao Melhores do Ano do Faustão, como melhor atriz coadjuvante interpretando a vilã Irene, da novela A força do querer (2017), de Gloria Perez. “Débora é talentosíssima e visceral. Veste a pele das personagens sem pudor. Isso é o que mais me atrai na atriz que ela é”, diz a autora. “Nunca é uma atuação óbvia. Ela tem uma interpretação cheia de nuances, que provoca o autor e nos instiga a ir mais longe.”
Desde sua estreia na TV, há exatos 20 anos, em Malhação, ela já viveu de uma drogada em O clone à protagonista abolicionista de Sinhá moça (2006), no remake da trama, passando por Sarah Kubitschek, na série JK (2006), sem tirar um pé do teatro, onde deu seus primeiros passos como atriz.
Ela mantém, desde 2005, uma companhia com os amigos mineiros Yara de Novaes e Gabriel Paiva, o Grupo 3 de Teatro. No mês passado, depois de uma temporada no Rio, levaram a São Paulo Love, love, love, o quinto espetáculo produzido pelo trio. “No teatro é onde realmente exerço a minha função, porque é um trabalho artesanal, do qual participo do começo ao fim”, conta ela, que começou a atuar aos 9 anos nos palcos da escola, em Belo Horizonte, onde nasceu e cresceu.
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Filha de um ator e dramaturgo e de uma cantora lírica, ela e a irmã mais velha, Cynthia, também atriz, tiveram uma criação tradicional, mas com autonomia. As duas adoravam criar peças de teatro em casa e assistir aos espetáculos dos pais da coxia. “Fui eu quem escolhi seu nome, tinha uma amiga imaginária chamada Débora”, conta Cynthia, sete anos mais velha que a irmã. “Nossa conexão é muito forte. Já substituímos uma a outra em alguns trabalhos.” Ela fez as vezes de Débora em O clone, quando a atriz enfrentou uma meningite. “No dia em que ela teve que prestar vestibular, entrei no palco no lugar dela”, lembra, rindo. Débora cursou um ano e meio de publicidade e depois largou a faculdade para perseguir a carreira de atriz.
Na mesma época, conheceu Yara, também atriz e diretora de teatro, que a acompanha na profissão desde então. “Débora tem a capacidade de se adaptar e dialogar com as circunstâncias, sejam elas profissionais, políticas ou sociais, de uma maneira muito contemporânea. Isso faz com que esteja sempre avançando e ficando maior”, opina.
O tom de voz de Débora é baixo, mas suas ideias falam alto. Ela não tem receio em contar, por exemplo, sobre o período em que teve um diagnóstico de depressão – o que ganhou destaque na mídia, com chamadas sensacionalistas. “Não entendi por que isso causou tanto barulho na época. Mas não ligo, não. É outro assunto que precisa ser falado sem tabu nem estigma”, diz. “E, gente, olha o mundo em que estamos vivendo: se estiver extremamente feliz, desculpa, mas é você quem está errado”, brinca.
Corpo presente
Para driblar a ansiedade nossa de cada dia, Débora gosta de subir a serra até Secretário, subdistrito próximo a Petrópolis, no Rio de Janeiro, onde não tem contato com o mundo – até telefonar é difícil. “É um descanso inacreditável, que me tira daquele estado ansioso e chato no qual o celular nos coloca”, diz. Nesses momentos, gosta de tocar violão com a filha e costurar.
O tempo com Nina é algo de que Débora não abre mão. Ou melhor, a qualidade do tempo com ela, porque com uma vida tão corrida e na ponte área – em cartaz em São Paulo e gravando a série no Rio –, entendeu que o fundamental é estar presente de verdade quando as duas estão juntas. “Com a maturidade, fui me livrando da culpa que sentia por ficar longe. Claro que volta e meia ela vem, mas já entendi que a vida interessante e a visão de mundo que proporciono para Nina são importantes também.”
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Ela também bota na conta da maturidade a nova relação que estabeleceu com a profissão. “Era muito reservada, bicho do mato mesmo. Ficava apavorada quando dava entrevista. Com a idade, fui me tornando mais segura”, diz. “Envelhecer também é bom por isso: você faz as pazes consigo mesma em muitos aspectos.”
Daqui a 20 anos, diz que ainda espera estar em fase de aprendizado, se redefinindo o tanto que der. “Quero aprender o que a juventude tem pra ensinar e seguir em construção.”
O futuro a nós pertence
Débora cita cinco mulheres que estão desenhando o futuro, mas avisa: “Muito difícil escolher apenas algumas. Vejo elas mudando o mundo a cada esquina”
Berna Reale
“Artista paraense e performer. Divide seu tempo entre suas obras e o trabalho de perita criminal. Fora do eixo Rio-SP, sua arte aborda temas como a violência e a relação de classes de uma maneira direta, muito potente e visceral!”
Cida Falabella (no alto) e Áurea Carolina
“Vereadoras eleitas em Belo Horizonte, têm um modo de gestão verdadeiramente participativo. São cidadãs conscientes, ativas e querem melhorar o sistema onde vivem. São uma esperança para que a classe política saia dessa indecência. Cida é minha prima e isso me enche de orgulho.”
Gabi Oliveira (no alto) e Luiza Junqueira
“Estão à frente dos canais DePretas e Tá querida. São jovens corajosas que trazem uma renovação de pensamento e a destruição de um sistema patriarcal, que criou muitos modelos para as mulheres.”
Créditos
Imagem principal: Alex Batista
Alex Batista