Wagner Moura: O 'capitão do Bope' a favor da legalização das drogas

por Ariane Abdallah
Trip #187

O ator será Capitão Nascimento mais uma vez, mas é a favor da legalização das drogas

Ele explodiu em Tropa de Elite, em 2007. agora Capitão Nascimento virou Coronel, está grisalho e não sabe mais se adianta matar bandido. E Wagner Moura ganhou fama, admiração dos homens, desejo das mulheres e uma convicção sobre as drogas: “Sou a favor da legalização. É mais fácil combater o tráfico do que o usuário”. Trip se infiltra no set do filme mais esperado do ano e revela o baiano tranquilo que encarna o policial truculento de novo, em Tropa de Elite 2, que estreia no segundo semestre

De terno, Wagner Moura cruza a delegacia a passos fortes e some do meu campo de visão. Sentada na escada, com maquiadores, assistentes e policiais de verdade, escuto gritos na sala ao lado. Nascimento está de volta, reconheço a voz. Mas agora responde por Coronel e tem o cabelo grisalho, já que anos se passaram desde a trama do primeiro filme. Prometido para o segundo semestre de 2010, Tropa de elite 2 vai além do confronto direto entre Bope e bandidos para falar de milícias, desconstruir a truculência de Nascimento e fazê-lo chorar no filme mais aguardado do ano – em 2007, Tropa de elite foi a única produção brasileira na lista dos dez filmes mais vistos no país, apesar de ter virado DVD pirata antes de chegar ao cinema.

Não pergunte o que aconteceu naquele set, onde estavam também o diretor do filme, José Padilha, e a atriz Maria Ribeiro, colunista da revista Tpm e responsável por me levar aos bastidores, proibidos aos jornalistas. Sei que o conflito tinha a ver com drogas e era protagonizados por um Nascimento em crise. No novo filme, ele questiona o método de combate ao crime que praticava convicto na juventude. “O cara vai amadurecendo e começa a pensar se a vida que leva tem sentido. Acontece com todo policial do Bope”, garante Wagner, que, aos 33 anos, não abre mão de seus 20 minutos diários de meditação, mesmo quando tem só uma folga por semana. Pessoalmente, acredita que os traficantes cariocas estão mudando de perfil, como reflexo da política de confronto do governo estadual e das milícias. Para Wagner, esses grupos – formados por policiais, ex-policiais, bombeiros, agentes penitenciários e militares, que expulsam o tráfico das favelas e controlam suas comunidades – são o inimigo número um da sociedade carioca hoje.

No dia seguinte à cena do conflito, Padilha não apenas me autoriza a acompanhar as gravações, como me convida para fazer figuração. Topo, para chegar mais perto do meu personagem.

E foi assim que vi Wagner pedir um café e virar o rosto para tossir, incorporando o policial. “A [preparadora de elenco] Fátima Toledo me contou que quando ele dá essa tossida é que entrou radical no personagem”, entrega o diretor.

Não sou Nascimento
Apesar da confusão que a imprensa fez entre as ideias de Wagner e as do fictício Nascimento, na época de Tropa 1, os dois têm diferenças evidentes: o ator defende a legalização das drogas como uma maneira de “acabar com o tráfico sem tanto tiro”. “Se for liberado, vai deixar de ser um problema de segurança pública e passar a ser, de fato, um problema de saúde pública”, argumenta, contrapondo a crença de seu personagem de que “bandido bom é bandido morto”. Outra diferença é que Wagner desliga do trabalho quando está de folga e garante que nunca tomou remédio para dormir, ao contrário do personagem no primeiro filme. Wagner pensa antes de falar, mesmo num papo informal, tem um ritmo baiano que em nada combina com a pressão sob a qual vive o policial. No dia que deixou de buscar o filho, Bem, de 4 anos, na escola para não se atrasar nas filmagens, chegou antes que o resto da equipe no set e teve que esperar. “Tô puto, chateado”, murmurava, horas mais tarde, enquanto aguardava para trocar de roupa no camarim.

“O policial vai ficando mais velho e entra em crise. Não tem mais certeza se arriscar a vida tem resultado”

Depois da cena do conflito, a equipe do filme dá uma pausa para o jantar. Wagner, o montador Daniel Rezende e mais três pessoas da equipe decidem ir a um restaurante ali pertinho. Vou junto. Andar com Wagner Moura no baixo Gávea, sentar ao lado dele na mesa, sexta-feira à noite, enquanto ele pede um chope, é virar coadjuvante ao vivo. Garotas levantam de seus lugares e vêm, munidas de máquina fotográfica, dizer para o próprio o quanto é “fofo” e “lindo”. Ele sorri sem esticar o assunto.

Quando o papo é sobre trabalho, ideias, drogas, política, Wagner não precisa de perguntas para inspirar reflexões. Mas, quando os questionamentos migram para família, experiências pessoais, assédio feminino... as frases custam a ser concluídas – e podem ser lidas especialmente em outra entrevista exclusiva, publicada na nossa revista irmã, a Tpm, deste mês. Pela primeira vez, uma pessoa ocupa o espaço nobre das duas revistas da casa.

Nascido em Salvador, Wagner Moura chama a atenção da crítica no teatro e no cinema desde o começo dos anos 2000. Mas conquistou de vez o público e os gritos histéricos das fãs com Tropa de elite, em 2007 – ao mesmo tempo em que interpretava o sedutor vilão Olavo, na novela global Paraíso tropical. Em 14 anos de carreira, já fez 18 filmes, 7 peças, 2 novelas e ganhou mais de 20 prêmios – ele se orgulha especialmente dos de melhor ator concedidos a Hamlet, em 2008, que também produziu, sob direção de Aderbal Freire Filho (Prêmio Qualidade Brasil e 2º Prêmio Contigo! de Teatro). Wagner começou a fazer teatro na escola, formou-se em jornalismo, mas mudou para o Rio de Janeiro, em 2000, para viver de arte. Na época, fazia a peça A máquina, dirigida por João Falcão.

Além de Tropa 2, Wagner está no filme VIPs, de Toniko Melo, previsto para estrear no segundo semestre deste ano, quando ele começa a rodar Homem do futuro, longa de Claudio Torres. Mas nenhum trabalho o empolga mais do que o lançamento, em 9 de abril, Dia das Mães, do CD de estreia de sua banda – The Very Best of Greatest Hits of Sua Mãe –, criada em 1992.

A seguir você conhece Wagner Moura, o homem que não gosta de grito nem de porrada – desde que não mexam com sua família.

Depois da polêmica em torno do primeiro Tropa de elite, você ficou receoso de aceitar fazer o segundo?
Receoso não. Só nunca tinha pensado nisso. Mas, quando vem um convite do Zé Padilha, levo a sério. Porque ele não pensaria: “Ah, o Tropa de elite fez sucesso, vamos fazer outro, ganhar uma grana”. Quando ele falou, eu perguntei: “Que história vamos contar?”. Ele falou: “Vamos falar de milícia”. Antes já tinham pensado de fazermos um seriado sobre o Tropa. Era uma coisa do Zé com a Globo ou alguma outra emissora de TV, tipo vender uma franchising. E a isso eu me recusei.

Na época do lançamento do filme, você disse que não concordava com o capitão Nascimento. No Tropa 2, vocês pensam de forma mais parecida?
Quando estou trabalhando, pouco me importo com essa questão. Minha preocupação é defender o personagem do ponto de vista humano. Quem é essa pessoa? Já ouvi um jornalista dizer: “Mas você humanizou esse homem”. Eu disse: “Esse é meu trabalho”. Os policiais do Bope são pessoas dignas. Apesar de cometerem barbaridades, têm filhos, amam, choram. Essa é a parte que me interessa. Não posso entrar no set pensando em ideologia. Até hoje acho inacreditável que um crítico confunda o que pensa o personagem com o que pensa o realizador de um filme. Mas estamos prontos para a segunda parte.

O que o Nascimento mudou nesse novo filme?
Ele está mais velho... No primeiro filme, tinha pouca consciência do trabalho dele. O policial do Bope, quando vai ficando mais velho, entra em crise, porque vai entendendo o que faz. Não tem mais certeza se arriscar a vida em confronto com o bandido tem resultado. Esse tipo de questionamento é pirante para uma classe trabalhadora tão estressada como a policial. Nesse filme o Nascimento começa a ganhar consciência do papel dele no jogo. O policial que está no morro combatendo o tráfico é a ponta de uma cadeia que vai parar em Brasília, nos gestores da política pública.

“Sou a favor da legalização das drogas. Falta as pessoas se posicionarem com coragem”

Existia uma admiração do público pelo capitão Nascimento como um policial que não se corrompe, mas é implacável com os bandidos.
O capitão Nascimento foi visto dessa forma no Brasil por conta da nossa fragilidade com relação à segurança pública. Quando a gente vê o cara de preto, fodão, que não se corrompe e pá, mata e bate, fala: “Tá aí a solução”. Porque, em um momento de pânico, de angústia e de desespero, a força se impõe. Essa identificação com a figura do capitão Nascimento vem de uma situação de caos em que a gente se encontra, que é a própria identificação que o morador de favela tem com o traficante. Ele recorre a esse líder quando não tem Estado. “Quer comprar um remédio? Fala com o chefe do tráfico.” É a figura de poder.

No Tropa 1 teve aquela polêmica de o usuário de drogas estar alimentando o tráfico. O que pensa sobre isso?
É um fato, o usuário alimenta o tráfico. Mas é melhor acabar com o tráfico do que com o usuário. Acabar com o usuário não vai acontecer nunca. O que vai fazer? Responsabilizar o usuário? Acho covarde campanhas que falam: “Você alimenta o tráfico”. Já existe tanto problema na vida. O cara pensa: “Eu pago minhas contas, sou uma pessoa legal”, quer chegar em casa e fumar um baseado... “Se você fumar um baseado está matando as crianças de todo o mundo!”

E como se combate o tráfico?
Sou a favor da legalização das drogas, de que se discuta esse assunto sem tanta caretice, moralismo. Falta as pessoas se posicionarem com coragem. Tenho gostado de ver pessoas se posicionando a esse respeito. Gilberto Gil falou disso, Chico Buarque, o [governador do Rio de Janeiro] Sergio Cabral chegou a falar...

Fernando Henrique...
Claro, Fernando Henrique Cardoso! Ex-presidente [pausa]. Uma vez fui numa reunião com um político por quem eu tinha admiração e que estava se candidatando a senador, e ele disse: “Sou a favor da legalização, é um ponto fundamental para diminuir a violência. Se legalizar, vai quebrar o tráfico de drogas. Mas não vou colocar isso na minha plataforma de campanha porque quero me eleger”. Na hora, pensei: “Não vou votar em você”.

O que mudaria se legalizassem as drogas no Brasil?
As drogas vão deixar de ser um problema de segurança pública e vão passar a ser, de fato, um problema de saúde pública. A legalização das drogas está ligada ao conceito de bem-estar social promovido pelo governo, porque é uma forma de você quebrar o tráfico sem tanto tiro. O consumo de drogas é um fato no mundo inteiro. Mas é claro que a legalização é uma experiência que tem que ser cercada de cuidado, de estudos. E há especialistas no Brasil gabaritados para desenvolver isso. Acho que o governador Sergio Cabral deu uma amostra de progressismo implantando a meditação transcendental nas escolas [desde 2008, já são dez escolas estaduais cariocas praticando a meditação, por uma iniciativa da secretária de Educação Tereza Porto, em parceria com a fundação do cineasta norte-americano David Lynch]. O Brasil pode dar uma amostra de progressismo pro mundo.

Você vê uma perspectiva de legalização das drogas a médio prazo?
Vejo. O mundo caminha para um esclarecimento. A própria mudança drástica que houve na presidência dos Estados Unidos, parece que você acordou de um pesadelo, em que o cara que mandava no mundo era um caubói assassino do Texas e hoje é um cara maneiro, inteligente. As coisas tendem a ficar mais claras, sou otimista quanto ao futuro do mundo e do Brasil. Com todas as questões, acho que o governo Lula é o melhor que já tivemos. O grande desafio de um governante no Brasil é diminuir a desigualdade entre quem tem muito e quem tem pouco. E nenhum governo fez tanto quanto esse nesse sentido. Mas é um governo viciado em métodos antiquados, dos conchavos, das alianças, do toma lá dá cá. Quando a gente pensa na figura da Marina [Silva, pré-candidata à presidência pelo PV], me dá a sensação do político do futuro. Mas é engraçado falar que subsistência, respeito à natureza, desenvolvimento sustentável, transparência são uma coisa do futuro, né?

O que pensa sobre as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), que parecem ter ao menos diminuído o tráfico no Rio?
É polêmico. Entendo que a polícia esteja bem armada porque os traficantes estão derrubando helicóptero. Mas acho condenável essa política de confronto. “Vamos meter fogo nos traficantes, matar geral.” Isso já aconteceu em outros governos, só que eles não dominavam as favelas. Matavam os traficantes, iam embora e outros traficantes voltavam. A UPP é positiva se vista como um começo, e não um fim. O que falta nas comunidades carentes é a presença do Estado. É importante a população se sentir protegida pela polícia, mas depois tem que botar hospital, creche, praças, escolas. Você dá uma oportunidade pra criança da favela ter um exemplo diferente do exemplo do traficante ou da milícia. Se o governo não fizer isso, a UPP pode se tornar outra coisa perigosa. O que vai ser da relação desses policiais com essa comunidade que continua carente com o passar do tempo? Eles vão deixar de ser dominados pelo tráfico pra serem dominados pela polícia?

Como enxerga as milícias cariocas?
Sinto que a milícia hoje é o crime organizado inimigo número um da sociedade carioca. Ela elege deputados, vereadores, tem um curral eleitoral, pessoas que são obrigadas a votar em quem ela quer. O tráfico está enfraquecido. As UPPs nas comunidades e o governo reforçando a política de confronto fazem com que os traficantes migrem pra outras atividades ilícitas ou migrem de região. O cara sai do [morro] Dona Marta e vai roubar na Tijuca [bairro classe média tradicional do Rio]. Ou o cara deixa de traficar e vai fazer sequestro. Acho que o perfil do traficante no Rio vai mudar daqui a uns cinco, dez anos.


Como seria o novo tráfico?

Ele vai estar mais ligado a esses garotos da Barra [da Tijuca, bairro nobre do Rio de Janeiro], que traficam no condomínio. Vai ser uma alternativa mais segura pro garotão que quer comprar uma peteca, em vez de subir o morro. Mas essa é só a visão de um ator [risos].

Esse assunto já te interessava antes do filme?
Sim, tenho muito interesse pelas causas sociais. Acho que neste mundo contemporâneo, do “pós-tudo”, não existem mais os rótulos de conservador, progressista, de esquerda, de direita. Existe uma mistura, ainda mais no Brasil, que tem não sei quantos milhões de partidos... Mas hoje tem um comprometimento ético. Pessoas que dizem: “Por que tanto roubo? Tanta máscara?”. Num movimento à parte da política tradicional estão acontecendo outras iniciativas.

Que tipo de iniciativas?
Por exemplo, o ex-capitão do Bope Paulo Storani, que é secretário de Segurança Pública em São Gonçalo, baixada fluminense, trabalha diretamente com a Secretaria de Assistência Social. Quando o foco de violência é forte numa área, ele entra com a polícia e assistentes sociais. Eu vejo com bons olhos as ONGs. É uma forma moderna de fazer política. São pessoas que se juntam e falam: “Estão matando aqueles esquilos ali. Pô, sacanagem, vamos nos juntar e defender os esquilos”.

Você conhece pessoas que usam droga e levam uma vida normal?
É evidente que o uso diário de uma substância altera a pessoa. Você está colocando uma droga dentro do corpo, em um determinado momento vai alterar a saúde, o jeito de pensar. Mas conheço pessoas que convivem com isso normalmente, que fumam maconha há muito tempo e estão trabalhando, felizes. Tem também as pessoas que têm problema químico com a história, e aí vira uma tragédia.

Conhece pessoas que pensaram em parar de fumar um baseado depois de assistir ao Tropa de elite?
Tenho amigos que começaram a plantar.

Você já usou drogas?
Eu tive experiência com drogas, sim, mas prefiro falar o que penso a respeito da legalização e do tráfico. Não quero que ninguém se influencie pela minha experiência. Posso dizer que tive uma juventude agitada. Depois que fiquei adulto, acabou tudo. Eu não me vejo como aquele velhinho junkie. Ao contrário, tenho caminhado cada vez mais para uma trilha de saúde, mas até isso eu não queria que fosse exemplo pra ninguém.

“Tive o privilégio de treinar com o Rickson Gracie. é tipo treinar com o Pelé”

Por que você acredita que as pessoas usam drogas?
Por que as pessoas bebem? Acho que tem uma necessidade do ser humano de sair um pouco do normal, da órbita, do padrão.

Você bebe com que frequência?
Eu bebo quando estou com os amigos, não bebo só, não. Com San [sua mulher, a fotógrafa Sandra Delgado], eu gosto de beber vinho.

O capitão Nascimento era viciado em remédio pra dormir.
É verdade...

Você já tomou antidepressivo, ansiolítico, remédio pra dormir?
Não. Já fiquei triste, mas nunca precisei tomar remédio. Hoje em dia as pessoas querem um alívio rápido para tudo. A pessoa termina com o namorado e não tem tempo a perder com tristeza, não quer sentir essa sensação horrorosa, então toma um remédio. Mas tem que sentir, tem que viver. Não vou poder impedir meu filho de ficar triste. Ninguém é feliz o tempo todo. As revistas de celebridades vendem uma vida falsa. Aquelas mulheres com aqueles homens, naquelas casas, com aqueles labradores, não é assim. Os filmes terminam com finais felizes. A pessoa fica triste e acha que tem alguma coisa errada. Agora, isso é diferente de uma patologia que é a depressão, que pede ajuda médica. Eu acho que a ciência está aí para isso. A San gosta de curar tudo com um chazinho. Eu tomo um remédio para ficar bom da gripe.

O que mudou em você nesses quase três anos desde o lançamento do primeiro Tropa?
Não sei dizer exatamente, mas certamente mudei. Quando eu estava fazendo o Tropa 1, o Bem [seu filho, de 4 anos] era recém-nascido. Agora que vou fazer o outro, vou ter outro recém-nascido [Sandra está grávida de seis meses]. Mas, rapaz, eu acho um barato envelhecer. Só não queria ficar careca, meu pai é careca. Eu gosto muito de mudar minha cara de um personagem pro outro. Se você perde o cabelo, perde uma ferramenta importante nesse sentido. De resto, estou sentindo mais dor no futebol, mas respirando mais no jiu-jítsu. Estou menos afoito.

Você é ansioso?
Não. O jiu-jítsu é um negócio em que a ansiedade é fatal. Quando você não tem muita técnica – não que eu tenha, mas tinha menos antes –, fica mais afoito. É uma luta de muita paciência. Você tem que ter calma. É igual quando você não sabe nada e quer fazer alguma coisa. Às vezes, não tem que fazer nada. Tem que esperar.

Treina jiu-jítsu com frequência?
Não... Eu estava fazendo um filme em São Paulo e fui treinar em uma academia. Falei pra um moleque de 23, 24 anos, faixa preta: “Eu não consigo treinar mais de duas vezes por semana. Foda”. Aí ele disse: “É, eu também hoje em dia não estou conseguindo treinar muito”. Aí eu falei: “Antigamente você treinava todo dia?”. E ele: “Não, todo dia eu treino hoje. Antigamente eu treinava três vezes por dia [risos]”. Falei: “Puta, nunca vou conseguir chegar lá”. Mas tive o privilégio de treinar com o Rickson Gracie, para o Tropa 2. Não sei se você tem noção do que é o Rickson, é tipo treinar com o Pelé.

Você já meteu porrada em alguém?
Depois de adulto, eu dei uma porrada num cara em Paris. Viajei de férias, levei meus pais, que são de Rodelas [cidade de 7 mil habitantes, no interior da Bahia, a 550 km de Salvador], para conhecer Paris. A gente estava na rua, aí vem um cara, acho que europeu, tentando extorquir os turistas, não entendi direito o que ele fazia, mas fiquei ligado. Até que o cara veio dar uma ideia no meu pai. Falei em inglês: “Qual é, meu irmão? Cai fora”. E ele saiu fora. Passa um tempo, vejo o cara fazendo a mesma coisa com um turista italiano. Fiquei olhando pra ele. Ele viu, veio andando pra mim e falou: “O que você tá olhando?”. Quando ele chegou, eu “buf” na cabeça dele [risos]. Aí ele caiu no chão. Minha mãe começou a gritar, e eu fiquei: “Caralho, nocauteei um cara, em Paris...”. Ele levantou, assustadão, e eu esculachei ele em português pra ficar bem com medo. Fiquei péssimo depois, estou longe de ser uma pessoa violenta. Tenho até vergonha de contar isso, mas senti que tinha uma ameaça à minha família. Aí não dá...

 

 

“Tenho angústia com esse negócio de virar adulto”

Existe um Capitão Nascimento dentro de você?
Sou uma pessoa calma, tanto que o problema de Fátima Toledo quando a gente foi fazer o filme era que ela achava que eu era muito baiano, tranquilo. Eu dizia: “Na hora de ficar bravo, eu fico, não precisa me provocar”. Sou uma pessoa tranquila, mas tenho um vigor. Esteticamente, eu gosto de coisa explosiva. Na época de Hamlet, eu falava que tinha uma coisa de capeta ali, o palco pegava fogo, mas era um vigor, uma fisicalidade. O capitão Nascimento canaliza esse fogo pra violência.

Durante a preparação do Tropa de elite 1, você deu um soco no cara do Bope?
Estourei, mas foi o trabalho da Fátima. Um dos exercícios era o capitão do Bope me provocando... E na hora que ele falou da minha família dei um soco. Todo mundo achou ótimo, mas fiquei horrorizado. Na minha opinião, chegamos num ponto que não precisava. Mas, se entro num trabalho, me submeto, não fico com o freio de mão puxado, especialmente num trabalho com a Fátima, por quem tenho a maior admiração. Mas entendo por que muitos atores saem batendo a porta.

De onde vem essa sua intensidade?
Acho que vem da minha mãe, ela tem esse fogo. É muito viva. Ela tem um espírito jovem, um olho brilhante. Brinca com meu filho com uma energia que nenhum outro ser humano tem. Ao contrário do meu pai, que é da aeronáutica, aposentado. É mais sereno, dos livro. É mais velho e... mais velho [risos]. Minha mãe é de viver a vida, curtir, conversar.

Você tem a noção de que se tornou “grande”?
Tenho a noção de que passei a ocupar um espaço que não ocupava antes. Hoje posso recusar mais papéis do que podia antigamente. Antes, aparecia uma oportunidade no cinema, era: “Opa! Vambora”.

Recusa papéis por serem pequenos?
Por serem pequenos não. Tem aquela história: não existe papel pequeno, existe ator pequeno. Mas recuso quando não tenho como contribuir, quando não me instiga.

Eu vi que você foi muito educado com uma fã que ficou te abraçando, gritando, ligou para alguém pra dizer que estava na sua frente...
Eu procuro sempre ser educado. Mas não significa que todas as vezes esteja amarradão em tirar foto. Quando estou com meu filho, quando é uma coisa invasiva, não gosto. Mas gosto quando a pessoa fala: “Assisti Hamlet, adorei...”. Aí eu posso ficar um tempão conversando porque quero saber o que a pessoa achou. Fico vaidoso, sabe? Agora, tem um tipo de relação que entendo, mas não me diz nada. Eu esqueço completamente o rosto dessa pessoa. Às vezes eu me sinto um suvenir. A pessoa fica tentando mostrar pros amigos que encontrou alguém famoso, ela nem se relaciona com aquilo. Tem gente que já chega com o telefone e, “buf”, coloca no seu ouvido: “Fala aqui com meu tio”... Eu não gosto. Não sei fingir, não acho agradável. Engraçado que aqui, não sei se só no Brasil, qualquer comportamento de uma pessoa conhecida que fuja ao que se convencionou que é o correto fica parecendo uma atitude de estrela. Virou esse circo: “Imita uma foca”, aí você tem que imitar. Senão não serve a esse mundo.

“Procuro sempre ser educado. Mas não significa que todas as vezes esteja amarradão em tirar foto”

Já negou autógrafo para alguém?
Não. Mas uma vez eu estava em Salvador com os amigos, tomando cerveja, chegou um garoto e falou: “Me dá um autógrafo?”. Eu falei: “Cara, não tenho caneta”. Era uma criança. Aí ele saiu e deve ter dito para o pai: “Ele falou que não vai me dar o autógrafo”. Daí o pai disse: “Você é muito...”. Não lembro a palavra, mas era depreciativa. Eu fiquei com tanta raiva, comecei a xingar: “Meu irmão, vai se foder. Você não me conhece. Vai tomar...”. Eu tinha bebido. Foi uma confusão horrível, fiquei uma semana mal.

Antes de conhecer a Sandra, você pegava geral?
Quando era jovem, namorei bastante. Tive namoradas que fiquei mais tempo, outras menos... outras bem menos [risos].

Em nenhum momento deu um nó na sua cabeça de pensar que agora pode ter a mulher que quiser?
Não é isso também... As pessoas estão se relacionando com uma imagem, não sou eu. Não sou um galã. Eu vejo os caras bonitos, Rodrigo Santoro, Cauã Reymond, gatões... Eu sou só um cara aí [risos].

No Tropa de elite 2 você também é produtor. Como foi essa decisão?
O Zé é um diretor agregador. Ele ouve, chama as pessoas. No set às vezes é até demais, porque tem muita gente dando opinião, muito especialista em tudo. Mas entendo isso como uma qualidade. E nesse filme ele disse: “A gente não faz o filme sem você, então você tem que ter uma participação”.

O que faz como produtor?
Trabalhei com captação de recursos, termina sendo importante também para o filme me ter nessa hora. É legal aprender sobre esse mundo. Por mais que um diretor me respeitasse, me ouvisse, nesse filme eu tive mais poder, de dizer coisas sobre o roteiro, sobre a história, sobre o rumo da minha personagem, sobre o elenco. E você é convidado a participar de reuniões, da análise técnica, quando junta toda a equipe e diz: “OK, precisamos de tantos carros que vão explodir, de uma locação para tal coisa”. Eu sou sócio do filme, não tem distribuidor. É um investimento privado, uma galera botando dinheiro, apostando, pra receber depois a bilheteria.

Você está colocando dinheiro?

De certa forma. Porque recebo uma parte e outra estou investindo. Tem um percentual que eu recebo no fim da bilheteria. O sucesso que o filme vai fazer está diretamente ligado ao dinheiro que eu vou ganhar.

Você pensa em escrever e dirigir peças, filmes?
Pois é... Eu sou ator, é isso que sei fazer. Mas tenho quase 20 anos desse negócio, já sou rodado o suficiente pra experimentar coisas que fazem parte da minha rotina. Eu já estive em muito set de cinema, em muito teatro, já vi um monte de diretores trabalhando, já li muito roteiro. Acho um desperdício não experimentar. Ontem chamei o Daniel Rezende [montador de Tropa de elite] pra dirigir o clipe da minha banda comigo. Pronto, vou começar a brincar.

Como é essa história da banda?
Começou em 1992, a gente gostava de rock inglês. Então, era um pouco cover do The Cure, The Smiths, Joy Division, New Order. Mas, todos nós baianos, tínhamos influência do interior da Bahia, a gente ouvia muito músicas de puteiro. Na Bahia, você anda na rua, tem um boteco tocando Reginaldo Rossi, Odair José, Márcio Greyck, Diana, Waldik Soriano, Fernando Mendes, Amado Batista, Roberto Carlos... A gente era mais Waldick Soriano do que Morrissey, na verdade. A banda cresceu com esse conceito: juntar a melancolia do rock inglês com a melancolia dos cantores chamados bregas. São compositores realmente populares, que cantam sem vergonha de parecer piegas. É grandiloquente, nunca é menos. E eu não sou também um artista de menos. Quando a gente começou a compor, eu lia nossas letras e dizia: “Porra, não parece que a gente viveu isso”. Não tinha verdade, como você sente que tem quando o Reginaldo Rossi canta: “Eu só representava um cheque no fim do mês”.

O CD que vocês vão lançar é com composições próprias?
Sim. Como a gente compunha muito, muitas vezes bêbados, as músicas se perdiam... Agora, depois de 17 anos, fizemos uma seleção das melhores composições desse tempo todo.

Você dorme bem?
Durmo. Mas minha onda sempre foi dormir e acordar tarde, o que não é um hábito saudável, estou tentando mudar.

Você fez faculdade de jornalismo. Chegou a trabalhar na área?
Fiquei muito tempo trabalhando como jornalista, no Correio da Bahia, na TV Bandeirantes, em Salvador... Mas eu gostava mais de teatro e comecei a me manter financeiramente melhor com isso. Fazia peça infantil, teatro em empresa, animação de festas...

De palhaço?
De palhaço [risos].

Profissionalmente, tem alguém que você admira?
Acho Selton [Mello] “o” ator da nossa geração. Eu tenho vontade de ser amigo de Selton [risos]. Ele é assim: quando a gente está pensando em fazer alguma coisa, ele já fez e está pensando em fazer outra mais na frente. Ele tem muita experiência pra idade, fora o talento extraordinário. A forma com que se coloca como artista, como produtor, como um cara que pensa no mercado, mas também pensa na arte é incrível.

Como você faz essa relação entre arte e mercado?
Consigo fazer arte pra ser consumida pelas pessoas sem que isso represente um demérito ao que faço. Colocar a produção artística e o comercial como duas coisas opostas, como fazem alguns artistas, acho uma caretice intelectualoide, acadêmica, elitista. Fiz questão de que meu Hamlet fosse popular, acessível, sem diminuir a peça ou facilitar. Não acho nada mais cafona do que essa ideia de que o artista bom é aquele poeta bêbado, pobre. Temos que andar junto com o mundo em que vivemos. Agora que vamos lançar o disco da banda, por exemplo, quero que venda. Queria que as pessoas comprassem, ouvissem em casa, vissem nas Lojas Americanas.

Você ficou rico?
Não, mas conquistei uma vida estável, confortável. Não deixo de fazer o que quero por causa de grana. Mas eu também não quero viajar de balão pelo mundo, né?

Você é feliz?
Sou feliz, mas não 24 horas por dia. Tenho muita angústia com esse negócio de virar adulto. Não quero deixar de escalar o Pão de Açúcar, não quero parar de jogar futebol porque torci o tornozelo. Tenho agonia com acomodação. Essa felicidade linear me soa como uma pessoa sentada em uma conquista.

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