por Luiz Alberto Mendes

Todos no presídio sabiam que ele estava morto. Menos ele

Ele seria morto. Sabíamos. Sua morte já fora decidida, me contaram. O cara não sabia nada. Sequer imaginava. Era desses que pensa que as coisas ruins só acontecem com os outros. Tinha dado motivo, nem percebera a gravidade do que fizera.

Eu sabia de tudo. Não era meu amigo, mas rolava diálogo, certa afinidade. Afinal, o barato era cadeia. Na prisão se contam nos dedos de uma só mão os amigos, que olham nossas costas, têm obrigação de nos defender, até com risco de sua própria vida. E o sujeito que o mataria também era conhecido. Não teria chances. O cara estava decidido mesmo a assassiná-lo - e seria naquele dia. Quando fôssemos soltos para o pátio de recreação, seria morto. A facadas, barbaramente.

Cometera erro capital. Simpatizara-se pela irmã de seu algoz. Não resistira. Mandara bilhete a ela por intermédio de sua mãe. Prontamente, a moça, sem imaginar conseqüências, contara para a mãe. A mãe, indignada, mais inconseqüente ainda, mandara o bilhete para o filho. Como um preso crescia os olhos em sua filhinha querida?

Ao ofendido, não restava alternativa. Era a lei da prisão. Visita é sagrada. Qualquer abordagem precisava de autorização do visitado. Agora, já era. Não cobrasse, seria desmoralizado, conseqüentemente desrespeitado em sua dignidade. Dignidade é tudo que tem o homem preso.

Faca na mão

O camicase não sabia: seu bilhete já estava nas mãos do irmão de sua pretendida. Eu sabia - e não podia fazer nada. Nem mesmo avisá-lo. Estaria infringindo regras prisionais. Para avisá-lo, precisava estar disposto a morrer com ele. A polícia jamais saberia de nada. Eram estrangeiros no território que julgavam controlar. Minha consciência pesava. Não podia fazer nada, a não ser socorrer, tentar salvar-lhe a vida. Era terrível conviver com aquilo. Eu me debatia. Tentava soluções mágicas. Muito difícil, senão impossível, aceitar aquilo.

Bateu o sino. O guarda veio abrindo celas. Ao sair, os guardas do choque nos revistaram. Menos mal. Talvez aquela prevenção pudesse dificultar. Fomos dirigidos para o pátio. Lá estava ele, perto do banheiro. O outro não muito distante. Fiquei - como os demais que sabiam - esperando.

Não demorou muito: o agressor já chegou de faca na mão, furando. O agredido, pego de surpresa, a princípio, não reagiu. Por conta disso, tomou dois golpes no abdome. Quando viu o sangue, desesperou-se e quis correr. Quando deu os primeiros passos, tomou mais duas facadas no alto das costas. Quando caiu, levou mais algumas estocadas. Então, chegaram os funcionários do choque.

Rapidamente, o agressor foi rodeado e entregou a faca. Corri para a vítima e, ajudado por um companheiro, o retiramos do chão, e, com dificuldades, o levamos ao hospital. Era pesado, escorregava. Estava vivo, gemia alto em choque. Seu sangue nos molhava sem que percebêssemos.

Voltamos ao pavilhão. Nossas roupas sujas de sangue, cheiro adocicado e enjoativo. A consciência pesava, agora mais ainda. A dor e o terror daquele pobre companheiro de sofrimento feria fundo. Não havia o que fazer. Nada.

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